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Suzana Alves: da fama repentina ao isolamento da depressão

Uma garota de 18 anos torna-se, de repente, o maior sex symbol do Brasil, vê a conta bancária engordar com a entrada de milhões de reais, compra roupas de grife como quem pede pão fresco na padaria e tem um séquito de homens aos seus pés. No fim dos anos 90, a paulistana Suzana Alves era a desejada Tiazinha. De espartilho, máscara e chicote na mão, a morena estonteante, com corpo perfeito e cabelo de índia, rebolava no palco e depilava rapazes no extinto programa H, da TV Bandeirantes. “Loucura, loucura, loucura”, exultava o apresentador Luciano Huck.

O perfil de menina combinado com a indumentária erótica da personagem gerou a combustão que enlouqueceu o país. “O Brasil conseguiu outra façanha inédita no mundo: inventou o sadomasoquismo sem maldade”, comentou o escritor Luis Fernando Verissimo. Em pouco tempo, o fetiche nacional virou uma fábrica de fazer dinheiro: gravou CD, começou a realizar shows para até 80 000 pessoas e estrelou duas capas da revista Playboy (juntas, essas edições venderam 2 milhões de exemplares).

O sucesso, no entanto, cobrou um preço alto. No auge da fama, Suzana começou a sofrer de depressão e síndrome do pânico, problemas que foram desencadeados pelo assédio. Um dos episódios barras-pesadas ocorreu em uma cidade do interior. Depois de fazer um show, ela tomou um susto no hotel durante a madrugada. Quando abriu os olhos, deu de cara com um desconhecido. “Acordei com a respiração do rapaz perto do meu rosto. Comecei a gritar desesperadamente, até que tiraram o sujeito de lá”, lembra.

Desde então, passou a dividir o leito com uma camareira, enquanto um segurança ficava de prontidão na porta do quarto. Só não dava para evitar os pesadelos, cada vez mais frequentes. “O olhar dos homens me assustava. Havia a sensação de não conseguir acordar e eu via meu corpo sair de mim.” A decisão de parar se deu no ano 2000, quando Suzana estava na Europa cumprindo uma agenda profissional. Hospedada em um castelo na cidade do Porto, em Portugal, percebeu que não tinha forças para sair da cama. “Eu parecia água parada, onde as pessoas só depositavam sujeira”, conta.

Em seguida, ela deixou a Bandeirantes. Ainda levou um tempo para aposentar a personagem. Usou o figurino na banda de rock Tiazinha e os Cavaleiros Mascarados. O negócio não foi para a frente. “Eu estava perdida e não sabia o que fazer da vida”, explica. Viajou para a Índia para assistir a palestras budistas e foi meditar no Peru. Em 2002, Suzana participou da segunda edição do reality Casa dos Artistas, no SBT. Com a saída do programa, impôs-se um autoexílio da TV.

Com distanciamento, percebeu o tamanho do carma que carregaria. Quando era digitado no Google o nome “Tiazinha”, a busca mostrava uma série de sites eróticos. “Eu saía de casa com uma blusa amarrada na cintura, com medo dos olhares das pessoas. Queria me esconder. ”Nesse momento, decidiu retomar a faculdade de jornalismo na Fiam, no Morumbi, e começou diversos cursos de teatro. Em 2004, a depressão agravou-se com a morte de seu pai, vítima de câncer no estômago.

Como se não bastasse, terminou o namoro de seis anos com o ator Eriberto Leão. “Procurei a terapia para poder me relacionar com os homens”, diz. “Eu tinha medo de eles virem até mim achando que eu era uma personagem, não uma mulher de carne e osso.”

Além de ajuda de um psiquiatra, encontrou uma nova fé com a fisioterapeuta Georgia Pischel, com quem fazia sessões de drenagem linfática. “Suzana estava acuada e fragilizada, não confiava em mais ninguém”, lembra a amiga, que a convidou para participar de um programa de evangelização no Piauí. “Dormíamos juntas no chão do colégio transformado em abrigo.” Na volta para São Paulo, ela começou a frequentar a igreja evangélica Menonita e, em uma cachoeira em Minas Gerais, se converteu.

Hoje, frequenta o culto toda semana e vai ao Nordeste uma vez por ano, para fazer evangelização na casa das pessoas e dar depoimentos sobre como retomou o contato com Jesus. “Quando criança, eu frequentava um curso de pintura de pano de prato na Igreja Católica e ia aos cultos evangélicos na Brasil para Cristo com a minha mãe”, recorda. “Meus testemunhos contam que a espiritualidade é fundamental para vencer a depressão.”

Suzana é a terceira filha de um casal de imigrantes semianalfabetos de Cajazeiras, no sertão da Paraíba. Em busca de uma vida melhor, seu Geraldo e dona Lúcia mudaram-se para São Paulo em 1976, trazendo no colo o pequeno Gerlúcio (o primogênito, Sebastião, havia morrido um ano antes). Eles se instalaram na casa de um parente, na Freguesia do Ó, onde nasceu Suzana.

Seu pai trabalhava como operário em uma fábrica de plásticos e sua mãe era dona de casa. Aos 3 anos, a garotinha começou o curso de balé. Tomou gosto e foi aprovada para o corpo de dança do Teatro Municipal. Lá, estudou dos 7 aos 14. Para frequentar as atividades, ela percorria com a mãe 40 quilômetros por dia, entre a ida e a volta. “Nossa vida era humilde demais”, diz dona Lúcia. A família viveu depois no Jardim Elisa Maria, também na Zona Norte. Ali, naquele bairro pobre e com esgoto a céu aberto, nasceu o caçula, Felipe. Quando chovia muito, a casa dos Alves alagava.

Na adolescência, Suzana começou a fazer alguns pequenos trabalhos como modelo. O cachê embolsado em comerciais ajudava no orçamento doméstico. Ao se tornar conhecida como Tiazinha, em 1998, teve de trocar de endereço. Em uma semana, mudou-se para um flat nos Jardins porque sua casa vivia cercada de fãs. A família saiu de lá um mês depois. O pai ficou assustado com o sucesso repentino — e detestava ser chamado de “sogrão” pelos colegas. Temendo que Geraldo tivesse ainda mais problemas com a bebida (o operário sofria de alcoolismo), a filha o tirou do trabalho. “Com o passar dos meses, ele se encheu de orgulho de mim.”

No início da carreira da personagem, a menina ganhava um salário de 1 000 reais na Band — que saltou para 40 000 oito meses depois. Em poucas semanas, sustentava todos os parentes. “O primeiro presente que ganhei dessa fase foi uma lipoescultura”, lembra a mãe. “Percebi que minha filha tinha chegado lá quando me vi ao lado da Xuxa no aniversário de 1 ano da Sasha, no Rio de Janeiro.”

Suzana também se deslumbrou. Comprou uma cobertura de 1 000 metros quadrados em Perdizes, contratou motorista, segurança e duas camareiras. Em uma viagem a trabalho para Nova York, enlouqueceu nas butiques de luxo. “Quando cheguei ao quarto onde ela estava hospedada mal dava para andar: só havia sacolas Versace, Roberto Cavalli, Louis Vuitton…”, lembra o cabeleireiro Marco Antônio de Biaggi, contratado para penteá-la.

Semanas após o estouro da personagem, o empresário Francisco Amato registrou o nome “Tiazinha”. “Essa pessoa, que eu nunca tinha visto antes na vida, apareceu na minha frente falando que eu não conseguiria trabalhar se não assinasse um documento; afinal, a marca era dele”, conta Suzana. Por ignorância e ingenuidade, ela firmou o acordo, entregando 40% de seus rendimentos a Amato. Seis meses depois, pagou 250 000 reais ao empresário para rescindir o contrato. “Ele agiu de má-fé e eu, por inocência, caí nessa”, lamenta. Procurado por VEJA SÃO PAULO, Amato não quis se manifestar.

Quem a ajudou a resolver o imbróglio e passou a administrar suas finanças foi o advogado Sérgio D’Antino. “Era tanto empresário, tanto agente, uma bagunça”, afirma o profissional. Segundo seus cálculos, o faturamento da estrela chegou a 30 milhões de reais em 1999, entre salário na TV, shows, participação em venda de revistas e licenciamento de produtos. Em 2002, Luciano Huck entrou com uma ação pleiteando a propriedade sobre a marca Tiazinha. Suzana levou a melhor nos tribunais. “Não lembro disso”, desconversa Huck, que diz adorar a ex-pupila. “Ela foi um viral fora da internet, no mundo real: todo mundo só queria saber dela, estar perto dela, consumir os produtos dela.”

Nos últimos anos, Suzana tem investido na carreira de atriz. Tem mais de dez peças e filmes no currículo. Começou o mestrado em dramaturgia na USP e estudou no Centro de Pesquisa Teatral do diretor Antunes Filho. “Admiro demais essa artista de garra e talento”, elogia Juca de Oliveira, com quem ela trabalhou na montagem A Babá. Na ocasião, uma colega de elenco não quis dividir o palco com ela e deixou a montagem. “Não vou contracenar com uma bunda”, justificou. O rompante preconceituoso foi um caso isolado. “Suzana é muito maior do que a Tiazinha, pode viver qualquer personagem”, garante Juca de Oliveira.

Apesar de ter esbanjado e perdido muito dinheiro, ela conseguiu guardar o suficiente para levar uma vida confortável. É sócia de um estúdio de pilates no Morumbi, tem uma cobertura na Vila Olímpia, um apartamento em Campo Limpo e uma bela casa em um condomínio fechado, onde vive com o marido, o ex-tenista Flávio Saretta, desde que eles se casaram, em 2010. A residência tem três andares, piscina, jardim e decoração elegante, com móveis e piso brancos. Há algumas fotos do marido nas quadras e nenhuma imagem dela dos tempos de TV.

“Eu enchi o saco de uma amiga em comum para me dar o e-mail da Suzana”, lembra Saretta. Depois de três meses de insistência, ela aceitou o convite para jantar, e, um ano depois, eles estavam no altar. “Pelo passado e por ser muito linda, ela sofre preconceito e precisa provar a toda hora que estudou isso e aquilo”, diz o marido. “Acho uma bobagem. Quem passa cinco minutos com a Suzana sabe a mulher interessante que ela é.” Após dois anos de tratamento em clínicas de fertilização, o casal teve Benjamin, que completou 4 meses na última quarta, 16.

Por ter tomado muitos hormônios, Suzana engordou 28 quilos na gestação. Aos 38 anos, ela agora intensificou os treinos para recuperar a forma. Faz exercícios seis dias por semana. Alterna musculação, pilates e corrida e já perdeu 21 quilos. Todo esse processo de emagrecimento tem sido mostrado em sua conta no Instagram e, depois, vai virar tema de um livro. Em março, estreia em uma nova peça do diretor Alexandre Ingrevallo. “Vou fazer uma ‘patricinha’ com problemas para encontrar um marido”, diz. Quando fala de seu passado como sex symbol, é nítido o desconforto que ainda sente: muda de voz, olha para o lado e mexe as mãos, de nervosismo. “Eu me arrependo da exposição do corpo, mas já fiz as pazes com a Tiazinha e, por consequência, comigo mesma.”

Suzana Alves relembra o período de sucesso e conta como a religião e o teatro foram importantes na retomada de sua vida

Por que abandonou a Tiazinha?

Ela durou menos de três anos (de 1998 a 2000), mas o sucesso foi avassalador. Eu tinha 18 anos, enfrentei problemas para lidar com a fama, os oportunistas e o assédio. Não tinha liberdade para sair de casa.

É verdade que foi roubada?

Eu era ingênua, assinei um contrato com um estelionatário chamado Francisco Amato. Com menos de um mês de existência da personagem, ele chegou à Band dizendo ter registrado o nome “Tiazinha”. Assinei um contrato na inocência (por seis meses, Amato ficou com 40% de todos os rendimentos).

Como se livrou dessa situação?

Por indicação da Marília Gabriela, contratei o advogado Sérgio D’Antino. Ele fez com que eu me livrasse daquele contrato. Gastei na época 250 000 reais para desfazer o documento que assinei sem entender.

Algumas pessoas dizem que você faliu…

Não é verdade. Eu não tinha nada, era humilde, e de repente passei a ter tudo. Fiquei deslumbrada. Comprei uma cobertura em Perdizes, que tinha mais de 1 000 metros quadrados. Consumia muita roupa, ajudava toda a família, tinha muitos funcionários… A minha sorte é que adquiri imóveis (hoje, tem uma cobertura na Vila Olímpia, um apartamento em Campo Limpo e uma casa em condomínio fechado na Grande São Paulo). Aprendi a viver com menos e ser feliz assim.

Teve depressão?

Depressão e síndrome do pânico. Eu me sentia água parada, onde as pessoas depositam lixo, sujeira. Eu precisava ser água corrente, sair daquela prisão.

Foi alvo de machismo?

Mais do que isso. Certa vez, fiz um show numa cidade em que um rapaz conseguiu a cópia da chave do quarto do hotel. Acordei de madrugada com ele perto da minha cara e comecei a gritar. Foi desesperador. Nada de grave aconteceu, mas, depois daquilo, eu só dormia com uma camareira na mesma cama e um segurança na porta do quarto.

Por que dormia com camareira?

Por medo. O olhar dos homens durante os shows me assustava. Eu tinha pesadelo porque meu inconsciente não estava em paz. Certa vez, estava hospedada em um castelo em Portugal e me perguntei: “Isso é vida?”. Claro que não era.

O que fez quando deixou a TV?

Voltei para a faculdade de jornalismo, fiz intercâmbio no Canadá e viajei para me descobrir. Fui para a Índia assistir a palestras sobre budismo. Ainda que tivesse medo de ser esquecida, eu precisava sair de cena para fazer as pazes com a Tiazinha, para entender e aceitar o que aconteceu comigo.

Você se arrepende de algo?

Da exposição excessiva do corpo.

A religião ajudou a superar a depressão?

Em 2004, após a morte do meu pai por câncer de estômago, uma amiga me levou para ficar um mês no Piauí, em um programa de voluntariado e evangelização. Faço parte da Igreja Menonita, dissidência da Batista. A religião me deu equilíbrio. Frequento o culto toda semana e, uma vez por ano, vou ao Nordeste para evangelizar comunidades carentes.

Por que procurou terapia?

Para ela me ajudar a me relacionar com os homens. Eu tinha medo de que eles se aproximassem em busca da personagem. Não queria alguém atrás de um sex symbol, mas da mulher que sou. Estou há sete anos com o Flávio Saretta (ex-tenista e comentarista esportivo). Há quatro meses realizei meu maior sonho: ser mãe. Fiz tratamento por dois anos para ter filho. Cheguei a perder uma fertilização, fiquei arrasada. Na segunda tentativa, deu certo e veio o Benjamin. Ele mama bem e adora escutar Beatles.

Quais são seus planos?

Estudei teatro com o diretor Antunes Filho, iniciei mestrado em dramaturgia na USP e tenho no currículo peças e filmes com Juca de Oliveira e Ugo Giorgetti. Quero fazer uma novela na TV.

> Fantasia rentável

Os números e as receitas da personagem

30 milhões de reais foi o faturamento da marca Tiazinha em 1999, entre salário, CDs e artigos licenciados

2 milhões foi o número de exemplares vendidos das edições de março de 1999 e março de 2000 da Playboy

250 000 cópias foram vendidas do CD Tiazinha Faz a Festa. Caetano Veloso elogiou sua voz e afinação

30 produtos licenciados foram lançados, como cadernos, lingerie, agendas e álbum de figurinhas.

(Autor: João Batista Jr.)

(Fonte: Veja São Paulo)

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