Todo mundo já ouviu falar em crianças que tem dificuldades para comer um alimento ou outro. E cada vez mais encontramos esse tipo de restrição em adultos.
É o caso de Julia* (que preferiu não ser identificada), uma publicitária de 39 anos. “Eu era o bebê que comia de tudo, mas de repente parei de aceitar as coisas. Em algum momento da minha infância, nem de batata frita eu gostava. Também não comia doces, bala, chiclete, sorvete”, diz.
Julia está em terapia para tratar o que é conhecido como Tare (Transtorno Alimentar Restritivo/Evitativo), um distúrbio caracterizado por constantes dificuldade em ingerir alguns alimentos (que variam de pessoa para pessoa), o que as induzem a uma ingestão de nutrientes e energia insuficientes. Com atualização do DSM-V (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, da Associação Americana de Psiquiatria), o TARE foi incluído com o objetivo de substituir e ampliar o antigo diagnóstico de Transtorno Alimentar da Primeira Infância, porque existem adultos que também apresentam esse distúrbio.
Especialista em tratamento de transtornos alimentares, a nutricionista Sophie Deram explica que rejeitar alguns alimentos é normal na infância e esse comportamento costuma durar até uns seis anos de idade. Só que agora, os números dos portadores adultos desse distúrbio podem estar aumentando em razão de muitas dietas restritivas.
“Atualmente não comer certos tipos de alimentos passa a ideia de que a pessoa é saudável e não é bem assim. Alguns desenvolvem medo de ingerir muitas comidas por conta disso”, diz.
Restrição de nutrientes e problemas para socializar Julia esclarece que nunca parou de comer todos os tipos de alimentos e por esse motivo a hipótese de anorexia foi “Gosto muito de arroz, feijão, carnes e acho que por isso sou saudável, mas mesmo agora, na fase adulta, continuo sem conseguir comer alimentos crus e folhas. Saladas e frutas, nem pensar! Não consigo comer, não tenho coragem de experimentar”, confessa. Restringir esse tipo de alimento pode ser bastante danoso para a saúde, já que é nas frutas, legumes e verduras que encontramos um maior aporte de vitaminas e minerais. Por isso é importante buscar ajudar especializada.
Autora do livro “Lugar de Criança é na Cozinha” (Sesi-SP Editora), a nutricionista Maria Luiza Petty acrescenta que o Tare também pode ocasionar prejuízos psicossociais, como levar quem o possui a evitar passeios ou festas para não confrontar com pessoas que não entendem a recusa por certos tipos de alimentos. Essa situação é conhecida no dia a dia de Julia: ela até se esforça para adaptar seu paladar a sabores diferentes, mas geralmente não consegue. “Quando ponho na boca, parece que o negócio fermenta. É uma sensação horrível. Certa vez, para não fazer desfeita, comi uma omelete com pedaços de cebola. Eu não conseguia conter as minhas lágrimas mastigando”, desabafou.
Como saber se é meu caso?
Deram diz que esse transtorno pode ter um fator genético, mas também é preciso pesquisar outras razões para saber como ele surgiu. “A criança pode estar com medo de comer depois de algum trauma, ter ficado engasgada durante uma refeição, por exemplo, ou ainda alguma ter alergia a um determinado alimento”, diz. Ela adverte que independentemente do motivo, não se deve “forçar” a ingestão da comida. “Quando perceber que a restrição alimentar está causando danos (psicológicos ou físicos), o ideal é procurar um especialista. Existem várias formas de tratamento, uma delas é acostumar à pessoa com o alimento, cozinhar perto dela, levar para fazer a compra, mas tudo deve ser estudado por uma equipe”, fala.
Petty ressalta que os diagnósticos de transtornos mentais sempre devem ser realizados por psiquiatras. No caso do Tare, profissionais com experiência no quadro, como nutricionistas, psicólogos, pediatras e fonoaudiólogos podem identificar sinais e fazer um encaminhamento (de preferência para psiquiatras com experiência em transtornos alimentares) concluírem o diagnóstico. “Como o diagnóstico de Tare é muito recente, ainda há poucos profissionais que conhecem o quadro e ainda pode haver quem diga que é frescura”, diz a especialista.
Alexandre Pinto de Azevedo, psiquiatra do Programa de Transtornos Alimentares do Instituto de Psiquiatria do HC-FMUSP (Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo), explica que o transtorno alimentar restritivo-evitativo inclui três subtipos de apresentação clinica:
.Comer seletivo: relacionado a seletividade alimentar secundário a aspectos sensoriais envolvendo olfato, paladar, a aparência do alimento e a textura;
.Comer restritivo: que envolve a indiferença alimentar, onde seu portador não tem interesse legítimo por alguns tipos ou por qualquer tipo de comida;
.Fobia alimentar: quando uma experiência física e/ou emocional prévia traumática relacionado ao ato de comer, leva a um pavor de reexperimentar grupos alimentares específicos, após um engasgo, intoxicação ou alergia alimentar.
Azevedo diz que as evidências atuais apontam que usualmente o tratamento é realizado com psicoterapia e terapia nutricional. “Nestes casos, o uso de medicamentos é indicado quando há identificação de sintomas afetivos-ansiosos que possam comprometer a evolução do quadro.”, coloca. Já Petty destaca a importância da avaliação caso a caso. “Como os quadros são muito heterogêneos —há quem coma quantidade adequada e variedade limitada, há quem coma variedade e quantidade limitada, há quem evite comer por medo de passar mal —, o tratamento precisa ser individualizado.”
Em algumas situações, a criança ou adulto pode apresentar falha de processamento sensorial, levando a aversões e intolerâncias a cheiros e texturas e precisará de uma terapeuta ocupacional para trabalhar esta questão. “Em outros, pode haver um transtorno de ansiedade associado e atrapalhando o apetite e um psiquiatra pode contribuir”, explica. De maneira geral, os tratamentos são baseados em terapia cognitivo-comportamental e dissensibilização sistemática (substituição da ansiedade pelo relaxamento).
(Fonte: vivabem)
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