Cotidiano

Tempos de “depressão”, imediatismo e baixa tolerância às frustrações

A existência humana não teria sentido sem a percepção e vivência dos opostos. Sabemos que a vida não é feita apenas de um tom, de uma estação, de um som, de uma cor; a vida é uma orquestra de todas as vivências, das alegrias e tristezas, dos “sins” e dos “nãos” que podemos abraçar como parte integrante da nossa história para um fortalecimento pessoal, para a construção da nossa resiliência. Todavia, nos últimos tempos, as pessoas não se permitem trabalhar mais as próprias angústias, medos, dores e aflições, passando por cima de questões internas importantes que necessitam de foco para serem compreendidas e elaboradas.

Mas, como podemos superar o que não desejamos aceitar e nem mesmo afrontar?

As pessoas sequer querem falar sobre suas tristezas e pesares com a premissa de que adentrar na própria dor para compreende-la e trabalhá-la, estaria “atraindo” mais dor para si. O movimento não seria exatamente o contrário?

Estamos em “tempos de depressão” e imediatismo, pois desaprendemos a afrontar nossas angústias e sofrimentos, a postergar a gratificação pessoal em prol do coletivo, a esperar a maturação das coisas e ansiosos, saltamos etapas essenciais, pois não estamos dispostos a aprender com a sabedoria da vida, a esperar ou a persistir por um beneficio maior ou mesmo em desistir quando for necessário sem que nos sintamos necessariamente frustrados.

Enxugamos nossas lágrimas antes do tempo de elaboração da dor, mascarando-nos em uma felicidade forjada em benefício de um “ego adoecido”, da pretensa posição absurda de que não podemos falhar, de que não podemos ter as nossas vulnerabilidades e questões a ser trabalhadas e de que não podemos fraquejar. E assim vamos fugindo dos nossos sofrimentos e perdas com um sorriso falso no rosto e virando a página da vida sem ainda ter aprendido a lição anterior.

Dentre tantos outros gatilhos que promovem um imenso vazio, vivemos em tempos de imediatismo e ansiedade, onde ninguém pode “perder tempo” com aquilo que é substancial. Vínculos podem ser desfeitos da noite para o dia sem nenhum critério e pouco resguardo diante da primeira dificuldade.

Paradoxalmente não aprendemos a perder, a nos frustrar, a abrir mão, a cair, a levantar, refutando os “nãos da vida”, das perdas e “do fins” necessários que fazem parte da existência humana. Não aprendemos a lidar com a nossa própria solitude, pois estamos com a mente barulhenta e incessante. Estamos vivendo anestesiados num ritmo frenético e sem sentido existencial genuíno. Vivemos em um tempo em que os nossos investimentos são convertidos em (in)certezas exponenciais, pois a única certeza que temos é a própria incerteza em si.

Hoje, mais que nunca, as pessoas só agem através dos próprios interesses. O pior disto tudo, é que acreditam categoricamente que estão beneficiando os outros, nunca a si próprios. Nunca vivemos um caos existencial onde a fraternidade apresenta temperaturas glaciais. A cada dia as pessoas estão mais congeladas no seu próprio ego, um “falso ego aniquilador e devorador”, onde o referencial não são mais elas próprias enquanto proposta de autoconhecimento e autodesenvolvimento, mas sim a realidade e a vida dos outros com um tempero de competitividade nos moldes de uma vida de disfarces. Em uma época, estávamos com os outros; hoje estamos para ser apreciados pelos outros.

Buscamos incessantemente estar nos padrões e modelos sociais para não nos sentirmos desprestigiados, mesmo que isto custe nossa paz, nossa saúde e qualidade de vida. Nossa autoestima já não reconhece o ser único que somos. Estamos bastante conectados, porém pouco vinculados. Vivemos na era da informação, mas continuamos alienados. Em tempo algum tivemos tanta falta de cuidado e desprezo pelo que somos, pelo que temos e o que vivemos, pois nunca estamos satisfeitos com nada. A vida nunca está completa, plena, pois me parece que o ideal são os moldes da perfeição, sempre inatingíveis. E assim continuamos perseguindo algo que sequer sabemos o que é, como é, porque é, para que e para quem. Estamos isolados e perdidos.

Temos tecnologia a nosso favor, mas será que a qualidade de vida acompanhou este passo? Em caso afirmativo, qualidade de vida para quem? Se parássemos para analisar, o tempo de vida do ser humano diminuiu, visto que não temos sequer tempo para viver uma vida verdadeira, pois utilizamos todo o tempo que dispomos para correr atrás de projetos de vida que muitas vezes sequer conseguimos decodificar as reais motivações. Temos muitos projetos simultâneos e pouco realizamos, pois hoje prioridade se confunde com urgência e ninguém está disposto a por as mãos na massa para amaciar o pão e paciência para esperar a fermentação acontecer no dia seguinte.

Para refletir:

A vida está passando e pouco estamos vivendo. Enquanto isto, corremos na contramão de algo que nunca nos satisfaz por completo. Todavia, estamos ali, sempre expectantes e acelerados para nos amoldarmos nos padrões que nos impuseram e que não paramos para analisar se o que buscamos incessantemente se encaixa em nossas vidas, se preenche o nosso ser, se satisfaz a nossa existência. Hoje não dispomos mais de tempo para saborear a vida, digerir experiencias, de meditar sobre nossas escolhas, do porque e para que decidimos ser e fazer algo. Acredito que não estamos vivendo, apenas existindo.

Soraya Rodrigues

Psicóloga, escritora, Psicotraumatologista, Expert em Medicina Psicossomática e Psicologia da Saúde. É colunista do site Fãs da Psicanálise.

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