Quando se faz um filme, busca-se, acima de tudo, uma história que prenda a atenção do espectador até os créditos finais.
Distúrbios mentais são uma fonte muito procurada pelos produtores do cinema, pela dificuldade que o público normalmente tem de reconhecer e entender pessoas que sofram com essas doenças.
Quer seja o protagonista ou qualquer outro envolvido na trama, esses personagens costumam nos causar apreensão e, ao mesmo tempo, ser extremamente cativantes.
Casos reais: o retrato de distúrbios em celebridades
Quando Hollywood decide retratar a vida de uma pessoa com distúrbio mental essa personagem é, em geral, uma personalidade real e conhecida.
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Celebridades chamam a atenção por possuírem boas histórias de superação contra o mal que as afeta, ou por simplesmente serem nomes famosos, mas que nem sempre têm seus segredos conhecidos pelas pessoas.
O retrato feito pelos filmes não só mostra a convivência dessas personalidades com seus respectivos distúrbios, mas também ressalta a maneira como elas os superaram ou aprenderam a conviver com eles, tornando-se grandes histórias de inspiração e superação.
O começo dos anos 2000 assistiu à chegada de dois grandes filmes baseados em histórias reais sobre pessoas conhecidas com distúrbios seríssimos.
O primeiro deles foi Garota, Interrompida (Girl, Interrupted, 1999), longa que narra a história real da escritora Susanna Kaysen e sua internação em um hospital psiquiátrico por 18 meses, durante a década de 1960.
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Kaysen sofria de Transtorno de Personalidade Limítrofe, ou Transtorno de Personalidade Borderline, um distúrbio caracterizado pela instabilidade das relações pessoais, da autoimagem e dos afetos de seu portador e pela impulsividade acentuada.
O nome da doença deriva do fato de que indivíduos portadores tendem a permanecer no limiar da sanidade. Pode ser causada tanto por predisposições genéticas quanto pela ocorrência de traumas e situações de abuso e negligência.
Pessoas portadoras desse transtorno geralmente se caracterizam por esforçarem-se para evitar abandono real ou imaginário, possuírem relacionamentos interpessoais instáveis e alternantes entre idealização e desvalorização extremas. A instabilidade também se encontra na expressão e controle de emoções. Pacientes sob esta condição também tendem a abandonar tratamentos terapêuticos com muita frequência, dada a instabilidade que apresentam para manter relações e atividades rotineiras.
O caso de Susanna Kaysen foi narrado pela própria escritora em seu livro de memórias Girl, Interrupted, que serve de inspiração para o filme. Susanna foi internada para tratamento para depressão no Hospital McLean, onde descobriu ser portadora do Transtorno de Personalidade Limítrofe. Dentro do hospital, ela conheceu Lisa Rowe (interpretada no filme por Angelina Jolie), uma sociopata controladora por quem ela se afeiçoa.
O longa mostra o relacionamento instável das duas, tanto nos momentos em que não se entendem e se afastam quanto nas horas em que Susanna, por seu medo de ser abandonada, segue Lisa em todas as suas ações, inclusive em sua fuga do hospital.
O longa também revela a dificuldade de Susanna de se adequar ao seu tratamento e de se entender tanto com sua terapeuta (Vanessa Redgrave) quanto com a enfermeira por ela responsável (Whoopi Goldberg).
Sua relação com as outras pacientes também é conturbada, alternando entre grandes amizades a momentos de desprezo e desvalorização, mostrados principalmente nas páginas do diário de Susanna, em que ela escreve coisas terríveis sobre suas companheiras, coisas que não tem coragem de dizer na frente dela. A instabilidade também se mostra em suas relações amorosas, que variam de um desprezo total pelo rapaz nela interessado, Tobias Jacobs (Jared Leto), a um desejo ardente por sexo que retorna ao desinteresse quando ele a chama para fugir.
Em 2001, o diretor Ron Howard trouxe ao público Uma Mente Brilhante (A Beatiful Mind, 2001), a comovente história do matemático John Nash, um gênio que se tornou famoso na segunda metade do século XX por suas teorias de jogos, geometria diferencial e equações diferenciais parciais.
Nash sofria de esquizofrenia, um distúrbio que se manifesta na adolescência ou no começo da vida adulta e que apresenta várias manifestações diferentes, como delírios e ideias falsas, alucinações (principalmente na forma de vozes inexistentes), desorganização na apresentação de ideias, perda de capacidade afetiva e diminuição da motivação
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Pessoas com esse transtorno tendem a se afastar dos que estão ao seu redor devido à paranoia causada pelos delírios, que as fazem pensar que estão sendo perseguidas, que certos comentários feitos pelas pessoas são direcionados a elas e que alguma catástrofe pode estar perto de acontecer.
Em Uma Mente Brilhante, Russell Crowe interpreta o gênio da matemática desde seus anos como um aluno da faculdade, isolado e de poucos amigos, que se encontra obcecado por finalizar sua tese de conclusão de curso. É nessa época que os primeiros sintomas de Nash começam a aparecer sob a forma de alucinações e vozes, cuja primeira é de seu colega de quarto, Charles (Paul Bettany).
Com sua saída da faculdade, os sintomas vão se tornando piores à medida que as alucinações vão se multiplicando, fazendo-o ter a ideia de que um agente do Departamento de Defesa (Ed Harris) o contratou para identificar mensagens secretas russas nos jornais. Nesse meio tempo, John conhece sua futura esposa Alicia (Jennifer Connelly), com quem tenta levar uma vida normal enquanto é atormentado pela constante paranoia de agentes russos o estão perseguindo. Somente após longos anos, ele descobre que o agente do Departamento e que seu colega Charles eram frutos de alucinações causadas pela esquizofrenia.
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Ao contrário da maioria dos pacientes, porém, John recusa-se a receber tratamento convencional e mantém-se dentro do universo acadêmico, lutando contra seus sintomas e alucinações e contando com a ajuda de sua esposa e de seus antigos colegas de faculdade. O demorado processo de entender o que é real ou não quase o leva à loucura, mas seu esforço é recompensado quando Nash é nomeado para o Prêmio Nobel de Ciências Econômicas em 1994.
Sociopatas e Psicopatas
As duas denominações são usadas na psiquiatria para designar desordens de personalidades antissociais. Contudo, existem muitas diferenças entre ambas.
Os psiquiatras costumam dizer que a psicopatia é uma doença com a qual o portador já nasce e que o leva a ser impulsivo, errático e com muita predisposição à violência.
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Psicopatas vivem alheios à sociedade, pois não conseguem manter um relacionamento estável devido à sua desorganização mental, e sua tendência para crimes passionais que deixam pistas por serem praticados pela impulsividade do criminoso. Seus atos criminais são sempre arroubos de violência não planejados.
Um exemplo de psicopata em filmes é Gaear Grimsrud, interpretado por Peter Stormare no longa dos irmãos Coen, Fargo (1996). Grimsrud é, na maior parte do tempo, um indivíduo quieto que só pensa em colaborar com o golpe planejado por seu empregador, Jerry Lundegaard (William H. Macy). Contudo, a presença de testemunhas durante um dos atos por ele realizados mostra pela primeira vez seu lado perigoso, que persegue o carro de um casal desenfreadamente até força-lo a capotar, para que ele pudesse assassiná-los.
Esse é só o primeiro momento de uma sequência que nos revela a brutalidade do personagem, capaz inclusive de assassinar seu companheiro (Steve Buscemi) em um triturador de madeira. Ambos os atos deixam evidências do crime cometido, o que auxilia a polícia a encontrar os criminosos.
Já os sociopatas possuem um temperamento próximo ao de uma pessoa comum e sua doença não é nata, mas causada geralmente por fatores negativos de socialização, como a negligência dos pais.
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Esses indivíduos podem ou não ser impulsivos e violentos, mas tendem a possuir um comportamento controlado e são capazes de estabelecer relacionamentos duradouros. Com relação à sua tendência criminal, são propícios a executar crimes premeditados e geralmente calculam seus atos antes de realiza-los. Podem ser extremamente charmosos e levar anos planejando seus atos, calculando cada passo de forma que nenhum deixe rastros.
O mais famoso sociopata do cinema, Hannibal Lecter, de O Silêncio dos Inocentes (Silence of the Lambs, 1991), era um homem que vivia dentro da sociedade enquanto cometia seus crimes.
Antes de se tornar o Canibal, ele era um médico conhecido que dava festas para a alta sociedade de Maryland, sem que ninguém desconfiasse de seus pratos favoritos. Lecter se tornou doutor em psiquiatria e chegou a trabalhar em tribunais como especialista e conselheiro. Seus crimes eram tão bem realizados que a polícia passou anos atrás de quem os tinha cometido, e só conseguiu prender o dito doutor quando Will Graham, especialista forense e amigo de Hannibal, conseguiu sobreviver a um ataque do doutor e desmascará-lo.
A discussão sobre as diferenças entre sociopatas e psicopatas é reacendida no filme Precisamos falar sobre Kevin (We need to talk about Kevin, 2011).
Após um atentado ocorrido em uma escola, no qual o garoto Kevin (Ezra Miller) assassinou seus colegas com um arco e flecha, A trama mostra toda a vida do garoto com sua mãe (Tilda Swinton) e nos coloca na dúvida: Kevin aparentou um comportamento psicopata desde criança, mas esse comportamento seria fruto de sua personalidade insana ou teria sido causado pela negligência e violência da mãe? Todos os moradores da cidade passam a culpar a mãe por seu tratamento hostil com ele, mas teria ela culpa?
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Ao mesmo tempo que muitas das ações agressivas de Kevin são impulsivas, fica claro que o atentado fora planejado durante muito tempo, o que dificulta sua classificação como sociopata ou psicopata e mostra o quanto tal classificação pode ser complicada no mundo real.
Psicose: os transtornos do isolamento
Psicose é o nome dado a um estado mental patológico caracterizado pela perda de contato com a realidade, levando o indivíduo a adquirir comportamento antissocial. Suas causas ainda são motivo de discussão, mas acredita-se que fatores ambientais estejam muito ligados à situação do paciente, assim como o abuso de substâncias como álcool e estimulantes. Os principais sintomas envolvem pensamento confuso, delírios, alucinações, sentimentos e comportamentos alterados. São geralmente percebidos por mudanças das características pessoais do indivíduo, como o humor e o modo de pensar.
Dirigido por Alfred Hitchcock, o clássico Psicose (Psycho, 1960) retrata as consequências que um ambiente isolado pode fazer a uma mente já perturbada. Responsável pelo assassinato de sua mãe e do namorado dela, Norman Bates (Anthony Perkins) passa a gerenciar sozinho o Bates Motel, enquanto enfrenta seu transtorno dissociativo de personalidade, uma doença psicótica causada pelo trauma do assassinato que o faz adquirir uma dupla personalidade conflitante.
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Na maior parte dos casos, ele conseguia se manter como o tímido e atrapalhado Norman Bates, mas quando alguém chegava ao hotel e parecia representar uma ameaça para a vida calma que ele levava, a personalidade ciumenta e agressiva da mãe assumia seu corpo e o levava a cometer atos de extrema violência, como o assassinato de Marion Crane (Janet Leigh).
O transtorno de Bates não era fruto de seu isolamento da sociedade, mas tal fato funcionou como um agravante de sua condição ao longo dos anos, fazendo com que a personalidade da mãe assumisse com cada vez mais frequência.
A vida no hospital psiquiátrico
Outro roteiro muito comum em filmes hollywoodianos é aquele que se passa dentro de um hospital psiquiátrico, com inúmeros pacientes que sofrem de inúmeros distúrbios diferentes.
De modo geral, hospitais psiquiátricos são lugares com um regime duro e severo de regras e rotinas extremamente bem determinadas e que devem ser seguidas rigidamente.
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Com o objetivo de manter os pacientes sob controle, existe um grande número de seguranças nesses locais e as enfermeiras são treinadas para lidar adequadamente com qualquer situação. Horários de remédio, recreação, passeios e de dormir são controlados e qualquer um que rompa com alguma regra é devidamente punido, às vezes com o uso de técnicas brutais, como tratamento de choque.
É claro que em um ambiente tão opressor, Hollywood cria protagonistas cuja principal característica é não obedecerem ao sistema. É o caso do clássico Um estranho no ninho (One flew over the cuckoo’s nest, 1975), onde o criminoso R. P. McMurphy (Jack Nicholson), alegando de insanidade mental, é colocado em uma casa psiquiátrica para tentar determinar o seu problema. Lá dentro, não estando acostumado a seguir regras ao pé da letra, McMurphy logo faz inimizade com a enfermeira Ratched (Louise Fletcher), uma tirana que exerce controle sobre os pacientes através do medo, enquanto McMurphy tenta erguê-los contra o sistema para reivindicar um pouco de liberdade.
Esse tipo de enredo chama a atenção não tanto por causa dos distúrbios mentais apresentados, mas por causa do ambiente doentio em que os personagens se encontram, com o excesso de branco e uma obsessão pela limpeza que nos deixa enojados e nos faz sentir como se fôssemos um dos pacientes. Cada um dos envolvidos sofre por seus respectivos distúrbios, mas também sofre pelo encarceramento. É contra esse encarceramento que se criam personagens como o de Jack Nicholson em Um estranho no ninho.
(Autor: Luis Henrique Franco)
(Fonte: cinefilos.jornalismojunior.com.br)