Não existe otimismo sem pessimismo, autoestima sem a estima do outro, atividade sem repouso. Estamos sempre na tensão entre os opostos, e é desta tensão que existe a possibilidade do nascimento de uma nova atitude.
A busca pela longevidade não é algo novo. Na história, tanto ocidental quanto oriental, sempre existiram elementos míticos que nossos antepassados acreditavam prolongar a vida: “A ambrosia, ou manjar dos deuses, na Grécia, que dava a imortalidade ao mortal que a comesse; o elixir da longevidade, que era a meta da alquimia chinesa; ou, ainda, a fonte da juventude, um mito encontrado em várias culturas”, exemplifica Lilian Wurzba, especialista em Psicologia Analítica, Mestra e Doutora em Ciências da Religião. De acordo com ela, o homem sempre procurou uma maneira de prolongar sua vida. O que assistimos hoje é uma concretização disso. “Se a expectativa de vida era de 30 anos no Império Romano, com todo o desenvolvimento científico alcançado no século XX, passamos a viver em média, 73 anos. Assim, houve um deslocamento do segmento sênior (pessoas com mais de 50 anos), para uma vida mais longa, o que significa uma enorme conquista.
Para melhor elucidar esse tema, Lilian Wurzba, que é professora do Instituto Junguiano de Ensino e Pesquisa (IJEP) e pesquisadora do NEMES (Núcleo de Estudos em Mística e Santidade) da PUC-SP, faz uma reflexão sobre o tema maturidade. “Sem dúvida, o desenvolvimento técnico-científico e, consequentemente, o avanço da medicina, têm proporcionado um aumento de saúde, o que permite uma maior atividade física e social aos indivíduos, independentemente de sua idade. A questão está no conceito de capacidade funcional. Confunde- se autonomia com eficiência e utilidade. Ser producente e eficaz são ideais que nos ajudam a consolidar nossa existência física – tarefa da primeira metade da vida -, mas não nos guiam no desenvolvimento da consciência, algo que devia ser prioridade na segunda metade da vida.
É importante focarmos na busca por nossa própria felicidade. Irmos atrás das coisas que nos dão prazer e nos trazem satisfação. Cultivarmos o otimismo, a autoestima e a independência: essa é a chave para reinventarmos nossa vida e conquistarmos a plenitude a cada nova fase de nossa existência.
O que observo é que, cada vez mais, a exigência social em se manter jovem tem levado os indivíduos a se identificarem com os valores da juventude, acarretando prejuízos à alma. Quantos exemplos conhecemos de pessoas bem-sucedidas que apresentam uma depressão ‘inexplicável ou que se tornam alcoolistas bem no auge do sucesso?” questiona Lilian, citando Carl Gustav Jung para explicar que os distúrbios psicológicos que acontecem nessa fase da vida relacionam-se ao fato de se querer estender a psicologia da juventude para a denominada fase do discerni- mento. “Creio que não deveríamos perder de vista a sabedoria milenar de Qohelet (também conhecido como Eclesiastes, texto bíblico cuja preocupação central é a vida do ser humano sobre diversos aspectos): Para tudo seu momento, e tempo para todo evento sob o céu”.
Sem crise da meia idade
A idade não é um problema, e sim o curso natural da vida. Mas, como é natural ao ser humano sentir-se ameaçado diante do desconheci- do, muitas vezes tentamos parar os ponteiros do relógio. Porém, só o que conseguimos com isso é atrasar nossa vida, pois o tempo continuará correndo apesar da nossa resistência. “Você não diz que é um problema quando o sol, depois de alcançar o zênite ao meio-dia, começa a declinar em direção ao poente. Ele apenas está cumprindo o seu percurso. As- sim é a vida humana. O problema aparece quando se quer manter o sol com o mesmo brilho e calor da manhã, quando não se aceita que os valores e ideais cultivados durante a manhã já não cabem mais, e não se sabe quais serão aqueles da tarde”, define metaforicamente, explicando que não podemos nos retirar do processo da vida, agarrando-nos às lembranças do passado, em vez de vivermos o presente. Isso nem sempre é fácil, mesmo para uma profissional acostumada a lidar com os dilemas da mente todos os dias: “Como humana que sou, também passo pelos momentos de crise, mas procuro tirar deles o melhor proveito. Às vezes consigo mais, outras menos. Também sou acometida por aqueles questionamentos básicos: qual o sentido da minha vida? O que tenho que realizar na minha vida? Qual o significado dos meus problemas? Mas, com a idade, também aumenta nossa capacidade de compreensão das coisas. Assim, tento, na medida do possível, seguir meu curso”, comenta Lilian, que afirma buscar na arte outras formas de entendimento da vida: “Gosto de visitar museus, onde posso apreciar a forma como foram entendidas, pelos artistas, as diferentes épocas da história. Na literatura, além de Carl Jung e todos que lhe serviram de base, como Goethe, Edward Von Hartman e Mestre Eckhart, por exemplo, também gosto de filosofia e dos clássicos, como Dostoiévski, John Milton, Kafka, Shakespeare, Fernando Pessoa e Carlos Drummond de Andrade, entre outros”.
Marcando presença no mundo virtual
É cada vez maior a inserção do público sênior nas redes sociais. Orkut, Facebook e Twitter há muito deixaram de ser palavras exclusivas do vocabulário dos jovens. Mas até que ponto as relações virtuais podem trazer benefícios ou prejuízos? “De forma geral, poderíamos dizer que, se de um lado o relacionamento virtual facilita a expressão, já que para muitas pessoas escrever é bem mais fácil do que falar durante um contato real, por outro, desliga a pessoa da realidade, fomentando cada vez mais as fantasias e diminuindo a capacidade de comprometimento do indivíduo. É o que vemos hoje: os relacionamentos são descartáveis ou, para falar uma linguagem virtual, são deletáveis”, alerta Lilian. Porém, como tudo na vida, sabendo-se usar com sabedoria, as redes sociais são uma valiosa ferramenta de inclusão social, à medida que nos possibilitam encontrar outros indivíduos com gostos, ideias e visões de mundo semelhantes às nossas. Fazer novas amizades nesta etapa da vida pode ser muito importante, pois abre portas para o mundo exterior, nos coloca em contato com pessoas que jamais conheceríamos sem o intermédio do computador, além de nos manter atualizados com todas as novidades do mundo: da ciência às artes, dos eventos políticos que podem mudar a humanidade aos eventos sociais que podem mudar a nossa vida. Portanto, não deixe de estar conectado, apenas tome cuidado para que sua vida não torne-se mais virtual que real.
Vaidade, sexo e beleza
Atualmente, o novo nicho da indústria cosmética vem sendo a reconquista da vaidade dos indivíduos mais maduros. Será que finalmente estamos deixando de considerar juventude como sinônimo de beleza? E como entender as características da vaidade nessa faixa etária? Para responder a essas questões, Lilian Wurzba chama nossa atenção para o significado original da palavra vaidade. Do latim vanitas, vanitatis, refere-se à qualidade do que é vão, instável, efêmero, sem sentido, ilusório. “Se utilizarmos a cosmetologia numa tentativa de adequação a um padrão de beleza estabelecido pela sociedade, estaremos nos iludindo, como se usássemos uma máscara para ocultar quem realmente somos. Ou, como diz o Grande Hípias, no diálogo platônico, o belo é o que parece belo. Ou seja, há uma identificação da aparência com o ser. Todavia, se aproveitarmos os recursos da cosmética para realçar o que nos é próprio, aí sim estaremos valorizando o que realmente somos. Nesse senti- do, o cuidado com o corpo pode ser realmente útil para que cada pessoa possa desfrutar da vida sendo o que é em si mesma”.? Outra questão que está sempre erroneamente relacionada à beleza e à juventude é o sexo. Sexualidade na maturidade ainda é um tabu para algumas pessoas, pois o sexo está fortemente vinculado à beleza em nossa sociedade. “A sexualidade tem papel fundamental para o nosso lado emocional. Se conseguirmos entender que seu significado não se reduz ao pessoal e à função biológica, mas vai além, incluindo também o lado espiritual, isto é, que para além de uma pura satisfação da impulsividade instintiva, a sexualidade tem um significado simbólico, compreende- remos o quanto ela é importante na maturidade.
(Autora: Lilian Wurzba. Graduada em Psicologia, especialista em Psicologia Analítica, Mestra e Doutora em Ciências da Religião pela PUC-SP)
(Fonte: Artigo publicado na revista Sempre Jovem, Ano I, n. 1, Editora Kanova, p 14-17)
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