O envelhecimento é uma etapa do processo no desenvolvimento da vida. É o momento em que o guerreiro finalmente pode se livrar da armadura pesada, que carregou a vida toda. Mas, depois de retirar a armadura indaga-se então: o que sobrou? Uma etapa delicada que guarda inúmeras características da fase infantil. Assim como a criança, o idoso requer cuidados especiais. Com alimentação, higiene, proteção. Além disso, o idoso sofre muito com a solidão, assim como um bebê que não suporta a ausência da mãe (ou daquela que supre essa função) por longos períodos.
Na vida social somos saturados de informações todos os dias e isso é um fator de enorme prejuízo para vida mental, sobretudo no envelhecimento. O fato de o sujeito ter chegado à velhice é sinal de que muito provavelmente ele passou uma vida toda se submetendo a esse perturbador processo traumático. Essas informações que saturam a mente do sujeito, em sua maioria não estão vinculadas à experiências afetivas.
Mas, pelo contrário, são guardadas pela necessidade de não sermos punidos se esquecermos ou ainda como recurso para obtermos benefícios, motivos que na realidade, acabam por coincidirem. Chamamos isso de memória. Dados formatados e armazenados. São diferentes da recordação, que por mais que também seja registro do que já passou, tem sua origem através de um vínculo afetivo. Enquanto a memória tem o papel de acumular na mente, a recordação libera a mente de ter que lembrar.
“Somos cobrados o tempo todo a nos lembrar. Somos punidos por esquecer e elogiados quando nos lembramos. Somos entulhados de coisas que devemos nos lembrar, sem que tenhamos a menor chance de estabelecermos qualquer ligação afetiva com isso. Isso gera uma saturação das capacidades reflexivas.” (MARTINO, em O LIVRO DO DESAPEGO, 2015.).
A psicanálise nos ensina sobre as duas tendências que comandam a vida emocional que se configuram na pulsão de vida, que tem a função de juntar e conservar e na pulsão de morte que tem a função de separação, decomposição e representam a tendência fundamental de todo ser vivo a retornar a um estado inorgânico. Em uma carta à Albert Einstein (1879 – 1955), Sigmund Freud (1856 -1939) discorre sobre essa formulação.
“Gostaria, não obstante, de deter-me um pouco mais em nosso instinto destrutivo, cuja popularidade não é de modo algum igual à sua importância. Como consequência de um pouco de especulação, pudemos supor que esse instinto está em atividade em toda criatura viva e procura levá-la ao aniquilamento, reduzir a vida à condição original de matéria inanimada. Portanto, merece, com toda seriedade, ser denominado instinto de morte, ao passo que os instintos eróticos representam o esforço de viver.” (Freud, em POR QUE A GUERRA? (EINSTEIN E FREUD), 1933 [1932]).
Essas duas tendências convivem o tempo todo permeando os processos mentais. Uma não anula a outra, necessariamente, mas muitas vezes trabalham associadas. No entanto, quando na mente existe um predomínio da pulsão de morte isso propicia a geração de patologias. O Mal de Alzheimer, que normalmente acomete o idoso configura-se no império da pulsão de morte. De início atuando internamente deteriorando as lembranças promovendo um caos no funcionamento mental. Posteriormente, essa disposição ao aniquilamento tende a se voltar para fora, como pulsão de destruição, em forma de hostilidade.
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“O instinto de morte torna-se instinto destrutivo quando, com o auxílio de órgãos especiais, é dirigido para fora, para objetos. O organismo preserva sua própria vida, por assim dizer, destruindo uma vida alheia. Uma parte do instinto de morte, contudo, continua atuante dentro do organismo, e temos procurado atribuir numerosos fenômenos normais e patológicos a essa internalização do instinto de destruição.” (Freud, 1933 [1932]).
O desempenho da pulsão de destruição que de inicio promove a desintegração do eu, passa então a atingir o mundo externo ameaçando desintegração da família. No início a família não sabe o que está acontecendo, podendo gerar sentimentos de hostilidade e irritação. Nunca se está preparado para uma intercorrência desse tipo, por mais consciente que se possa ser dos percalços da vida.
Quando a configuração da família já se encontrava desestruturada, temos então um convite para que se estale um estado de caos. O paciente também percebe e com isso, corre o risco de se sentir um estorvo, agravando os sintomas. Os efeitos que passam ser atribuídos à doença do paciente na realidade já existiam em alguma proporção e com o fato se aguçam. No paciente as falhas na memória, perdas de objetos pessoais, dificuldades de compreensão, episódios de hostilidade, mudanças bruscas de humor, desinteresse pela vida e o ódio dirigido à realidade, parecem já acontecer, mesmo que em uma medida sutil, antes da doença se instalar.
Assim como os conflitos no ambiente familiar que têm um convite para se agravarem. Ainda assim, cada crise serve como oportunidade de se refazer vínculos deteriorados, na tentativa de reparação por um bem maior em comum. Por conta disso, a qualidade da relação anterior à doença é elemento preponderante. Na grande maioria dos casos de falta de cuidado com os pais idosos, existe histórico de falta de cuidado com os filhos.
Pais que não foram capazes de dedicar-se aos filhos, no momento delicado da infância são grandes candidatos a serem abandonados pelos mesmos, no momento frágil de sua vida, na velhice.
Com frequência as lembranças do sujeito acometido pelo Mal de Alzheimer são cheias de traumas e vínculos abusivos. Muitas vezes com registros de violência psicológica e física. Sendo assim, existe uma indagação tão frequente quanto inconsciente: Lembrar pra quê? Esquecer é um alívio.
“Exceto no âmbito das especulações hipotéticas, não se sabe a origem da doença de Alzheimer, mas, sendo como for, do ponto de vista do funcionamento mental, essa forma de demência crônica traz uma chance de se livrar de toda a necessidade de registrar novos fatos na memória. Lembra-se daquilo que foi registrado há muito tempo, mas não consegue guardar fatos que ocorreram a pouco, naquilo que chamaríamos de memória recente.” (MARTINO, em O LIVRO DO DESAPEGO, 2015).
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Na realidade, vivemos numa configuração social que têm muito pouca habilidade no cuidado com o incapaz, independente da condição do sujeito (bebê ou idoso). A não ser que isso possa trazer lucro. Com isso abre-se a possibilidade do estabelecimento de um negócio muito lucrativo. Percebe-se esse fenômeno através do aumento considerável de “escolinhas” infantis e creches que recebem crianças cada vez mais novinhas, assim como de casas de repousos para idosos. O cuidado está sempre relacionado às recompensas. O ser humano contemporâneo tem grande dificuldade em cuidar daquele que não pode retribuir ou recompensar.
“O humano carrega a ilusão de ser capaz de atribuir ou retirar o valor da vida, enquanto o que é realmente possível é se tornar capaz, ou não, de reconhecer o valor que a vida tem: Quando não cuidas, acaba por morrer. Quando descuidas, volta-se contra ti. Quando cuidas bem, será tua esperança.” (MARTINO, em O LIVRO DO DESAPEGO, 2015.).
Freud, S. 1933 [1932]. POR QUE A GUERRA? (EINSTEIN E FREUD), in Edição Eletrônica Brasileira das Obras Psicológicas Completas – Edição Standard Brasileira, IMAGO (1969-80).
MARTINO, R. D. O LIVRO DO DESAPEGO – 1. ed. – São José do Rio Preto, SP: Vitrine Literária Editora, 2015.
(Autor: Prof. Renato Dias Martino)
(Fonte: pensar-seasi-mesmo)
*Texto publicado com autorização da autor.
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