Eu fui diagnosticada na época em que meus amigos estavam dando grandes passos em suas vidas e seguindo em frente. De certa forma, eu sei que fiquei pra trás. Às vezes eu me sinto meio esquecida, sabe? Na verdade, às vezes, eu mesma me esqueço.
Assim que eu fui diagnosticada, muitos dos meus amigos estavam comprando apartamentos, noivando, casando. Quando eu fui hospitalizada pelas primeiras vezes, eles estavam tendo seus primeiros filhos. Carreiras estavam seguindo em frente, mais bebês estavam nascendo enquanto eu sofria com as recaídas.
350 milhões de pessoas no mundo estão enfrentando sérios problemas com saúde mental, mas é muito fácil sentir que estamos vivendo esse desafio sozinhos. Isso porque a maioria das pessoas não consegue falar sobre esse assunto. Existe um tabu! E isso não eh culpa delas. Nem sua. Nem minha.
No Brasil, milhões de pessoas já foram diagnosticadas com algum distúrbio mental e o número de suicídios por motivos ligados a depressão cresceu em mais de 700% nos últimos 16 anos. Mesmo assim, pouco se fala abertamente sobre isso. É triste dizer, mas acho que, de certa forma, nós,doentes, já estamos acostumados a isso.
Afinal, responda você: Qual das opções abaixo é mais fácil escolher quando você vai ligar para o seu chefe de manhã e avisar que precisa faltar ao trabalho?
1) Chefe, preciso ficar em casa hoje porque não estou bem disposto, estou com dor de cabeça e enjoo. Acho que é virose! Ou 2) Chefe, não vou para o escritório hoje porque estou me sentindo muito triste, angustiado e não consigo me levantar da cama. Acho que é depressão!
Bom, todos nos já sabemos qual é a resposta. O mundo em que vivemos consegue aceitar e se sensibilizar quando qualquer outra parte do seu corpo adoece, menos o seu cérebro. Isso não!
Ainda há um grande preconceito, uma imagem distorcida sobre as pessoas que lutam contra a depressão, a ansiedade, a bipolaridade, o ataque de pânico, o TOC e outras tantas doenças.
Sendo bem sincera, para mim não é fácil falar sobre isso. É foda! E parece que é foda pra todo mundo falar sobre isso. Tanto é que ninguém está falando sobre isso.
Ninguém está falando sobre depressão, mas nós precisamos falar. Porque, neste momento, esse é um problema grande.
Nós não vemos isso sendo falado nas mídias sociais. Não vemos isso no Facebook, não vemos isso no Twitter, não vemos na TV, porque esse assunto não é gostoso, não é divertido, não é leve. E como nós não vemos, não vemos também a severidade da depressão. Mas a severidade e a seriedade é a seguinte:
“a cada 30 segundos, em algum lugar do mundo, alguém tira a própria vida por motivos ligados a depressão”
E pode ser alguém a dois quarteirões de distância, a dois países de distância, a dois continentes de distância, mas está acontecendo.
As pessoas precisam saber que depressão não é simplesmente estar triste quando alguma coisa não anda bem na sua vida. Quando você termina com seu namorado, quando voce perde uma pessoa amada, ou quando não consegue aquele emprego que tanto queria. Isso é tristeza. É uma coisa natural, é uma emoção natural do ser humano.
A depressão real não é estar triste quando alguma coisa vai mal na sua vida. A depressão real é estar triste mesmo quando tudo na sua vida vai bem.
Por muito tempo, eu acho, eu vivi duas vidas completamente diferentes e uma sentia medo da outra. Eu tinha medo de que as pessoas pudessem me ver como eu realmente era. Por baixo da minha risada, havia sofrimento. Por baixo da minha luz, havia escuridão. E por baixo da minha grande personalidade, eu escondia muita dor.
Algumas pessoas sentem medo de levar um fora da namorada. Algumas tem medo de tubarões. Outras tem medo da morte. Mas, para mim, por muito tempo nessa vida, eu tive medo de mim mesma. Eu tive medo da minha verdade, da minha vulnerabilidade, das minhas fraquezas. E esse medo me fazia sentir como se eu estivesse encurralada num canto e não havia outra saída se não a morte. Eu penso nisso todos os dias.
Eu penso nisso todos os dias e, enquanto eu escrevo aqui, eu ja pensei novamente, porque essa é a doença, esse é o sofrimento, isso é a depressão. E depressão não é como catapora. Você não combate uma vez e ela se vai pra sempre. É uma coisa com a qual se vive.
É aquela vizinha chata que você não consegue se livrar.É a voz que você não consegue ignorar. São os sentimentos dos quais você não consegue escapar.
E a parte mais assustadora é que, depois de um tempo, você se acostuma, as coisas se tornam normais para você. E aquilo que você mais sente medo não é da dor dentro de você, é o preconceito dentro das outras pessoas. é a vergonha, é o olhar de desaprovação na cara do amigo, é o cochicho nos corredores que você é fraca, são os comentários de que você está louco.
E é isso que te impede de procurar ajuda. É isso que te faz guardar e esconder sua dor. É o estigma. E aí você guarda e esconde, e apesar de saber que isso está te mantendo na cama todos os dias e te fazendo sentir vazio, não importa o quanto você se esforce, mesmo assim você esconde. Porque o estigma na nossa sociedade sobre a depressão è real.
Infelizmente, vivemos em um mundo onde, se você quebra um braço, todo mundo corre para assinar no seu gesso mas se você diz às pessoas que está em depressão, todo mundo foge. Esse é o estigma.
Nós aceitamos tranquilamente que qualquer parte do seu corpo adoeça, menos o cérebro. E isso é ignorância. É ignorância pura e essa ignorância tem criado um mundo que não entende o que é a depressão e não entende sobre saúde mental.
E isso é muito irônico para mim, porque a depressão é um dos maiores problemas de saúde documentados que nós temos no mundo e é um dos menos discutidos. Nós deixamos esse assunto de lado, em um canto afastado, fingimos que não é nada e esperamos que as coisas se consertem sozinhas.
Mas as coisas nunca se consertam sozinhas e não vão se consertar agora. Esse é um pensamento de esperança. E um pensamento de esperança não é solução, é procrastinação. Nós não podemos procrastinar com uma coisa tão importante.
O primeiro passo é reconhecer que temos um problema. Ainda não fizemos isso, então, não podemos esperar encontrar a resposta, enquanto ainda temos medo da pergunta.
E eu não sei qual é a solução, mas essa mudança tem que começar agora, tem que começar comigo, com você, com outras pessoas que estão sofrendo, que estão escondidas nas sombras. Nós precisamos quebrar o silêncio e falar.
Nesse momento, a depressão é um corte profundo na sociedade e nós nos contentamos em colocar um band-aid em cima e fingir que não tem nada lá. Mas ela está lá. E voce quer saber? Tudo bem. Se voce está enfrentando a depressão, saiba que está tudo bem. Saiba que voce só está doente, voce não é fraco.
A depressão é um problema, não uma identidade. É uma parte da vida e, por mais que eu a odeie, de certa forma, eu sou grata por ela.
Porque, sim, a depressão me empurrou para escuridão só para me lembrar que há luz.
Minha dor me forçou a ter esperança e fé, fé em mim mesma, fé em outras pessoas, fé de que eu posso melhorar, fé de que nós podemos mudar essa situação, podemos falar sobre isso e lutar contra a ignorância, lutar contra a intolerância, e mais do que tudo, fé de que podemos aprender a nos amar. Amar quem nós somos, e não quem o mundo quer que sejamos.
Somos todos iguais. Todos mós temos problemas. Precisamos parar com a ignorância, com a intolerância, parar com o estigma, parar com o silêncio, nós precisamos nos livrar dos tabus.
Precisamos dar uma boa olhada para essa realidade e começar a falar, porque a única forma de combater esse problema, essa batalha que as pessoas estão enfrentando sozinhas, é nos fortalecermos juntos.
É difícil entender as sutilezas da alma, mas é importante se conscientizar de que toda doença merece respeito e tratamento adequado.
Apesar dos lugares onde as estradas me levaram, os 30 anos me trouxeram esperança, desejos e sonhos.
Seu passado não precisa definir seu futuro, certo? Eu não terminei ainda, eu não parei. E eu não vou desistir.
(Autora: Tati Oshiro)
(Fonte: facebook.com/tatioshiro)
*Texto publicado com autorização da autora
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Chorei ao ler esse relato, pois muito disso eu vivi na fase dos meus vinte e poucos anos. No momento em que meus amigos se formavam, casavam-se, conseguiam realizar suas conquistas, eu estava encarando a época mais difícil da minha vida. Foi tudo muito pesado e, como dito no texto, as pessoas se afastam, pois acham que a depressão é algo de outro mundo e, quase que como algo contagioso, o mais apropriado é manter distância. O melhor, na verdade, era se aproximar e mostrar que o sujeito que está sofrendo não está só. Daqui a algum tempo, pouco na verdade, chegarei aos trinta anos e, ainda bem, estou mais confiante e certa de que encararei melhor a depressão. Obrigada por compartilhar a sua história!
Lindo! Vamos praticar!
Esse texto fala muito sobre mim. Ainda não procurei ajuda, mas agora percebi que tenho medo da reação das pessoas ao meu redor. Se pedir aos meu amigos para falarem sobre mim, ele dirão que sou uma pessoa divertida, que faz piada de tudo e estou sempre sorrindo. Mas por baixo dessa "máscara", se esconde a depressão. Me considero uma pessoa forte, pois ha anos que reconheço que sofro com essa doença, porém nunca fui atrás de ajuda. Mas isso não é ser forte. Isso é medo de encarar a realidade. Meu problema não são meus amigos se casando, tendo filhos ou com uma carreira bem sucedida. Eu fico muito contente por eles. Meu problema sou eu e somente eu. Uma tristeza constante que me acompanha. Uma tristeza consciente. Digo consciente pois mesmo nos momentos felizes, tenho a consciência de que nada está certo. Estou rindo com as pessoas, mas morrendo por dentro. Bom, isso foi apenas um desabafo. Esse texto foi muito importante para que eu enxergasse de verdade a minha realidade, e de que eu preciso procurar ajudar. Agradeço por terem publicado, e aproveito para dizer que adoro esse site. Sempre venho aqui para tentar colocar meus pensamentos em ordem. Muito obrigada.
Obrigada pelo seu testemunho Renata e também pelas palavras de carinho e incentivo.
Sem comentários, arrasou no texto. Eu tenho depressão e estou tentando entender melhor tudo isso!
Eu sofro com a depessão a 10 anos...estou com 47 anos. E como vc pontuou, o que mais nos incomoda não é lidar com a dor, pois com um tempo a gente já sabe o que fazer, onde buscar ajuda e como se cuidar. O que mais incomoda é o preconceito, pois as pessoas nos veem como uma aberração. E, é na depressão que mais precisamos de atenção, carinho e acolhimento. E o que acontece?? Exatamente o contrário...as pessoas somem!! E isso aumenta ainda mais a nossa dor e sofrimento. Daí nos isolamos e nos sentimos culpados e envergonhados por estarmos doentes. Outros sentimentos surgem, como mágoa das pessoas que nos esqueceram. E o pior é quando ainda duvidam da sua dor, quando fazem interpretações equivocadas a cerca do seu sofrimento. E ainda tem quem aproveite o seu afastamento e sua vulnerabilidade para conspirar contra vc. Minha vida profissional foi devastada depois que fiquei doente. Acabei antecipando minha aposentadoria, pois não aguentava ser colocada pra fazer coisas aquem de minha capacidade como uma punição por ter adoecido e ter um historico de afastamento...fui humilhada, ainda que de forma velada!! E isso fez com que eu tivesse uma recaida depois de ter lutado tanto pra ficar bem. Adoecer me deixou marcas irreparáveis. Mas eu não escondo meus problemas. Faço questão de compartilhar textos no Face, seja para ajudar quem passa o mesmo ou para trazer mais informação para quem talvez seja preconceituoso ou intolerante com quem sofra de doenças da mente e da alma. Precisamos nos aceitar como portadores destes transtornos e buscar ajuda.
Parabéns pelo enfrentamento. Em relação a seu emprego e as coisas como se deram, busque Ajuda profissional. Um advogado sério te defenderia nesta situação que você expôs. Melhoras! Abraço.