Todo mundo sabe, mas parece que muitas vezes a gente se esquece que não somos feitos de ferro.

Somos seres orgânicos, estruturas complexas, somos feitos de carne, osso, sangue, sentimentos, vibrações, vontades físicas e psíquicas, consciente e inconsciente. Temos no corpo e no pensamento movimentos voluntários e involuntários.

Somos o que queremos ser, mas também somos as nossas próprias limitações.

Gosto de dizer que uma pessoa é uma comunidade em si mesma. Cada um de nós é um microcosmo, e cada ‘cidadão’ que nos habita tem sua função e importância, tem que ter sua voz e sua vez. Cada um de nós é um microcosmo democrático, ou pelo menos deveria ser.

Somos como uma orquestra, compostos de tantos ritmos e sons diferentes, o coração batendo, mantendo a base para todas as outras harmonias; o maestro cérebro vezes guiando os órgãos, vezes deixando que fluam sozinhos; e o corpo todo num balanço solto porém ritmado.

Acontece de muitas vezes, o senhor maestro cérebro, por conhecer a sua suprema importância e capacidade, inflar demasiadamente o ego, e assim ficar cego e surdo no comando da orquestra. Pode acontecer de o cérebro virar um ditador que só cuida dos próprios interesses e deixa de se preocupar com o bem comum.

O corpo vai no embalo, sem ser ouvido como deveria, segue o guia, muda os ritmos, os acordes descompassam, os instrumentos dão o seu máximo. Às vezes um violino perde uma corda, mas continua tocando, outras vezes uma flauta doce amarga, mas continua no embalo, sem ter tempo para recuperar o fôlego. O corpo fala, mas o maestro está surdo, cego pelo poder.

O maestro quer trabalhar noite adentro, e os instrumentos querem dormir. O maestro quer comer tudo que vê pela frente, e os instrumentos estão sobrecarregados. O maestro quer conter o choro, ofuscar o sorriso, ocultar a libido, e os instrumentos querem transbordar.

O maestro cria hábitos, o corpo se adapta; o maestro cria leis, o corpo se adapta. O maestro se esquece da comunidade até que tudo grite, até que algo desande, até que líquidos endureçam, e emoções explodam ou simplesmente morram.

Mas, nem tudo está perdido, se voltarmos a ser uma sociedade mais humana, uma democracia social, se soubermos fazer acordos entre vontades e necessidades. Se entendermos que ser livre é ser inteiro, é saber respeitar os nossos próprios ciclos e sentir a harmonia entre os ritmos dentro da própria pele.

E para balancear todo esse mecanismo, às vezes é bom tentar manter o que disse Walter Franco ‘a mente quieta, a espinha ereta e o coração tranquilo’.

(Autora: Clara Baccarin)

(Fonte: clarabaccarin.com)

*Texto publicado com a autorização da autora

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Clara Baccarin é paulista dos interiores, nascida nos anos 80. É escritora, poeta e agitadora cultural. Faz parte do grupo editorial Laranja Original. Publicou, pela editora Chiado, o romance poético Castelos Tropicais (2015) e a coletânea de poemas, pela editora Sempiterno (2016), Instruções para Lavar a Alma. Em 2017 lança, em parceria com músicos e compositores, o álbum Lavar a Alma, que reúne 13 de seus poemas musicados. É colunista do site Fãs da Psicanálise.

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