Pense na chama de um palito de fósforo. Aquela pequena fração de fogo é capaz de consumir a madeira que a sustenta viva, e também de queimar qualquer parte do corpo que a ela seja exposta. Porém, nem mesmo a ferocidade do calor do fogo que extermina tudo o que toca é suficiente para eternizar algo.
A água, o ar (ou a falta dele) e tantos outros materiais ou métodos são capazes de apagar a chama e encerrar com aquilo que antes encerrava com tudo o que tocava. Não importa o tamanho, altura ou força de um fator ou uma pessoa; tudo está condicionado ao fim.
Os bens que possuímos, independentes de seu valor monetário e emocional, não irão nos acompanhar por toda a vida. Os alimentos que plantamos, os materiais que criamos, as casas que construímos, as pessoas que amamos… Tudo é constituído por pequenas frações de segundo, que se eternizam em infinitos momentos da memória, mas não da história.
Passamos tanto tempo na busca por coisas que preencham nossos vazios sem perceber que a imensidão que procuramos está a poucos passos de distância, na espreita de uma abertura grande o bastante para ser percebida, e pequena o suficiente para ser digna de valor.
Ah se soubéssemos como é minúscula nossa existência e passageira nossa permanência nestes corpos mortais! Não gastaríamos nossos minutos na caça por algo mais saboroso do que o que nos acompanha.
Nada nos parece suficiente. O carro vermelho, com dois anos de uso necessita ser trocado por um modelo mais novo, em nova cor, pois a moda de carros coloridos já passou. O teto que nos cobre a cabeça todas as noites e que impede a chuva de entrar poderia ser tão maior, e mais claro, com janelas abertas frente o mar e um cachorro de pelos macios.
Se temos almoço e jantar todos os dias, logo pensamos: que bom seria ter churrasco. E para quê trabalhar de segunda à sexta? Não seria tão melhor ter aleatórias folgas no meio da semana e poder participar de uma partida de futebol ou simplesmente dormir? Repito: nada nos parece suficiente.
Porque só conseguimos perceber o quanto é bom acordar e ir para o trabalho todos os dias quando passamos semanas à espera de uma resposta positiva sobre qualquer vaga possível. Só reconhece a doçura de um gole de água quem caminha com sede abaixo do sol. Só quem dorme de barriga vazia sabe a importância de um bom almoço.
O valor de qualquer coisa só é medido de maneira justa quando aquilo nos é arrancado. Quando o caminhão que recolhe lixo passa todos os dias, não nos damos nem ao luxo de cumprimentar o trabalhador que faz o recolhimento. Mas se o caminhão deixa de passar, não hesitamos em ligar para a empresa de coletas solicitando atendimento. Como são estranhas nossas relações com o que queremos ter, o que temos, e o que um dia tivemos; a última condição parece ser sempre mais saborosa que as demais, apesar de ser desfavorável.
Precisamos ser gratos – nunca acomodados – porém, sempre gratos. Não há erro algum em lutar por um estilo de vida mais agradável e muito menos em conquistar isso. Mas faz bem à alma se alegrar com o que a cerca. Faz bem o alívio por reconhecer que está sendo feito o melhor, dentro do que lhe é possível, e que amanhã é outro dia, com outras oportunidades e começos.
Se passarmos toda a vida correndo atrás do vento nunca seremos capazes de perceber a paisagem por onde passamos. O que estou dizendo é que por vezes estipulamos metas tão altas a nós mesmos, e nos importamos tanto em alcançá-las, independente do que seja preciso para que isso aconteça, que não conseguimos perceber a beleza e solidez daquilo e também daqueles que nos acompanham todos os dias.
Talvez você precise de uma casa maior, ou talvez apenas esteja cansado daquela parede amarela descascando na sala, e não da casa toda. Talvez você já não ame mais essa pessoa, ou talvez seja preciso prestar mais atenção no que ela conta enquanto vocês estão juntos, e menos no seu celular. Talvez tudo o que você precise para ser mais feliz é pensar sobre como seria sua vida sem tudo o que faz parte dela hoje.
É preciso dar atenção aos detalhes, pois são eles que constituem um infinito de dias formado por uma imensidão de fins que acontecem a todo instante, e apesar de todo fim marcar um novo começo, alguns também marcam eternas saudades daquilo que já não poderá mais ser.
Sejamos gratos. A nós mesmos, aos que nos acompanham, ao que temos e ao que ainda teremos. A atitude mais sábia sempre será a de apreciar o pássaro enquanto ele voa baixo, pois após ganhar os céus, já não volta mais ao chão, logo, é possível ver seu rápido voo, mas não admirar sua beleza.
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