Esse texto fala sobre preconceito.
Mas não como muitas pessoas costumam falar por aí: “Diga não ao preconceito!” ou “Preconceito é algo antiquado”, etc. Vamos para além de um julgamento superficial baseado em “certos” e “errados”.
Afinal, mais do que nessa dualidade, a existência humana, na prática, acaba sendo baseada em atitudes “adequadas” e “inadequadas”, e isso sempre vai depender de diversos fatores. Vai depender sempre de cada instante vivido.
Para começar, os preconceitos são muito importantes para a vida humana.
Conceitos prévios facilitam a nossa vida em nossas tomadas de decisões, a cada momento. Se eu não soubesse previamente que nuvens escuras se aproximando pelo céu significam possibilidade de chuva, eu não poderia me prevenir ao levar meu guarda-chuva. Se, por outro lado, eu não soubesse antecipadamente que uma pessoa com raiva de mim tem muita dificuldade de compreender um ponto de vista diferente do dela, eu deixaria de evitar muitas discussões desnecessárias.
Enfim, preconceito, em si, nunca será um problema. Mas tem momentos em que a mente humana se acomoda em preconceitos, e a existência se empobrece…
Existem momentos em que olho para a vida, para o outro e para mim mesmo de uma maneira estreita. É quando perco uma grande alegria na vida humana: a surpresa.
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Quando o preconceito restringe minha visão sobre a vida minhas expectativas sobre ela diminuem. Afinal, se eu realizar X, obterei Y. Ou, posso pensar também que não adianta realizar nada, pois tudo permanecerá igual. Em ambos os casos, a vida está sem valor enquanto descoberta. De uma forma está previsível em seus resultados, e está arrogantemente reduzida em valor aos meus olhos. De outra forma, me sinto impotente, e por isso acho que nada na vida é capaz de me surpreender.
É quando a desesperança dita minhas atitudes e também de forma reducionista (embora derrotista) digo que já sei que nada pode melhorar. Olhar para a vida já sabendo o que ela é capaz de me oferecer é estacionar em um preconceito. Isso se reflete em uma postura diante do trabalho, relacionamentos em geral, projetos pessoais…
Quando o preconceito restringe minha visão sobre os outros, também estou preso a um determinado olhar.
É muito comum uma pessoa olhar para um determinado parente ou pessoa muito próxima e dizer que já a conhece. O tempo de convívio propicia isso. Não é um equívoco, de fato é possível se conhecer as tendências de uma pessoa. Entretanto, reduzir uma pessoa a suas tendências é uma visão muito restrita, que traz sofrimento, tira a beleza da existência.
Só porque uma pessoa é predominantemente agressiva que ela não pode ter uma atitude amorosa e paciente? Uma pessoa brincalhona não pode ter uma sacada genial e séria no momento em que o grupo mais precisa? Nunca se sabe.
Da mesma forma, esse preconceito restritivo pode ser direcionado a mim mesmo.
Quantas vezes não olho para mim e me acho incapaz de realizar determinado desafio a que a vida me convida? Ou, pelo contrário, quantas vezes não me sinto como que infalível diante de alguma empreitada com a qual já estou acostumado? Quantas vezes também não naturalizo determinadas posturas minhas de raiva ou de medo, quando essas são apenas possibilidades?
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Por me entender como um conceito prévio, fixo, imutável em meu pensar, agir e sentir, acabo por deixar de me descobrir a cada instante. Adiciono assim uma pitada de automatismo em minha existência.
Quando, para além dos preconceitos, a existência se constrói e se vislumbra a cada instante. A cada momento o imprevisto pode acontecer nos fatos de minha vida, bem como pode ocorrer em minhas predisposições.
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E se estou aberto a isso, me permito me surpreender, vivendo assim uma nova experiência – mesmo que esta seja aparentemente idêntica a outras anteriores. Admito, assim, que o outro também pode ser diferente do que eu imaginava, e meus amigos, parentes, e até mesmo adversários e inimigos mostram uma faceta desconhecida. A vida se amplia a meus olhos. Surpreendo-me.
Você já se permitiu se surpreender?