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SUPERANDO A FASE DE ISOLAMENTO NO TRATAMENTO DE CÂNCER

A partir do diagnóstico e durante todas as fases do tratamento ou em suas complicações, paciente de câncer e seus familiares vivenciam situações altamente estressantes, física e emocionalmente. Por este motivo, costumamos denominar este grupo como a unidade de cuidados paciente/família.

O impacto da nova realidade a ser vivida pode gerar ansiedade, depressão, irritabilidade, desorientação, perda do controle e medo da morte. Os pacientes, mais especificamente, são forçados a enfrentar a dor, o possível desfiguramento, a perda das funções sexuais (dependendo da idade), a dependência, o isolamento e a separação. Assim, torna-se necessário apoio continuo e voltado para o momento vivenciado. Muitas perguntas surgem e a unidade de cuidados paciente/família sente necessidade de conversar muito e varias vezes, com uma equipe de saúde que esteja disponível a responder.

Vários tipos de câncer exigem algum tipo de isolamento em alguma fase de seu tratamento, visando tratamento curativo, complementar ou paliativo. E este é mais um problema a ser enfrentado. Mas primeiro é preciso antes saber que tipo de isolamento está se propondo.

Importa lembrar que falar em isolamento costuma levantar uma série de fantasias. E as fantasias, na maioria das vezes, são mais assustadoras do que a própria realidade. Isolamento no tratamento do câncer não significa privação de todo e qualquer contato. Há restrições e cuidados a serem observados para proteção do próprio paciente, da família, da equipe cuidadora e em alguns casos, até do meio ambiente. É chamado de Isolamento de Contato ou Precaução de Contato e ocorre quando há necessidade de afastar parcialmente  e temporariamente o doente do convívio social.

Como exemplo, podemos citar o tratamento complementar em câncer de tireoide. Quando acontece a cirurgia de tireoidectomia total, ou seja, a retirada da glândula tireoide e ressecção dos gânglios linfáticos adjacentes, pode ser necessário que após 30 dias da cirurgia e ainda sem reposição hormonal, o paciente seja submetido a um tratamento com iodo radiativo. Neste caso, ele precisa ser novamente internado, desta vez em regime de isolamento. Neste caso, o isolamento visa proteger o ambiente e as pessoas próximas a ele, já que a radiação pelo iodo é eliminada pela pele, fezes e urina. O tratamento com iodo radiativo costuma apresentar poucos efeitos colaterais. Após este período, ele estará liberado, sendo necessária apenas a reposição hormonal e com chances de cura de até 95% a depender, claro, do estágio da doença.

Outro tipo de isolamento e este sim, mais comum em várias doenças oncohematologicas, mas não restrito a elas, é o isolamento para a TMO (transplante de medula óssea). Devido ao sucesso do tratamento, cada vez mais os oncologistas optam pela TMO. Entre as opções de tratamento por TMO temos: o TMO Singenéico, onde é usada a medula de um irmão gêmeo idêntico; o TMO Alogênico, feito a partir do transplante de medula de um doador geneticamente compatível; o TMO Autólogo, realizado com a retirada prévia e posterior reinfusão da medula do próprio paciente. Esta última modalidade costuma ser muito usada em crianças com retinoblastoma, sarcoma de Ewing, rabdomiossarcoma, tumor de Wilms, tumor de células germinativas e tumores cerebrais.

O isolamento ocorre pré e pós TMO, para a proteção do paciente contra agentes infecciosos já que estes estarão imunodeprimidos. Assim, o ambiente deverá estar preparado para mantê-los, as visitas são restringidas e quando permitidas, estas deverão usar máscaras, luvas e aventais.

O paciente não estará sozinho e isolado totalmente, terá contato constante com o seu médico e com a equipe cuidadora da unidade de transplante. Sabe-se que umas das fantasias mais comuns dizem respeito a uma absoluta separação e cisão de contatos, além de privação sensorial. Não é assim que acontece. E a equipe sempre estará a postos para tornar este período o mais confortável dentro das possibilidades. A duração do isolamento será uma decisão do medico responsável, dependendo do tratamento e das condições de recuperação do paciente no período pós TMO.

A experiência mostra que esta fase é uma das mais difíceis para os pacientes e familiares. Por este motivo, ainda na fase pré TMO, a unidade de cuidados deve receber toda a orientação e esclarecimentos acerca de todo o procedimento (colocação do cateter, necessidade de isolamento, cuidados necessários, período de permanência na internação, possíveis efeitos colaterais como náusea, vomito, fadiga etc.). Os cuidados psicológicos, extremamente importantes para diminuir o sofrimento do processo, incluem uma avaliação pré-transplante através do levantamento da história clínica e psiquiátrica do paciente e também dos familiares. A avaliação visa à identificação do risco emocional, orientação, apoio e auxilio e se necessário, o acompanhamento psicoterapêutico.

No período pós transplante, os pacientes podem apresentar ansiedade, medo, sentimentos de depressão com crises de choro, dificuldades em se concentrar, em estruturar e manter suas atividades diárias mesmo as mais simples como a leitura, piorando a sensação de isolamento e desenvolvendo sentimentos de tédio e irritabilidade (Contel e cols, 2000). Às vezes, devido ao grau de instabilidade emocional do paciente, o acompanhamento de um psicólogo pode ser diário.

O caso de adolescentes ganha uma dimensão diferente, podendo a depender de seu grau de amadurecimento e estrutura egóica, causar sérios danos ao seu psiquismo. Para o adolescente, o diagnóstico de câncer pode ser avassalador, representando uma disruptura em seu estilo de vida. No momento em que sente a vida jorrar com toda a sua intensidade, plenitude e colorido, quando começa a ensaiar seus primeiros passos no sentido do exercício autonomia e descobrimento da paixão e da sexualidade, aparece o mal estar causado pela doença, pelas frequentes internações, pelo medo do futuro e outros. Tudo isto pode soar como um golpe imerecido, causando um ataque à sua autoimagem e senso de identidade.  Auxiliá-lo a dimensionar o que lhe acontece nos princípios da realidade, dar suporte e recursos de enfrentamento, esclarecer todas as suas duvidas e criar um espaço seguro onde possa expressar livremente suas emoções, farão diferença em sua adesão ao tratamento.

Quando o paciente é uma criança estes cuidados devem ser redobrados, avaliando suas necessidades individuais e fornecendo informações de acordo com o seu grau de entendimento. Além do estresse familiar que é amplamente percebido pela criança, ela também vivencia o medo do desconhecido, a separação dos pais, a interrupção do estilo normal de vida (escola, amigos, idas diárias ou internação no hospital), raiva do diagnóstico e ansiedade.

Após a alta de unidade de transplantes e mesmo após a alta hospitalar, muitos cuidados serão imprescindíveis para evitar infecções. Do ponto de vista psicológico, ao mesmo tempo em que se vive o alívio pelo sucesso do tratamento, tanto o paciente e quanto seus familiares sentem-se inseguros com a saída do ambiente protegido, ou em imaginar a possibilidade de uma nova internação. Alguns dos cuidados, como exemplo, usar máscaras de proteção, evitar contato direto com muitas pessoas (beijos, abraços, proximidade ao falar etc.) e locais com grande afluxo, prevenir-se contra quedas e ferimentos ao menos nos dois primeiros meses após o transplante, poderão ser interpretados com o uma restrição e causar o isolamento social.

Ao final, podemos afirmar que a atenção aos aspectos psíquicos e emocionais da unidade de cuidados paciente/família é de extrema utilidade para a adesão e o sucesso do tratamento. Salientamos que também sua espiritualidade, como força formadora de sentido e recurso de enfrentamento, deverá ser observada.

No entanto, tais cuidados deverão ser subjetivos, ou seja, respeitando a singularidade daquela pessoa integral que ora está adoentada e precisando de atenção. Tais cuidados deverão considerar sempre quem é a pessoa que está doente – idade, fase de vida, características e traços de personalidade, histórico clínico e psíquico, incluindo presença de episódios anteriores de depressão, ansiedade e estilo de enfrentamento – assim como as características do grupo familiar.

Ao final de tratamento, reintegrar com segurança o paciente à sua vida cotidiana e o tratamento das sequelas físicas e emocionais são tão importantes quanto o apoio durante o tratamento. E novamente, paciente, pais e familiares deverão ser orientados pela equipe de cuidados e amparados na trilha de retorno a vida saudável e harmoniosa. Como nos lembrava Viktor Frankl, nós não podemos determinar todos os acontecimentos da nossa vida, mas podemos determinar as nossas respostas a eles. Se a dor não pode ser evitada, ela pode ser minorada e transformada em marcas de superação.

Autora: Mestre Rita Macieira, Professora do IJEP, Coordenadora de Psicologia Integrativa Transpessoal

Referências:

Contel, JOB; Sponholz Jr, A. .; Torrano-Masetti LM ; Almeida, AC ; Oliveira, EA; Jesus, JS; Santos, MA ; Loureiro, SR; Voltarelli, JC. Aspectos psicológicos e psiquiátricos do TMO. Simpósio: transplante de medula óssea, Cap. VI. Medicina, Ribeirão Preto. 33: 294-311, jul./set. 2000

Macieira, RC., Barbosa, ERC. Olhar paciente-família: incluindo a unidade de cuidados no atendimento integral. In Veit,MT. (org) Transdisciplinaridade em oncologia. HR Gráfica e Editora, SP. 2009.

Fonte: /ww.ijep.com.br

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