Cuidado ao escutar que “você é uma pessoa maravilhosa“, pois é possível que alguém esteja tentando lhe manipular.

É legal escutar alguém lhe dizer que “você é uma pessoa maravilhosa” (ou linda, especial, inteligente, sensacional ou qualquer outra coisa boa), principalmente no mundo de hoje, neste mundo onde as palavras deixaram de ser pontes que unem para virarem armas que machucam e destroem.

Num mundo tão cruel e falso, onde quase nunca se lembra de dizer ao outro o quanto ele é bom e o quanto ele é querido/amado, onde se critica muito e se aceita pouco, é claro que todos gostam de ouvir qualquer forma de elogio, qualquer demonstração de admiração e afeto, qualquer coisa positiva que venha dos outros.

Só que aí vêm os espertinhos, os manipuladores, os fingidos, os gatos que se vendem como lebres, gente que só quer uma coisa: atingir os próprios objetivos, sem medir esforços para isso. São consumidores mores, que consomem de tudo mesmo, consomem produtos, projetos, tempo, gente, alma… Só algo importa para eles, só conta o que eles querem conquistar.

Eles chegam, querem algo de nós e sabem muito bem quais são os botões que eles têm que apertar para conseguir. E uma forma muito comum é começar um diálogo elogiando o outro para que ele amoleça e não possa se negar a fazer o que o manipulador espera dele. Se você diz para uma pessoa, por exemplo, que “ela é muito simpática”, essa pessoa provavelmente fará de tudo para não ser antipática com você (pelo menos é isso que acredita o manipulador, tendo, infelizmente, razão em muitos casos).

Por sorte, pessoas manipuladoras têm um ponto fraco que termina por desmascará-las: elas são, normalmente, narcisistas, vaidosas, egocêntricas, acham que o mundo gira em torno delas, se veem como mais espertas/inteligentes que os outros e, assim, subestimam outras pessoas, repetindo sempre o ato manipulativo, por acharem que ninguém irá perceber, já que se acham extremamente geniais na manipulação e os outros não seriam suficientemente inteligentes para perceber seu jogo.

E essas pessoas já estão normalmente tão dentro de suas estratégias de manipulação que nem sequer percebem quando o outro começa a entender suas reais intenções.

Nem sempre é fácil reconhecer elogios manipulativos, mesmo porque pessoas que manipulam, em geral, têm boas antenas e percebem muito bem o é que a pessoa quer ouvir e qual o melhor adjetivo que se encaixa no momento.

Dependendo de nossas carências e de nossa fragilidade, nós mesmos queremos acreditar no que diz o manipulador, pois, em certos momentos da vida, qualquer palavra de carinho nos traz conforto, mesmo quando o carinho recebido não seja verdadeiro, mesmo que mais tarde o conforto sentido se transformará numa grande decepção.

É preciso ter cuidado também para não ficar desconfiado demais e terminar rejeitando qualquer elogio ou demonstração de afeto verdadeira, achando que é manipulação. Como sempre, o caminho aqui é o do meio, ficando atento, mas sem se deixar tomar por uma desconfiança generalizada.

Como reconhecer um elogio manipulativo

Sim, elogios manipulativos não são sempre fáceis de serem reconhecidos, mas há alguns sinais que podem lhe ajudar a se proteger contra eles:

O elogio manipulativo é repetitivo
Se o manipulador elogia uma pessoa e a coisa funciona, se ele consegue no final o que queria, pode ter certeza que ele voltará sempre de novo com o mesmo elogio (que para ele é válido enquanto funcionar). Seja então cauteloso quando alguém ficar repetindo, toda vez que entra em contato com você, que você é maravilhoso, inteligente, bonito, etc.

O elogio manipulativo é seguido de um pedido de alguma coisa
Se uma pessoa manipuladora chegar em sua casa dizendo que você faz a melhor canja de galinha da cidade, pode ter certeza que ela tem um franco na sacola e quer que você faça a canja para ela. Ou então: “Você é uma pessoa tão prestativa! Você pode me ajudar a resolver um problema?” ou “Você é tão inteligente! Com certeza você consegue resolver isso aqui para mim!” ou “Poxa, você é uma pessoa tão legal! Não sei o que faria sem você para resolver esse problema que tenho!”.

O manipulador se distrai, se perde na superfície e confunde as informações sobre você
Se você tiver uma filha, por exemplo, e o manipulador souber disso, ele provavelmente lhe perguntará como vai sua filha, antes de lhe pedir alguma coisa, já que todo pai/mãe gosta de quem mostra interesse por sua cria. O problema é que, quando uma pessoa manipuladora se informa sobre outra pessoa, ela não tem a pessoa realmente em foco, mas sim somente seu objetivo, seja ele qual for. Como ela se informa/pergunta sem realmente se interessar pela pessoa, ela não registra as informações com atenção e a devida profundidade.

É muito comum então que, num ato manipulativo, o manipulador lhe pergunte então como está seu filho (e não sua filha – ou seu pai e não sua mãe; ou seu gato e não seu cachorro, etc.). A pessoa manipuladora registra a informação básica (necessária para o que ela quer alcançar), por exemplo, que você é pai/mãe ou que tem um animal de estimação. Se é filho ou filha ou gato ou cachorro, isso ela muitas vezes não sabe, já que precisaria para tal mostrar real interesse pela pessoa em questão e se ocupar com ela, o que, porém, não ocorre, pois o manipulador só se interessa por si mesmo e pelo que quer alcançar.

Depois de elogiar e pedir o que quer, o manipulador costuma frisar que “Você não precisa fazer, faça só se quiser, posso lhe pagar por isso…”

Esse é um truque barato! Ele não diz o que realmente quer, que quer que você faça alguma coisa para ele, de preferência logo (manipuladores, por serem egocêntricos, são muitas vezes impacientes e querem as coisas de imediato!) e de graça.

É que eles temem uma coisa: ficar lhe devendo algum favor e o que quer que seja, pois quem deve teria que pagar de volta um dia. Assim, ela tenta usar você e sua boa vontade e, ao mesmo tempo, se isentar de qualquer responsabilidade pela coisa. Então ele diz:

“Faça só se quiser/se der!”, pois, se você fez, então fez porque quis e a “culpa”/responsabilidade é sua e não pode então ser cobrada de quem pediu.

“Posso lhe pagar por isso!” -> se pago, já retribuo e não posso ser cobrado mais tarde. Assim pensa o manipulador. O pior é que ele normalmente nem tem real intenção de pagar nada ou só quer pagar muito pouco. Pare e pense: se ele estivesse realmente disposto a pagar um preço justo, ele procuraria logo um profissional da respectiva área!

Aqui o manipulador não quer pagar/retribuir nada, diz isso somente para descarregar sua consciência e isentar-se de qualquer responsabilidade. Veja só: ele lhe elogia e ganha sua simpatia.

Ele lhe pede então algo e você fica sem graça de dizer não para esse seu “fã”. Ele oferece então pagar e você, ainda se sentindo inflado e cheio de gosto por causa do elogio, não aceita esse pagamento. Agora repare: se você mais tarde perceber a farsa e acusar o manipulador de ter lhe usado, sabe o que ele vai dizer? Que quis lhe pagar e você não aceitou, que você fez de graça porque quis.

O manipulador gosta de falar mal de alguém, comparando esse alguém com você, mostrando o quanto ele é ruim e você é bom.
“Ah, você é tão simpático! Ainda bem que você não é chato igual a fulano!”

ou então

“As pessoas andam tão chatas. Que bom que você não é assim!”.

O manipulador para de elogiar assim que você deixa de fazer o que ele espera

Quer tirar a prova? Quando estiver desconfiado que alguém lhe elogia somente para conseguir algo, fique na sua, deixe ele chegar e escute os elogios, agradecendo e fazendo seu jogo. Depois deixe-o contar o que quer de você e diga então claramente “Não!“.

Você verá: depois que fizer isso algumas vezes, os elogios desaparecerão e você não será mais nenhuma “pessoa maravilhosa, especial, inteligente…”. A partir do instante quando você deixar de servir para as metas do manipulador, você perceberá que o único adjetivo que você ainda receberá dele será “inútil”, já que não presta mais para seus objetivo.

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Blogueiro residente em Berlim. Apaixonado por palavras, viciado em escrever, sem luvas, tocando no assunto, porque gosta e porque precisa, sobre a vida e tudo que a toca. É colunista do site Fãs da Psicanálise.

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