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Sobre a Black Friday e os excessos de consumo

Compro, logo existo?

No consumismo, um prazer próximo a compulsão, comprar é a finalidade sobreposta ao desfrute do objeto adquirido. Se consumir significa usar até o fim, hoje a maior realização parece ser a experiência de comprar e não de usufruir do bem adquirido.

Se antes o lugar de cada pessoa era marcado por sua origem, “sobrenome”, hoje cada um pode construir o próprio lugar, o que pode ser facilmente observado nas redes sociais.

A busca por status seria uma forma de pertencimento, assim onde moro, onde passo as férias, as roupas que uso são sinais do lugar social que procuro me posicionar.

Ao consumir não se busca o acúmulo de bens, os produtos rapidamente se desatualizam, envelhecem e são descartáveis, por isso rapidamente há um desejo de novo objeto, porém não do objeto em si, mas das sensações e experiências proporcionadas pela aquisição.

Sobre a Black Friday e outras liquidações, são datas em que o desejo de consumo toma conta, muitas vezes de forma incontrolável aos consumistas. Apesar de barreiras como a situação financeira, algumas pessoas não conseguem barrar o desejo e cedem ao consumo, temendo perder tal oportunidade de oferta, como se nunca mais aquele produto pudesse ser adquirido.

Por trás das liquidações há uma ideia de superioridade em relação a alguém que pagou mais pelo mesmo produto. Muitas vezes não há uma reflexão se aquele produto é de fato necessário, porém racionalmente uma série de justificativas são feitas para comprar sem precisar naquele momento… “Quem sabe um dia precisarei?”.

Ao lado do Halloween, a Black Friday é mais um desses mega eventos importados que, chegam ao Brasil sem o menor sentido com a realidade, afinal não temos “Dia de Ação de Graças”. As imagens na TV, semelhantes as americanas, mostram corredores de lojas congestionadas com gente se acotovelando, pessoas acampadas esperando a loja abrir e consumidores denunciando descontos “metade do dobro”. Nos Estados Unidos realmente as liquidações mostram preços sedutores, mas no Brasil a situação parece bem diferente. A ideia de custo/benefício das promoções serve de álibi para o consumidor conviver mais facilmente com a sua má consciência.

O consumo é associado a satisfação dos desejos, então promoções seriam uma forma mais fácil de alcançar esse prazer de consumir. Há uma recusa de dados da realidade, limites, quando se busca realizar um desejo. Um exemplo disso são as propagandas de vendas a prazo sem juros, quando os juros estão embutidos no preço do produto anunciado.

Em tais datas promocionais as pessoas se permitem gastos extras, o que pode agravar ainda mais o descontrole quando se pensa num elemento chave do consumismo contemporâneo: o crédito.

Através dos cartões de crédito, parcelamentos “supostamente” sem juros, facilidade de compras pela internet em qualquer moeda e coisas assim, as pessoas vivem uma sensação de onipotência de que podem ter acesso ao que quer, imediatamente. O pagamento “diluído” faz com que o sacrifício pareça homeopático.

Se temos um volume de dinheiro na carteira, conforme gastamos, vemos ele indo embora, contudo com o cartão não há essa dimensão concreta, assim facilmente se “perde a noção” sobre o quanto gastou. Quando a fatura chega apenas no final do mês, podemos pensar em muitos dias em que se pode adiar o momento de encarar a falsidade.

O desejo humano sempre lida com a questão da falta. A insatisfação e a inquietude constante faz com que as pessoas tentem dar conta de seus desconfortos e comprar para um meio fácil, e solitário, de dar fim a dor.

O excesso de acesso a internet, assim como aos cartões de crédito possibilitou cada vez mais a população o comprar, porém isso não fez as pessoas mais felicidades como o esperado, pelo contrário, estamos cada vez mais deprimidos e endividados.

No ambiente contemporâneo parece não haver espaço para o conserto, mas sempre “comprar outro”, demonstrando a banalidade do acesso a objetos descartáveis.

Desde crianças aprendemos sobre o consumo, como se brinquedos novos fossem resposta para as precoces insatisfações. Os uso de objeto, como de fácil aquisição, descartáveis e facilmente “trocaveis” ou “substituíveis”, acaba também se tornando um modelo transplantado para as relações humanas. Como dizem por aí: “a fila anda”.

O comportamento aditivo do consumo, como uma droga, remete a uma forma de se automedicar contra um vazio interior. Consumir é uma forma de existir, de remediar a dor, buscar um olhar, tentar construir um eu que se mostra fragilizado. Pessoas compram e se sentem incluídas, diferenças são esquecidas, há um sentimento maravilhoso de poder comprar e possuir aquele objeto. Comprar é poder!

Não é incomum encontrar o consumismo impulsionado pela inveja. A eterna comparação com o vizinho do carro novo, com a amiga estilosa ou o filho de alguém…

(Imagem: Bruce Mars)

Mariana Pavani

Psicóloga, estudante de Psicanálise. Colunista do site Fãs da Psicanálise.

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