Sabe, olhando bem para o passado, olhando assim, sem mágoa, sem rancor, sem sentimento relevante, arrisco dizer que o problema nunca fui eu. Querido, fui quem amei sim, mas sabe qual é o lado bom de amar sozinha? É que estar no lugar daquele que não sabe amar é sempre pior. Prefiro amar mil vezes sozinha do que deixar de sentir apenas uma vez por incapacidade. A derrota para o amor é exclusivamente de quem não o sabe, não o vê, não o tem. Acho até que a falta do amor é muito mais dolorosa do que o próprio amor em demasia.

Já senti raiva por ter sofrido tanto em uma relação doentia, mas consigo enxergar tudo melhor hoje em dia. Você tem um alma regada na teoria, mas, honestamente, lá no fundo é uma pessoa vazia. Não por que não foi capaz de amar a mim ou aos que passaram antes de mim, menos ainda os que virão. Você é uma pessoa vazia porque seus conceitos são bonitos da boca para fora, mas não aquecem o peito, nem o seu, nem o de ninguém que passa por você.

Há uma estaca enfiada no seu coração e não é culpa sua. Você sempre foi assim, sua mãe mesmo me contou naquele jantar de aniversário. Lembro que não acreditei em toda a amargura que ela me disse vir de você, o amor cega a gente, não é mesmo? Você é egoísta em tudo que faz, é incapaz de sentir compaixão por quem o cerca. É um cara duro, egocêntrico, inerente às dores do mundo. Nada lhe espanta, exceto se o buraco da ferida arder na sua pele. Aí você sente, chora, pune, deseja até matar.

Você é o ódio em pessoa, mas isso também não é sua culpa. Você simplesmente odeia com a mesma facilidade com que respira, com que acorda de manhã, com que troca de roupa. Sabe, fiz de tudo para lhe ajudar, mas é que também fiquei doente dentro dessa nuvenzinha cinza que sobrevoa sua vida.

Ontem mesmo vi você atravessando a rua, bem em frente ao café que a gente adorava ir juntos. Você continua o mesmo, com o olhar virado para si, sem brilho, sem alegria. Com seus passos miúdos e tão apressados, sem nem sequer perceber o sol que ainda tenta iluminar seu corpo cinza.

Não me arrependo de nada, juro que não. Nem mesmo de perder os anos que perdi ao seu lado, foram todos muito importantes para tudo que me tornei hoje. A última vez que olhei para trás, e lá se vão alguns meses, você continuava no mesmo lugar: andando em volta do próprio umbigo.

Sabe, acabei saindo no lucro, pois meu sofrimento virou semente para um novo e lindo amor que vivo agora. E tudo que aprendi ao seu lado não tem nada a ver com o tipo de pessoa que desejo para minha vida, mas tem tudo a ver com quem não quero ao meu lado em hipótese alguma.

(Imagem: Gary Edmonstone)

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Ju Farias é jornalista, poeta e escritora. Autora do livro Com licença, posso entrar?, que já está esgotado nas livrarias, a gaúcha já prepara o lançamento da sua segunda obra, com título provisório de "Cá entre Nós". É colunista do site Fãs da Psicanálise.

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