Um dia desses, acordei, num dia de folga, ao som de uma pancadaria. O apartamento ao lado do meu estava em reforma. Justamente no dia em que eu desativei o despertador e que tinha dado carta branca ao meu organismo para despertar na hora em que ele bem decidisse.
Em meio àquela pancadaria, algo me chamou a atenção: apesar de incomodada, minha irritação foi rapidamente sublimada. Me lembrei que no ano passado eu reformei o meu apartamento e que, consequentemente, incomodei muito os meus vizinhos também. Em seguida, vesti uma malha, calcei os tênis e fui fazer uma caminhada num parque.
Contudo, enquanto caminhava, fiquei analisando o meu próprio sentimento diante daquela situação. Não sou nenhuma Madre Tereza de Calcutá, o normal era que eu ficasse extremamente mal humorada pela forma como fui acordada. Não demorou muito e ficou tudo claro para mim. Na verdade, me dei conta de que aquela pancadaria não estragou o meu dia porque eu estava em paz comigo.
Com minha alma transbordando de gratidão, diante de tanta coisa boa acontecendo em minha vida, o barulho de uma furadeira no concreto tornou-se um “café pequeno”. Aquela pancadaria não ecoou aqui dentro de mim. Aquilo não perturbou a minha paz, não me fez perder as estribeiras. Foi como se eu tivesse com uma proteção acústica interna. Me dei conta de que, quando estamos bem, ficamos mais tolerantes com o outro. Podemos levar uma fechada no trânsito, por exemplo, que, ao invés de esbravejarmos, optamos por agradecer por não ter acontecido o pior.
Não tem outra explicação, está tudo bem claro. Não há dia nublado que entristeça quem está bem. Se a alma está em ordem, tudo fica mais fácil de administrar. Se estamos iluminados por dentro, nenhuma escuridão nos assombra. A gente acaba achando um jeitinho para tudo e, com um sorriso na boca, dentro do possível.
Quando você encontrar uma pessoa cuja irritabilidade soa desproporcional ao ocorrido, tenha a certeza de que ela está vivendo um caos interno. Ela apenas aproveitou aquela situação para extravasar um pouco a tormenta que vivencia na alma. Pessoas feridas, ferem. Pessoas curadas, curam. Quando uma pessoa ferida tromba com uma inteira, pode ocorrer algo maravilhoso. A primeira, se for acolhida pela segunda, será desmontada, no sentido de retirar a máscara do ódio e mostrar a realidade: uma alma que sangra. É que, pessoas assim, no geral, só desejam que alguém as olhe nos olhos ou que as escute e diga-lhes: “puxa vida, eu te entendo, isso não é fácil mesmo”.
Em contrapartida, se uma pessoa machucada se depara com outra, também machucada, a situação tende a se agravar. Haverá, nesse caso, uma disputa de quem é mais rude e de quem machuca mais. Será uma verdadeira arena de lutas, da qual, ambas sairão mais machucadas que antes.
Por fim, fica claro, a nossa reação diante das circunstâncias apenas revela o que trazemos na bagagem da alma.
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