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Tímidos: prisioneiros das suposições

Deixamos de fazer muita coisa simplesmente porque concluímos erroneamente que (1) elas são muito difíceis de serem feitas, (2) não somos capazes de fazê-las e (3) falhar nas tentativas de fazê-las produziria graves consequências.

Quanto mais ambígua uma situação, mais fácil tirar conclusões errôneas a seu respeito e passar a vida toda acreditando que elas são verdadeiras. As situações sociais são bastante ambíguas. Por isso, elas são um campo fértil para suposições errôneas.  Essa ambiguidade acontece porque não temos acesso direto a boa parte daquilo que os outros pensam e sentem (O filme “ O mentiroso”, com Jimmy Carrey, ilustra, de uma forma hilariante e dramática, o que acontece quando as pessoas revelam o que estão sentindo e pensando).

Uma boa parte da imagem social que achamos que projetamos para as outras pessoas, os efeitos dessa imagem nas outras pessoas e a existência de outras formas de agir que também seriam aceitas, ou até melhor aceitas, por elas, nunca são testadas.

Quando as conclusões sobre os fenômenos enumerados acima são corretas, elas são saudáveis e impedem que desperdicemos energia e nos metamos em encrencas. Essas conclusões, quando corretas, também servem de orientação para que nos preparemos para enfrentá-las, quando não estamos bem preparados.

O medo de falar em público, a mediocridade, a baixa auto-estima, a inassertividade e a timidez são casos típicos onde as suposições infundadas controlam as vidas daqueles que delas padecem. Vamos examinar, como exemplo, o caso da timidez.

Como suposições infundadas controlam a timidez

E se….

Tive um paciente que era muito tímido. Ele tinha trinta e tantos anos e ainda nunca havia namorado. Era um excelente rapaz: inteligente, estudado, bem apessoado, tinha ótimos valores e ótimos sentimentos. Mas, a timidez conseguia superar todos esses méritos na hora de iniciar um relacionamento amoroso.

Um dia ele teve uma conversa a esse respeito com o melhor amigo do seu pai. Esse amigo o chamou e disse:

– Nunca vi você com uma namorada. Creio que você nunca namorou. Acho que você tem o mesmo problema que o seu pai tinha. Ele era tão tímido que nunca arranjava namorada. Ele só namorou a sua mãe. Mesmo assim, só consegui namorá-la porque ela fez todo o trabalho. O grande inimigo do seu pai era o “E se….”.

– Como assim? O que significa esse “E se…”

– O seu pai sempre pensava assim:

“E se eu mostrar o meu interesse por aquela mulher e ela achar que não me enxergo, porque é óbvio que não estou à altura dela para fins de um namoro?

            E se eu abordá-la e ela já estiver namorando?

            E se eu mostrar o meu interesse e ela, além de me rejeitar, contar para todo

      mundo?

            E se eu mostrar o meu interesse e isso incomodá-la?”

Diante de tantas suposições negativas, ele sempre evitava tomar qualquer

iniciativa no campo amoroso.”

Realmente, era isso mesmo que se passava com o meu paciente. Ele era pessimista sobre a complexidade das atividades que são necessárias para iniciar um namoro, sobre os seus próprios méritos para atrair as parceiras que achava interessantes, sobre as próprias habilidades para atraí-las e para manter e desenvolver o namoro e sobre as conseqüências negativas que ocorreriam caso não fosse bem sucedido em uma tentativa nessa área.

Os tímidos acham que flertar e iniciar namoros são tarefas complexas que eles não dominam. Por isso, lêem tantos livros de auto-ajuda para tentar descobrir como essas situações funcionam e para e tentar, desesperadamente, aprender como se portarem nelas. Realmente essas tarefas são complexas e ainda hoje são pouco conhecidas até para a psicologia. No entanto, ninguém precisa conhecê-las racionalmente ou saber falar sobre elas para desempenhá-las satisfatoriamente. Algo similar acontece em relação a várias outras habilidades como escrever bem, fazer amizades e ter charme. Raras pessoas que possuem essas habilidades saberiam relatar como agem para serem bem sucedidas.

Para iniciar e desenvolver relacionamentos amorosos o que tem que ser feito é basicamente o mesmo que é feito em vários outros tipos de relacionamentos (por exemplo, no relacionamento com amigos, colegas e familiares). Talvez o maior diferenciador entre a forma de portar nessas outras áreas e na área amorosa é que, nessa última, os envolvidos mostram interesse e atração amorosa (por exemplo, flertam, procuram beijar e mostram desejos sexuais).

A insegurança, essa sim, atrapalha o desempenho dos tímidos. Quem está com medo exagerado, teme estar fazendo algo errado e teme ser rejeitado,  já está fazendo algo errado: ao invés de flertar e namorar com eficiência, a pessoa insegura está empenhada em lutar contra os seus medos. Esse conflito interno implica na perda da espontaneidade, na diminuição das iniciativas, na perda da sincronia com o parceiro e na perda do clima amoroso.

O maior papel da terapia na área amorosa é ajudar o paciente a deter suas suposições negativistas, diminuir seus disparos de emoções negativas  e a adquirir a confiança de que já tem condições suficientes para fazer sucesso nessa área.

Muitas vezes eu treino o paciente naquelas habilidades que ele acha que não domina. Faço isso não porque ele não domine a atividade, mas sim para que ele possa fazer automaticamente aquilo que foi treinado, quando estiver intoxicado pelos seus medos, pelas auto-observações e pelos pensamentos pessimistas. O treinamento também serve como uma espécie de placebo: ajuda o paciente a ficar confiante que agora já sabe como se portar naquela situação.

(Autor: Ailton Amélio, psicólogo clínico, doutor em Psicologia e professor do Instituto de Psicologia da USP.

(Fonte: ailtonamelio.blog.uol.com.br)

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