Comportamento

Quando uma selfie não termina bem

Na semana passada, um turista japonês de 66 anos e um de seus colegas de viagem rolaram escadaria abaixo no monumento indiano Taj Mahal. Um deles veio a falecer, enquanto o outro sofreu ferimentos na perna.

Até aqui, nada de muito incomum, correto? Uma notícia de um acidente cotidiano.

Entretanto, algo não vai parecer muito sensato, se soubermos que o final trágico ocorreu por que eles tentavam, na verdade, achar um melhor ângulo para tirar uma “selfie”. (1)

Em Moscou, citando apenas outro exemplo, uma mulher de 21 anos ficou entre a vida e a morte ao disparar uma arma de maneira acidental, enquanto se preparava para uma “selfie” mais “ousada”.

No mesmo país, registrou-se também o caso de um grupo de jovens que foi eletrocutado ao encostar em fios de alta tensão quando se alinhavam para tirar uma “selfie” sobre os trens. (2)

Achou pouco? Calma, tem mais.

Na Espanha, um homem de 32 anos estava participando do festival anual de corrida de touros na cidade de Villaseca de la Sagra e, na tentativa de tirar uma “selfie” junto a um dos animais, foi chifrado mortalmente. (3)

Nos Estados Unidos, o Parque Colorado está enfrentando problemas de segurança dos visitantes, pois, na tentativa de registrar uma boa “selfie”, a distância mínima de segurança dos ursos não está sendo observada. Para evitar problemas, o parque decidiu fechar as portas. (4)

No parque nacional de Yellowstone uma mulher se aproximou tanto de um bisão, na tentativa de uma “ótima” selfie, que acabou sendo atacada. A coisa está tão séria que o Serviço Florestal dos EUA está emitindo “avisos”. (5,6)

Outro registro: uma romena, fã de selfies, morreu após ser eletrocutada ao tentar fazer um autorretrato no alto de uma estação de trem na cidade de Iasi, nordeste da Romênia. (7)

Veja que os exemplos não param.

Para se pensar

Os autorretratos digitais, uma nova forma de expressão social, além de marcar um momento ou registrar um acontecimento, sabe-se que são uma das forças motrizes mais significativas por trás do comportamento atual de autopromoção.

O fenômeno cultural da “selfie” expõe assim um desejo humano de se sentir notado, apreciado e, principalmente, reconhecido.

Em uma época em que as imagens podem ser compartilhadas de maneira quase que infinita, a imagem que hoje é postada pode ser aperfeiçoada em uma riqueza ilimitada de detalhes, constituindo aquilo que se denomina de “exuberância do momento”.

Veja só: dados apresentados pela Samsung, por exemplo, demonstram que essa tendência é tão expressiva que 36% dos instantâneos tecnológicos não são publicados da forma que foram tirados, mas que, na verdade, são retocados pelos seus donos antes de seguirem para seu destino final (redes sociais, como Facebook, 48%, Whatsapp, 27% etc).

É como se cada um, atualmente – celebridade ou não, não importa -, pudesse assegurar momentos de glamour e de singularidade pessoal no palco da sua e na vida dos outros.

Em um artigo da Revista “Psychology Today”, Pamela Rutledge, diretora de Psicologia e Mídia do Centro de Investigação em Boston (Massachusetts), afirmou que: “as ‘selfies’ muito frequentemente têm o poder de desencadear a busca excessiva de atenção e de dependência social, indicativas da baixa autoestima e do narcisismo pessoal”. (8)

Conclusão

É possível que as “selfies” tenham se tornado uma manifestação social que evidencia a obsessão pela aparência, somado à exibição da vida privada na forma de reality-shows-pessoais, arquitetando, como resultado final, um senso autoinflado que permite às pessoas acreditarem que seus amigos ou seguidores estariam, de fato, interessados em vê-los vivendo seu cotidiano (o que comem, o que vestem, onde vão etc).

Esse comportamento poderia ser interpretado, na verdade, como se as pessoas estivessem de frente a um espelho, olhando-se o dia todo, e o pior: deixando que os outros os vejam fazer isso, sem qualquer senso de constrangimento, vergonha ou intimidação pessoal, o que é bem pior.

Quando capturar algo que na câmera tem a prioridade sobre o que acontece à nossa volta, isso pode ser indicativo de um problema real. Ficar conectados com as imagens, mas desconectados de nós mesmos, nos cria um verdadeiro dilema: como eu posso esperar que os outros prestem atenção a mim se nem eu mesmo consigo descrever o que está ocorrendo comigo?

Documentar a experiência não pode, jamais, ser mais importante do que vivê-la (ainda mais quando estamos colocando nossa integridade física em risco), certo?

Fique atento! Evite assim que sua “selfie” não termine bem.

Referências

(1) http://www.bbc.com/news/world-asia-india-34287655

(2) http://www.redetv.uol.com.br/jornalismo/da-para-acreditar/jovens-sao-eletrocutadas-ao-tentar-fazem-selfie-em-cima-de-trem-na-russia

(3) http://edition.cnn.com/2014/07/14/travel/spain-pamplona-selfie/

(4) http://mashable.com/2015/09/15/colorado-park-bear-selfies/#LnH3Pu.AmEqw

(5)    http://mashable.com/2015/07/22/bison-selfie-yellowstone/#J6yoDhCvMqqL

(6)    http://mashable.com/2014/10/27/bear-selfies/#mIzP3UgS28qW

(7)    http://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2015/05/romena-morre-eletrocutada-ao-tentar-selfie-no-topo-de-estacao-de-trem.html

(8)     https://www.psychologytoday.com/blog/positively-media/201307/selfie-use-abuse-or-balance

(Fonte: https://cristianonabuco.blogosfera.uol.com.br/)

Cristiano Nabuco

psicólogo e atua em consultório particular há 32 anos. Tem Pós-Doutorado pelo Departamento de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. Atualmente trabalha junto ao PRO-AMITI do Instituto de Psiquiatria do HC/FMUSP; Coordena o Núcleo de Terapias Virtuais (SP) e o Núcleo de Psicoterapia Cognitiva de São Paulo. Foi Presidente da Federação Brasileira de Terapias Cognitivas (FBTC). Publicou 13 livros sobre Psicologia, Psiquiatria e Saúde Mental. É colunista do site Fãs da Psicanálise.

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