No meio das quase verdades em que vivemos, aprendemos algumas mentiras gentis. É exatamente isso! Nossa convivência pode até não ser lá muito amistosa, mas ao nosso redor, tomando parte do nosso dia, do nosso destino, estão algumas mentiras aprendidas no passado. Essas provisórias verdades mentirosas, que tecem nossa relação sentimental com o mundo, são ditaduras que amordaçam e silenciam nossa vontade de fazer uma greve.
Da série “quase verdade” aprendemos que sorrir é o melhor remédio, mas sinceramente, em algumas situações, chorar e espernear tem tudo a ver. Na mesma sequência, aprendemos que bom humor extermina qualquer resquício de problemas, mas não disseram que ele às vezes faz onda com nossa cara, e os problemas continuam lá.
Aprendemos que o tempo é nosso companheiro. Ele é, mas falha quando permite que as rugas, o cansaço e o comprometimento da mobilidade ataquem nossa euforia de viver. Ele erra quando passa, deixando para trás exatamente o que queríamos viver para sempre. O tempo deveria ter um mecanismo para congelar as cenas mais significativas da nossa vida. Então o tempo é companheiro, mas apressa o passo quando pedimos e até suplicamos que ele espere o amor chegar. Ele nunca atende.
De um jeito dissimulado, a paciência engrossa a lista das mais belas mentiras que aprendemos. É preciso esperar. Haverá um final feliz, escrito de um jeito bem bonito. A vida é boa. Sim, ela é boa, mas é sacana. Não perdoa. E esperar que as coisas aconteçam pode fazer com que o pão cresça mais do que a medida ideal. Esperar. Ter paciência é negar a coragem que precisamos ter para correr atrás. Não descansar enquanto as coisas não resolverem nos favorecer.
Da mesma série, aprendemos que o sofrimento purifica e amadurece a alma. Esse pretexto para amenizar as dores ainda não me convenceu. E esse conceito ambíguo me deixa enxergar que, dependendo do nosso olhar, as situações doloridas podem assumir o papel de aprendiz, mas também podem causar um estrago sem retorno. Endurecer a alma e repudiar a fé no invisível.
Também aprendemos que a gente só ama uma vez. Então, caro conceito, esclareço que você apareceu com um defeito por supressão de palavras. Eu já amei para sempre algumas tantas vezes e conheço uma lista interminável de pessoas que também experimentaram isso, e cá pra nós, todos os amores eram únicos até que um vendaval ou um sopro leve os separou. E surgiu um próximo, e a história se renovou até o seguinte adeus, com ou sem vontade.
Ouvimos e aprendemos tantas mentiras que por muito pouco elas não se tornam nossas verdades mais mentirosas. Aprendemos que o amor é para sempre, mas quando nos deparamos com o amor, ele dura uma fração de segundo.
E vem a saudade, e a gente aprende que ela é boa. Saudade é má pra porra porque ela faz a gente voltar a um passado. Aprendemos que tolerância, equilíbrio, arrumam o nosso desalinho interior. Confesso que às vezes arrumam, outras vezes conseguem nos deixar mais tontos. Nesse caso, tenho dúvidas da sanidade e acho que os dias mais tranquilos ficam mesmo por conta de atos felizes que acontecem até sem a nossa vontade.
Essas safras de metas que são quase verdadeiras só servem mesmo para conservar na memória e guardar como receitinha para ludibriar nossas dores.
A gente mente a dor que não dói. Mente o amor que não sente falta. Mente o equilíbrio que não tem. Mente a vontade de falar um palavrão. Mente contando história de que tudo vai passar. A bondade que não temos. A mágoa que ainda existe. Não há quem escape das mentiras que aprendemos para viver. Mente o feio. Mente o bonito. Mente o mais ou menos. O quase, quem sabe, talvez. A verdade tirou folga. Está de férias ou foi demitida.
(Autora: Ita Portugal)