Á medida que os anos passam, percebemos as coisas de maneiras diversas, quase sempre, se tivermos sorte, veremos a vida por novos e outros ângulos; e o que descobrimos é que na vida nada é simples. Uma das coisas que sempre me acompanhou ao longo desses anos, é a “síndrome do buraco”, sempre pensei nisso.

A síndrome do buraco consiste em tornar tudo na vida alguma coisa que você não pode mudar. A síndrome me apareceu pela primeira vez, quando decidi que ia fazer a grande e maior mudança em minha vida até aquele momento. Iria sair da minha cidade (o que não era fácil nem simples naquela época, pra uma pessoa como eu, onde eu morava).

Você deve ter percebido que é muito comum, quando você expressa a alguém uma ideia ou iniciativa importante que deseja tomar; abrir um negócio, morar em outra cidade, fazer uma faculdade diferente, que rapidamente aparecem pessoas, geralmente muito próximas, desestimulando você, lhe dizendo como a ideia ou atitude que quer tomar é esdrúxula, estranha, e mais, que você jamais vai consegui; “isso não é pra você”, “isso é muito difícil”, “isso não é pra gente como nós”, “aqui é muito melhor”, “você não tem competência pra isso”, e por ai vai.

Esse coro de vozes e falas, de pessoas que às vezes nos amam, expressa a força da síndrome do buraco. Imaginemos a vida como um buraco, num sentido não de alguma coisa necessariamente ruim, mas que simplesmente é o que todos são e fazem desde sempre e, que se espera você também seja e faça. Quando alguém do grupo resolve fazer algo diferente ou, em outro lugar ou, de maneira diversa daquilo que costumeiramente se faz, o que se desperta no grupo é uma terrível sensação de mudança, e mudanças assustam.

Quando alguém resolve ser ou fazer diferente, ele desperta temor em todos os outros. Ainda com a ideia do buraco, é como se alguém resolvesse sair do buraco enquanto todos estão acostumados com ele. É como se alguém resolvesse dar uma olhada no descampado fora do buraco, saber o quanto de mundo e vida há pra além daquilo que se vive dentro do espaço protegido, conhecido e previsível do buraco. “Alguém não quer alguma coisa que todos achamos que está bom”.

Pra aqueles que se sentem bem como estão, ou que pensam estar bem, alguém querendo mudar é terrível. Quando alguém resolve fazer isso, “sair do buraco, conhecer novos mundos possíveis”, ele desperta em todos os outros o incômodo de terem que lidar com suas próprias escolhas, passadas e presentes. “Se alguém quer sair, mudar é por que esse outro lugar, ou condição, pode ser melhor que aqui”, pensam muitas pessoas, pior, sofrem ao pensar sobre isso.

E mais, inúmeros são aqueles que um dia quiseram sair do buraco, conhecer outros lugares, tempos e pessoas, mas que por razões diversas não saíram. Às vezes, os que mais lutam pra que desistamos da ideia de sair, aventurar-se em novas direções e rumos, são esses que um dia quiseram sair, e, não o fizeram. Alguém que queira ir a novas direções, desperta nos que ficaram, ou não mudaram, a pergunta que nunca cala, “será que se eu tivesse ido, tentado, saído, teria conseguido?” Quando alguém resolve fazer algo que um dia quisemos, mas não fizemos, seja por que razão for, sempre nos veremos com essas perguntas, “e se eu tivesse…”.

“Se ele sair, ou mudar e, conseguir, é por que eu também poderia ter conseguido”. É muito difícil lidar com uma vida que você poderia ter tido, e não tem, caso tivesse feito, tentado aquilo que agora você vê alguém fazendo, tentando.

O buraco pode ser a Caverna de Platão, a zona de conforto dos teóricos da administração, mas o fato é que a vida é a escolha a respeito disso, “o que eu farei? Faço como todos os outros ou, me aventuro em novas direções?”.

Eu me aventurei.

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