Tenho medo. Tenho medo da acidez humana, que desacredita na bondade. Medo de quem duvida dos sentimentos mais simples e procura assim complicar a vida com uma coleção de teorias vazias e obsoletas.
Medo das pessoas que mastigam silenciosamente sua ira, enquanto olham com reprovação para os sonhos dos outros. Das mãos fechadas por avareza e que desaprendeu a beleza da carícia. De ser tomada pelas dúvidas de quem fica sentado no caminho esperando a vida acontecer. De quem não comete erros, não corre riscos, não possui a ousadia dos dias coloridos que insistem em exagerar.
Tenho medo daqueles que se calam porque não sabem argumentar. Da grandeza do homem que insiste em diminuir todos os outros. Dos que escolhem pelo que agrada ao olho em oposição ao que a alma sente.
Tenho medo, muito medo de quem faz guerra por pouco e barulho pelos hiatos transitórios que só duram uma chuva. Dos que vão embora sem a decência de se despedir. Medo de quem muito sabe e pouco ensina. Dos que fazem a vida doer, encher de dúvidas, tornar-se um bocado de confusões. Dos que deixa ir tudo pelo ralo, pela distração ou indiferença. Das alegrias superficiais e opacas. De quem enterra as mágoas com receio de se perdoar. Das invasões de privacidade em nome de um sentimento imperfeito chamado ciúme e insegurança. Tenho medo do sofrimento desnecessário, da falta de paciência, das lembranças doloridas, das esperanças amareladas.
Tenho medo de quem muito fala e não tem tempo para escutar. De quem oferece conselhos e depois abandona o processo de cura do outro. Medo daqueles que conseguem carregar o outro no peito, mas abandona a alma na primeira valeta. De quem fala pela metade e esconde o principal.
Dos que com medo dos sentimentos mais puros, caminham no contra fluxo atropelando outros corações. Tenho medo das narrativas de amor recitadas em palco e ausentes do coração. Tenho medo dos atos falhos do homem que não disse para o que veio e não corrige suas emoções.
(Autor: Ita Portugal, escritora)
Eu também tenho medo, ainda mais por saber que provoco muitos deles. Esse estado, que vez outra predomina, as vezes, me ajuda a entender o quanto preciso ter compaixão com o outro, já que neste mundo ninguém nasce pronto. Acho que seria até pecado…Na verdade seria um tédio. Todos nós, para mais ou menos, temos esse potencial de provocar medo nos outros. E por mais que saibamos disso, não se muda hábitos do dia para noite, principalmente ao saber o quanto eles estão enraizados.
Achei sua denuncia fantástica. Ela denuncia muito disso que tenho medo nos outros, mas também quem sou.