“Os poetas e os filósofos descobriram o inconsciente antes de mim.
O que eu descobri foi o método científico que nos permite estudar o inconsciente.”
(Sigmund Freud)
Parece-me propício, no mês que se comemora o aniversário de Sigmund Freud (1856-1939), relatar minhas primeiras impressões de um de seus conceitos mais importantes: o inconsciente, sem o qual, não se poderia sustentar a psicanálise nem grande parte das teorias em psicologia. Pelo menos, se considerarmos aqueles que acreditam na sua existência.
No contexto sociocultural, histórico e político atual, percebo uma série de eventos em pauta que, mesmo parecendo novos, se repete continuamente. Sem me estender, basta citar o intento de um grupo partidário que busca no senado federal resgatar e legitimar o caráter “patológico” da homoafetividade. Os embates em torno do tema são polêmicos, extensos, em parte vexatórios, cada parte busca na ciência, na legislação, na política e na religião argumentos para sustentar sua posição, seja ela contrária ou a favor.
Bem mais do que apontar quem está certo ou errado, meu objetivo principal é o de ilustrar que, em ambas as partes, não há como negar as motivações inconscientes que guiam suas práticas e discursos. Entendo que, nas duas frentes, o material pode ter um cunho narcisista e, talvez, não pretenda mostrar nada além da defesa e satisfação de desejos próprios e, portanto, egoístas.
Mas que atire a primeira pedra quem nunca agiu em prol da defesa de necessidades particulares. Logo, não há como não opinar sem defender uma bandeira. É sim, um conflito de egos e vontades: cada um defendendo o que acredita ser direito seu.
E o que querem os homens de fato?
[…] querem ser felizes e assim permanecer. Essa empresa apresenta dois aspectos: uma meta positiva e uma meta negativa. Por um lado, visa a uma ausência de sofrimento e de desprazer; por outro, à experiência de intensos sentimentos de prazer. (Freud, 1930/1929, p. 48).
Como nem tudo no mundo obedece à lógica do princípio do prazer, nós passamos a viver em busca de evitar situações/formas de desprazer. Esse intento constante e permanente para a satisfação de nossas pulsões contra as frustrações de tê-las barradas pelo mundo externo, que as torna irrealizáveis, criando um ciclo vicioso. Numa rápida análise, é deste modo que instala-se a neurose e/ou a psicose, como meio(s) de regular e/ou manter esse processo.
Na terceira parte de O Mal-Estar na Civilização é que se tem uma melhor ilustração de como o ser humano, frustrado com sua cultura, principalmente pelo insucesso dos vínculos sociais, gera a hostilidade. Para Freud (1930 [1929]), os vínculos tem sua base na limitação dos sujeitos e no modo em que eles se impõem de maneira recíproca, logo, a liberdade individual – vista como a busca pela satisfação (pulsão) – se contrapõe à coletividade, gerando o conflito. Frente a essa situação, as pulsões podem ser consumidas e/ou sublimadas. Este é, segundo o autor, a base da cultura e também da hostilidade, contra a qual todas as culturas são obrigadas a lutar. (Ramos, 2003, p. 233).
É misto de conhecimento. O inconsciente é um depósito inacessível de material conciso e conteúdo ambivalente que não obedecem às leis da física, onde as formas psíquicas são um tanto bifurcadas e tendem “de um lado à evolução, e de outro à conservação.” (Ramos, 2003, p. 228). É bem possível, tendo em vista a coletividade do inconsciente descrito por Jung, que as motivações por trás dos embates entre as questões atuais citadas no início deste texto, que permeiam nossa conjuntura social, econômica, cultural e política, tenham sua origem em momentos tão antigos da história de nossa espécie quanto ela própria.
A edição de fevereiro de 2013 da Revista Superinteressante traz como capa uma matéria intitulada “O mundo secreto do inconsciente”. A matéria fala do intento de cientistas em provarem as bases biológicas do inconsciente. Muitos deles acreditam já conseguirem comprovar sua legitimidade por meio de experimentos. Um deles é o experimento que permitiu comprovar a habilidade de deficientes visuais em identificar rostos amigáveis ou inimigos por meio de fotografias. Chamada de “blindsights”, ou visão cega, essa capacidade seria apenas uma pequena demonstração do poder do inconsciente, segundo neurocientistas.
Nessa matéria, o inconsciente aparece como um amplificador de nossas emoções, onde, as interpretações inconscientes negativas de determinados eventos parece ter forte influência sobre o homem, sendo a fonte de suas aflições. Contudo, um dado novo é a possibilidade de controle do inconsciente. Por meio da repetição, habilidades como aprender um novo idioma, tornar-se bom em um determinado esporte, jogar videogame, dirigir, podem ser ensinadas ao inconsciente, de modo a se tornar um hábito natural. Com o passar do tempo, é possível executar tais atividades de forma inconsciente, sem perceber que as está executando.
Quem quer que negue o inconsciente
está, de fato, admitindo que hoje em dia
temos um conhecimento total da psiquê.
(Carl Gustav Jung in O Homem e Seus Símbolos)
Mais presente e atual do que se parece o – temido por muitos – inconsciente é um território desconhecido, regidos por leis e princípios próprios, carregado de conteúdos reprimidos, inacessíveis, estáticos e atemporais. Seu funcionamento é energético e constitui o núcleo ativo da personalidade do sujeito.
Hoje, um século e meio após Freud, mesmo com as mudanças na concepção psicanalítica e contribuições de diversos outros autores, ainda há muito que se desbravar sobre o terreno do inconsciente, seus segredos e potencialidades. Mas uma coisa é certa, por trás de nossos propósitos, há sempre motivações ocultas, inconscientes, inegáveis, que dizem muito mais de nós mesmo do que se pode imaginar.
Referências:
Ramos, Gustavo Adolfo. Angústia e Sociedade na obra de Sigmund Freud. Campinas, SP: Editora UNICAMP, 2003.
(1930 [1929]). O Mal-Estar na Civilização in Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Vol. XXI. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
Revista Superinteressante. ed. 315. Editora Abril, fev. 2013.
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Muito bom, obrigada