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Quando a dor da alma se torna intolerável

“Nesta vida morrer não é difícil. O difícil é a vida e seu ofício”.
(Vladimir V. Mayakovsky – poeta russo que se suicidou com um tiro em 1930)

No dia 10 de setembro, foi comemorado o Dia Mundial de Prevenção ao Suicídio. Durante todo o mês, prédios públicos estarão iluminados com a cor amarela, como forma de alerta. O movimento “Setembro Amarelo” é estimulado mundialmente pela IASP – Associação Internacional pela Prevenção do Suicídio – e tem por objetivo conscientizar a população sobre a realidade do suicídio e mostrar que existe prevenção. A ideia é discutir o assunto e divulgar ações preventivas.

O suicídio é definido como uma violência auto infligida e um ato decidido, iniciado e levado até o fim por uma pessoa com total conhecimento ou expectativa de um resultado fatal, ou seja, a morte.

Segundo o CVV (Centro de Valorização da Vida), a cada 40 segundos, uma pessoa se suicida no mundo. De acordo com a estimativa da Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de 800 mil pessoas se suicidam por ano. A OMS classifica esse fenômeno em quatro níveis: baixo (quando ocorre em menos de cinco habitantes em 100 mil); médio (de cinco a 15); alto (de 15 a 30); e muito alto (acima de 30 por 100 mil).

Contudo, segundo a OMS, em 90% dos casos, os suicídios são preveníveis por estarem associados a patologias de ordem mental diagnosticáveis e tratáveis, principalmente a depressão. Ou seja, de cada dez casos de autoextermínio, nove podem ser evitados onde houver o diagnóstico preciso dessas patologias, o devido tratamento e a assistência das redes de cuidado e atenção.

Fukumitsu nos traz duas questões importantes para serem refletidas quando estamos diante de uma pessoa com ideação suicida.
“Qual é o pedido que o comportamento suicida revela? Ou seja, qual seria a mensagem existencial que uma pessoa que tenta se matar gostaria de transmitir”?
“Qual é o desejo que a pessoa que tenta o suicídio não consegue concretizar em vida”?

Eu solicitei à Profa. Karina Fukumitsu, uma das maiores estudiosas do assunto hoje no Brasil, que me respondesse algumas perguntas pertinentes ao tema.

Por que falar sobre suicídio ainda é um tabu?
Porque o suicídio representa uma afronta para o instinto humano: a sobrevivência. Há de se lembrar que todas definições do suicídio estão diretamente vinculadas aos valores e aos fatores históricos, culturais, sociais, psicológicos de cada época.

Por que os homens se suicidam mais que as mulheres?
Porque geralmente os métodos letais que os homens utilizam são mais agressivos, por exemplo, armas de fogo e enforcamento.

Quais são os números estatísticos em relação ao suicídio no Brasil? Quais são os grupos de risco?
Segundo a OMS (2014) a estatística revela a taxa no Brasil de 5,8 por 100 mil habitantes, ou seja, mais de 12 mil pessoas se matam anualmente no Brasil.
“Entre 2002 e 2012 o crescimento da taxa de suicídio foi de 33,6%, superior ao crescimento das taxas de homicídio (2,1%), de mortalidade nos acidentes de transportes (24,5%) e do crescimento da população brasileira (11,1%) no mesmo período” (Ferreira Júnior, 2015, p. 23).

Como um familiar e/ou amigo pode identificar que uma pessoa está com intenções suicidas? O que muda no comportamento?
Toda mudança abrupta de comportamento deve ser considerada. Veja os quadros explicativos abaixo:

Como prevenir o suicídio?
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS, 2014, grifo da autora), é possível prevenir o suicídio por meio do tratamento dos transtornos psiquiátricos; redução do acesso aos métodos suicidas e adequado manejo da informação sobre o tema nos órgãos de difusão de massa.

No entanto, conforme o dicionário Houaiss (2001, p.626), prevenir significa “tomar medidas para impedir”, portanto, pode-se dizer que o suicídio pode ser prevenido, mas não evitável. Sendo assim, a entrevistada acredita que, […] a prevenção não oferece garantias de que a pessoa não tentará novamente se matar, mas a previsão, no sentido de investigar e explorar ao máximo as ideias que a pessoa tem sobre sua morte, pode ser facilitador, tanto na lida com a pessoa que comete o suicídio, quanto na compreensão do processo do enlutado por suicídio. (Fukumitsu, 2013, p.59).

O suicídio é reconhecido pela OMS como um grave problema de saúde pública. Quais são as ações tomadas para lidar com este problema? Existem políticas públicas que tratam especificamente deste problema?
Não, infelizmente ainda no Brasil não existem políticas públicas para este problema de saúde pública. Existem vários estudiosos que incentivam campanhas para prevenção do suicídio, mas é um trabalho hercúleo para se receber a devida atenção ao acolhimento do sofrimento existencial.

Existem ONGs e/ou órgãos que as pessoas possam buscar ajuda?
Não existem infelizmente ONGs, mas o maior trabalho no manejo do comportamento suicida é feito atualmente pelo CVV (141), um trabalho muito importante para a sociedade brasileira.

Segundo Fukumitsu, lidar com o fenômeno do suicídio implica aprender a lidar, entre tantos outros aspectos, com a dialética vida e morte; com o desespero humano, influenciado pela anedonia; com as imprevisibilidades da vida; com indivíduos que morreram existencialmente e que não exprimem o prazer de estarem vivos e se perderam pela falta de esperança e fé na vida.

Quando atendemos pacientes com ideação suicida, precisamos analisar o grau de sofrimento psíquico que eles estão vivenciando e isto requer uma apuração completa e complexa de todos os aspectos de sua existência. Precisamos estar disponíveis para acolher a dor do outro. Muitas vezes, este acolhimento não se dá apenas por meio de técnicas e sim pelo afeto e compaixão por aquele ser humano que está à sua frente, em completo desespero existencial.

Precisamos também pensar que, caso este paciente de fato cometa o suicídio, esta perda terá um impacto emocional e psicológico na família, nos amigos e em todos que de alguma forma mantinham uma relação pessoal com este indivíduo. Esta perda pode ser avassaladora para estas pessoas. Por isso, precisamos falar sobre este assunto que muitas vezes é ignorado, esquecido e considerado tabu em nossa sociedade.

(Título original – Suicídio:Quando a dor da alma se torna intolerável)

Nazaré Jacobucci

Psicóloga Especialista em Psicologia Hospitalar e Luto, Member of British Psychological Society. É colunista do site Fãs da Psicanálise.

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