Comportamento

Um desabafo sobre minha companheira mais fiel, dona Ansiedade

Não sei ao certo como ela surgiu. Não sei se sempre esteve ao meu lado ou se as circunstâncias da vida a fizeram se aproximar de mim. O que sei é que ela nunca me deixa.

Quando acordo, ela está lá, pronta pra me dar meu primeiro bom dia. Se sinto fome, ela me acompanha à mesa. Se preciso fazer uma prova ou apresentar um seminário na faculdade, ela logo se prontifica a ir junto comigo sem nem sequer perguntar se é bem vinda.

E é assim todos os dias, todas as horas, todos os minutos e segundos do meu dia; ela me segue religiosamente até a hora de dormir sem se importar com a minha opinião a respeito de sua presença constante e grudenta. Apenas deita ao meu lado e se recusa a ir embora de vez. Quanto a mim, só me resta aceita-la como companhia.

Já tentei rejeitar, excluir, menosprezar. Até tirar sarro dela já tentei, como forma de afastá-la através do deboche. Mas ao contrário de mim, ela não é capaz de guardar rancor. As minhas ironias e sarcasmos só servem para aproxima-la ainda mais de mim, pois quanto mais a trato com ojeriza, mais ela sente o quanto preciso dela. Por isso, todo meu esforço é em vão. Por mais que eu tripudie dela, ela nunca vai me odiar como eu a odeio.

De uma forma completamente bizarra e diria até masoquista, ela me ama. É um amor tão grande e tão evoluído, que não necessita de reciprocidade. Aceita sem ressentimentos sua unilateralidade desde que esteja sempre ao meu lado.

Tem plena consciência de que nunca será correspondida por mim, ou melhor, sabe que não sou nem nunca serei capaz de amar ninguém na mesma proporção que ela me ama, mas mesmo assim ela não desiste de seu amor por mim. Afinal, seu amor é tão único e especial que o próprio ser amado demora pra enxergar que é amado.

Não é um amor calmo, tranquilo e equilibrado como aqueles descritos em livros ou vistos em telas de cinema; é um amor que perturba, acelera os pensamentos e batimentos cardíacos, tenciona os músculos, arrepia os pelos, nos faz gaguejar e perder a voz, e em alguns casos, até sentir ânsia de vômito e vontade de desmaiar. Já vi gente ir parar no hospital e viver à base de remédios por ser alvo desse amor.

A sua força é tão poderosa e muitas vezes cruel (mesmo que sua intenção não seja) que é capaz de criar fantasmas onde não existem nos fazendo remoer o que foi e o que ainda virá. Pode nos prender ao passado da mesma forma que nos faz antecipar o futuro com a “certeza” de que este é um objeto de temor.

Planta em nossas mentes questionamentos tão absurdos e repetitivos que chegam a nos roubar energia mental, espiritual e física a ponto de nos fazer sentir completamente esgotados de tanto pensar. A confusão que causa em nossas vidas é tão grandiosa que passamos a maior parte do dia repetindo mentalmente aquela música da Tiê; “Me perdi no que era real e no que eu inventei…”.

Por todos esses motivos, eu sempre a odiei. Odiava e a temia ao mesmo tempo, pra ser mais honesta. Tinha convicção de que seu único objetivo era me desestruturar a fim de me fazer perder o foco e acabar me auto sabotando.

Hoje começo a perceber que fui um pouco injusta com ela, estava sendo ingrata com quem no fundo, de uma maneira bem única e tão dela, só queria fazer eu me sentir amada. Todo esse caos que ela causava em mim não passava de seu jeito complexo de demonstrar amor. Amor esse, que talvez ninguém, jamais, será capaz de sentir por mim. Só ela. Unicamente ela.

Quando via os rastros físicos que ela deixava em mim sentia raiva, minha mente pequena achava que era petulância de sua parte, uma forma de deixar claro seu poder sobre mim como um gato marcando seu território.

Agora enxergo as coisas com mais clareza. Quando minhas mãos e meus pés começam a gelar e o suor escorre por entre meus dedos, palmas e solas, reconheço que é a forma dela me dizer que seja lá o que estiver acontecendo comigo no momento, eu terei que enfrentar sim; mas não sozinha. Pois ela permanecerá do meu lado até o fim.

Sempre me pareceu significativo minha sudorese se concentrar justamente nas mãos e nos pés. Talvez nos pés seja pra me mostrar que ela guia meus passos e me segue onde for necessário, acompanhando minha caminhada mesmo nas estradas mais desertas e cheias de curvas da vida. E nas mãos, seja sua forma poética de me fazer sentir que ela anda de mãos dadas comigo e que não vai soltá-la mesmo que eu a despreze.

Finalmente consigo enxergar seu valor e reconhece-la não mais como minha inimiga, mas sim como minha mais fiel aliada, minha companheira de vida e minha cúmplice mais generosa e abnegada. Seu amor é tão incondicional que a única coisa que me pede em troca de sua lealdade é um pouco de coragem.

Aliás, ela me escolheu exatamente por isso; enxergou a covardia em mim e cismou que iria transformá-la em coragem. Foi a única que viu em mim um potencial pra ser heroína, enquanto todos viam apenas uma boba da corte.

E se ela escolheu me dar um voto de confiança, também escolho dá um voto de confiança pra ela. Sei que ela faz eu e um milhão de pessoas ao redor do mundo sofrer, algumas chegam a desenvolver síndromes e transtornos psicológicos e por causa dela, nunca mais conseguem viver em paz.

Quando ela e a depressão se tornam sócias deixam muitas pessoas à beira do suicídio e outras, infelizmente, não retornam nunca mais. Por isso, é muito difícil conviver com ela sem tratamento.

Contudo, da mesma forma que ela vê o pior e o melhor em mim, também preciso ver seus prós no meio de milhares de contras. Graças a ela eu vou mesmo com medo; graças a ela mesmo com toda minha insegurança não perco o ímpeto de tentar e insistir; graças a ela tiro força de onde nem sabia que existia pra lidar com minhas fraquezas e paranoias sem sentido, pois ao mesmo tempo que ela cria paranoias, as elimina ao me fazer criar anticorpos contra elas.

Acho que no fundo, ela só queria que eu aprendesse a me defender de mim mesma e não desistisse de lutar por aquilo que queria, só por causa de medos bobos.

Não! Ela não é minha inimiga como eu pensava. A minha arqui-inimiga era eu mesma o tempo todo. Até porque, se ela me acompanha é porque eu mesma dei vida a ela. E se eu a criei, também tenho o poder de fazê-la ir.

Então, porque não a liberto de vez? Porque talvez sinta que ainda preciso dela, em alguns momentos, pra me dar o empurrão que faltava pra criar coragem.

Sei que tudo que ela mais quer é ser minha amiga; uma amiga bem… exótica, talvez. Mas uma amiga que está disposta a ser confundida com inimiga só pra me ensinar a ter segurança em mim mesma.

Pode não me trazer paz de espírito, mas em contrapartida, me traz sabedoria e nunca deixa de confiar no quanto posso ir mais longe.

É o tipo de amizade que prefere me fazer perder o sono do que passar a mão na minha cabeça, porque sabe que ninguém evolui sem sair da zona de conforto.

Quanto a mim, só me resta agradecê-la. Não posso dizer que a amo de volta ou que um dia serei tão grata que serei capaz de amá-la, pois isso já está além das minhas capacidades. Porém, agora já sou capaz de respeitá-la e compreendê-la como antes, jurava que nunca seria. E isso já é muito.

Fabiana Zau

Estudante de Letras da UERJ, metida a astróloga graças (ou não) ao seu escorpião com ascendente em peixes e lua em aquário. Viciada em séries a ponto de se recusar a aceitar a "morte" de Lost e Dexter até hoje. Precisa de injeções diárias de realidade pra não ser abduzida de vez pela Terra do Nunca. É colunista do site Fãs da Psicanálise.

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