Obediência é sinal de abandono de relacionamento.
Você pode acreditar que o outro lado finalmente se rendeu, deu o braço a torcer, aceitou mudar seus defeitos e que agora ambos viverão em harmonia o resto dos dias.
Você pode elogiar a transformação completa do temperamento de sua companhia aos amigos e familiares:
– Está tão manso, nem discutimos mais, aceita qualquer coisa que eu diga, sem oposição, sem pegar no pé.
Mas é uma ilusão, uma miragem comportamental. É exatamente o oposto. Entenderá, então, que fingir o orgasmo nada é perto da desfaçatez de quem é capaz de simular um bom-dia.
Se o marido ou a mulher passa a concordar com tudo, nem perde tempo defendendo a sua opinião, é que já pulou para fora do casamento, preparou as malas, dividiu os bens, avisou a vizinhança do desastre conjugal.
A paz é desistência. A suspensão das discussões demarca o fim do fôlego, jamais o fim das diferenças.
Quem ama nunca termina de se entender e de produzir debates acalorados para ver quem tem razão.
Quando o par suspende sua implicância cotidiana, cessa as crises de insegurança, se deixa o outro absolutamente livre e solto para sair e voltar na hora que quiser, longe do charme da preocupação, por mais que pareça maturidade, é que acabou o amor.
Discernimento demais representa desinteresse.
O disposto a terminar parece que está feliz, mas só pretende se livrar da conversa chata o quanto antes, mesmo que tenha que mentir e contrariar suas convicções.
Não está mais encarnado ali naquela aliança. Começou a economizar sua disposição para futuros romances, não gastará energia à toa numa convivência fracassada. Virou uma ovelha de propósito, com a ambição de engrossar a lã, esperar a poda e aquecer novos corpos.
A submissão matrimonial sempre esconde o golpe de estado, a virada de mesa, a vingança. O sim e o ok compulsivos são disfarces.
O marido, agora bajulador, ou a mulher, estranhamente calada, cansou de apostar na vida de casal. A ruptura acontecerá dentro de poucos meses. A despedida vive seu permanente ensaio: dormir é planejar como se despedir e o que escrever no bilhete.
Desconfie das respostas excessivamente bondosas. Talvez represente o ocaso da paciência e da esperança de uma das partes. Alguém mudou de alma e mantém o endereço por mera formalidade.
(Autor: Fabrício Carpinejar, tem prosa absolutamente desconcertante e confessional.
Poeta, cronista, jornalista e professor, 41 anos, é autor de 26 livros)
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