Amor

Sobre nossas paradas obrigatórias

“Para percorrer os dias, os temperamentos um pouco nervosos, como era o meu, dispõem, como os automóveis, de ‘velocidades’ diferentes. Há dias acidentados e penosos que a gente leva um tempo infinito a transpor, e dias em declive que se deixam descer a toda velocidade cantando.” – Marcel Proust, No caminho de Swann.

Aprendemos desde cedo que a vida não para, que é preciso vestir armaduras e seguir em frente sem titubear, que o mundo não diminui o ritmo só porque o coração se quebrou, só porque a cabeça está cheia demais, só porque o corpo quer sucumbir ao peso do cansaço físico e emocional.

E aí, de insistência em insistência, a armadura vai ficando mais pesada… E em algum momento a gente finalmente percebe que parar é preciso; que parar é questão de vida ou morte; que parar, muitas vezes, é mais importante que continuar.

Em algum momento a exaustão começa a vazar pelas frestas da armadura. Mudar o passo vira um movimento hercúleo. O caos está armado: a alma extravasa tristeza de um lado, o coração se espreme de outro, o corpo chega ao limite da doença física. E só assim – forçados e com medo – é que finalmente paramos.

O PARAR tem múltiplos formatos. Depende bastante da essência da sobrecarga com a qual estamos lidando. Férias costumam ser um plano de contingência que funciona bem para quase todas as modalidades, mas nem sempre estão ao alcance quando a sirene vermelha começa a soar loucamente. Quando o distanciamento físico não é possível, é preciso investir mais pesado na blindagem emocional.

Leia Mais: Ela não tem o coração de pedra, tem a firmeza necessária contra amores fracos

O importante é aquietar-se. É fechar as janelas enquanto a chuva cai, ácida e devastadora, do lado de fora. É respirar sem pressa, é abandonar todas as marcações dos “tenho que”. É relembrar como é bom estar consigo, ainda quando se está aos pedaços. Afinal de contas, tudo o que temos em momentos assim é tempo (e tempo amigo!) para fazer as colagens mais criativas, para tirar do armário aquela incrível paleta de cores e ousar nas combinações.

É tempo de vestir o avental de Luthier e lapidar a alma com carinho e calma (e não é que é verdade que a CALMA tem uma alma embutida?), sem atropelos, lembrando que é a qualidade dela que vai definir o nível do som que emanaremos ao Universo depois.

Leia Mais: O amor não cega

Ainda que a rotina e os deveres da vida mundana nos impulsione a seguir pela materialidade do mundo, abandonar a armadura e construir um jardim de paz do lado de dentro depende única e exclusivamente de cada aprendiz de jardineiro. Não é simples. É preciso desenvolver habilidade com a terra do (auto)perdão, sensibilidade para cultivar as flores da gentileza, harmonia para organizar os canteiros da tranquilidade e muita, muita paciência para não esmagar o próprio jardim em construção com as máquinas pesadas do egoísmo, do descontrole e da carência.

Sementes de amor (dentre as quais a do amor-próprio) regadas com tempo dão flores lindas. Dessas que perfumam a alma, colorem o mundo e atraem borboletas – inclusive no estômago.

Giselle Castro

Graduada em Letras, com MBA na área de Engenharia da Qualidade, não trabalha nem numa área, nem na outra - o que mostra que nem tudo é linear nessa vida. Não é terapeuta, nem psicóloga; está começando a tatear seus caminhos profissionais na astrologia (porque é por ali, no meio das estrelas, que o coração dela estacionou há tempos...). Tirando a parte dos rótulos, ela é apenas uma dessas pessoas que tentam viver com ética, bom humor, leveza e autenticidade - e que nem sempre conseguem, mas continuam tentando. Escrever foi a forma que ela encontrou, desde muito criança, para organizar a bagunça da mente e do coração. Por sorte, tem funcionado desde então. É colunista do site Fãs da Psicanálise.

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Giselle Castro

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