A moral da vida adulta ocidental cotidiana nos fala (e exige) diversas fidelidades. Precisamos ser fiéis no relacionamento afetivo, fiéis aos amigos, fiéis à firma onde trabalhamos, fiéis a princípios éticos, fiéis a uma instituição religiosa, ou acadêmica, fiéis a uma determinada marca, a uma determinada disciplina, a um partido político… Quantas e quantas fidelidades. De forma alguma o presente texto quer dizer que estas sejam erradas, mas apontar que existe uma postura que não é nem um pouco proclamada ou exigida por aí: fidelidade a si mesmo.

Fidelidade a si mesmo é uma postura que muitas vezes exige sensibilidade e coragem. Significa, em suma, perceber nos pensamentos em relação às sensações (e vice versa) qual a minha necessidade ou anseio a cada momento e dar um direcionamento, na vida prática, para isso. Parece simples. Entretanto, o que de fato poderia ser simples, ao longo de uma existência que exige tantas outras fidelidades, deixa de ser tão próximo assim. Deixamos muitas vezes de estar próximos de nós mesmos.

Por exemplo, o que normalmente ocorre quando uma pessoa adoece? Ela fica com menos energia para a realização de coisas cotidianas, perde a fome, fica mais reclusa mesmo. Mas, olha que interessante: mesmo sem sentir vontade de comer, muita gente busca manter os horários para a alimentação, para não se sentirem fracas. O corpo sente menos fome justamente porque pede para não dar alimento para ele. O organismo precisa ativar suas funções de desintoxicação e auxiliar assim os anticorpos no combate à doença, mas para isso ele não pode estar digerindo. Ele não envia sinais cerebrais pedindo alimento. E isso é ignorado, porque sempre nos foi dito que “saco vazio não para em pé”.

Outro exemplo ocorre também em relacionamentos afetivos. Às vezes um determinado namoro já há algum tempo não mais proporciona alegria, ao contrário, proporciona tristezas e dor de cabeça, a pelo menos um do casal. E essa pessoa muitas vezes, por não ser fiel a si mesma, não detecta o problema e vai arrastando aquela situação. Ou, se percebe e busca expor isso, mas o parceiro ignora ou nada acontece, deixa de tomar atitudes que venham a atender a essa necessidade íntima de paz – que no caso, seria provavelmente terminar o relacionamento. A pessoa prefere ser fiel a um princípio ou a um sonho do que a si mesma.

Como dito anteriormente, ser fiel a si mesmo exige sensibilidade e coragem.

Sensibilidade porque é necessário perceber. Afinal, o que sinto diante de uma determinada ideia ou de um determinado contexto? Me sinto entusiasmado? Desanimado? Indiferente? Inspirado? Para onde meus sentimentos apontam? Quando penso em uma determinada ideia, o que sinto? Quando me dizem um determinado conselho, o que sinto? Enfim, é justamente entender que muitas vezes as respostas para o direcionamento para as escolhas da vida estão mais evidentes do que parece.

Coragem também se faz muito necessária. A partir do que senti, preciso agora tomar as atitudes na vida prática. Preciso enfrentar muitas vezes o mundo de conceitos, de certos e errados que existem em mim. Esse destemor muitas vezes também implica em não ser compreendido pelas pessoas a quem mais amamos, ou quer dizer correr riscos diversos, como por exemplo de ser caluniado, rejeitado, e outros diversos. É desbravar uma existência que pode ser inteiramente nova a cada dia, com novos anseios e novos planos.

Ser fiel a si mesmo é uma honra e um desafio que não somos estimulados a buscar. Entretanto, cada vez mais questões de saúde aparecem, tais como doenças orgânicas e dificuldades psíquicas, que levam as pessoas às clínicas psicológicas ou a buscar distrações diversas, a fim de fugir desse conflito cujo palco é o próprio corpo, as próprias sensações.

Talvez seja de grande valor olhar com um pouco mais de cuidado para os sinais que a existência nos manda.

E você, querido leitor(a), o que sente após ler essas palavras?

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Psicólogo, reside no Rio de Janeiro e é colunista do site Fãs da Psicanálise.

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