Esperar que o amor aconteça e traga com ele sensações novas, frenesi e a resolução de todos os conflitos psíquicos é algo equivocado.
O amor não é inquietude. O amor é paz, serenidade, aconchego e segurança. Acontece que muitas pessoas esperam do amor as mesmas sensações experimentadas no início da relação amorosa, na paixão.
A inspiração em nas palavras do psiquiatra Flavio Gikovate norteiam esse meu texto. Sem dúvida compartilho da ideia de que apesar de intrinsecamente ligados, a paixão acaba quando o amor acontece.
O amor é aconchego, é estar em paz com essa outra pessoa que lhe dá bem estar. Uma amizade muito profunda, admiração intelectual e afinidades no sexo, isso é amor.
A paixão não. A paixão quando acontece tem em si dois sentimentos salutares: encantamento e medo. É um estado passageiro em que o pensamento do apaixonado é apenas o alvo da sua paixão, há uma sensação de conflito, aflição e o ser apaixonado vive tomado, o tempo todo, por essa sensação de uma eminente tragédia, dorme mal, come mal, preso à essa história como algo que rege a sua vida. A tensão de perder o ser por quem nutre essa paixão lhe faz tremer, esse é o seu medo.
Acontece que com o tempo o medo diminui, não o amor. E esse é o erro mais comum. As pessoas acham que porque não há mais esse conflito interno, essa forte emoção motivada pela paixão, o amor acaba.
Mas é aí que tem início o amor. Quando a sensação de paz, serenidade, aconchego, quando ela acontece, se está mais próximo do amor.
As pessoas que apreciam essas altas tensões, essas emoções fortes em relacionamentos, se envolvem em brigas e conflitos com o parceiro.
Na briga aparecerá a tensão do rompimento, a tristeza da perda, a dor da ruptura premente, novas emoções estão formadas. E depois há uma reconciliação e então cria-se toda a atmosfera de paixão novamente, para que cessado esse momento uma nova briga seja reinventada, para que o amor seja uma aventura emocionante.
Mas na verdade o amor não é intenso, o amor não é nada disso. O amor é um estado da alma, tranquilo, sereno, seguro. Do amor podemos esperar aconchego.
Um casal que gosta de aventuras deve se preparar para isso. A aventura não estará no relacionamento, mas sim no que fazem com o relacionamento – como diz Gikovate. Um casal aventureiro deve viajar, pular de asa delta, frequentar trilhas, ir à shows, fazer novas amizades, enfim movimentar a vida a dois.
O casal deve deixar que as aventuras, os conflitos e os desafios estejam reservados para a vida profissional de cada um. A atividade no trabalho envolve esse tipo de emoção, onde a pessoa pode vencer em um dia e perder no outro.
As relações amorosas podem ser comparadas com a tensão e a disputa que podem ocorrer nas relações de trabalho. Assim como se comparado com o início do relacionamento, com as histórias da paixão, o amor pode parecer algo tedioso, meio devagar, meio pacato, acomodado, ou “chato” – como prefere chamar Gikovate. Até porque sexualmente o entusiasmo tende a diminuir, a intimidade vai ganhando campo, não é mais necessário tanto esforço para agradar, um já conhece o corpo do outro, na medida em que a relação se estabiliza o desejo diminui, pois não há o desafio da conquista e isso deve trazer uma sensação de paz.
Essa sensação de paz não deve ser entediante, porque o amor não é chato, e sim algumas pessoas são entediantes.
Pessoas entediantes, chatas, monótonas, são aquelas que não se reciclam, que não se relacionam, não estudam, não lêem, não escutam música. São aquelas que sempre têm um repertório próprio, adoram falar da vida dos outros pois a vida própria não tem nada para ser contado. São pessoas que freqüentam sempre os mesmos lugares, ouvem as mesmas musiquinhas e, obviamente, conviver com uma pessoa que não se reiventa, que não se recicla, que não se enfrenta, acaba transformando a relação em algo chato.
Mas o amor não é chato. Ele é paz, é harmonia, num clima ótimo onde existe o poder de se reabastecer de energia. É uma relação rica do ponto de vista intelectual, também é rica do ponto de vista sexual, apesar de não ter aquela intensidade dos primeiros tempos.
O amor é, principalmente, uma relação de troca, onde os parceiros crescem e ao crescerem se tornam fortes, mais seguros e podem desenvolver melhor suas outras atividades da vida na qual se dedicam.
As pessoas devem esperar do amor aquilo que ele pode oferecer ao invés de esperar do amor aventuras mirabolantes, pois aí se decepcionam e passam a ter somente essas aventuras efêmeras, fúteis e superficiais.
Um pouco disso é culpa dos romances e das novelas, em que a tensão é curtida com o fatídico “foram felizes para sempre”. Essa paz e harmonia os filmes não mostram, as novelas desprezam. História de amor bem sucedido e feliz não dá ibope, não dá história alguma.
(Autor: Natthalia Paccola é jornalista, bacharel em Direito, mestre em Geociências e Psicanalista.
Desenvolve um trabalho intenso na psicoterapia on-line, é dela também o site, a fanpage, Instagran e Twitter Fãs da Psicanálise)
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para mim é bem complicado, tenho uma personalidade diria que inquietante, não gosto do morno, procuro sempre novos desafios, algo que eleve minha adrenalina, no casamento nos damos muito bem, nos amamos, mas essa falta de tensão, o jogo da conquista aquele beijo roubado, aquele tesão que consome, faz muita falta. Quem me dera fosse licito ter o marido e o amante, seria eternamente feliz entre o fogo e o aconchego.
Pensava que amava entretanto estava apaixonada. Gostei bastante do artigo, obrigado Dra Natthalia Paccola. Só uma pergunta, a Dra é formada em Direito entretanto é psicoterapeuta, uma pessoa que não cursou psicologia pode ser psicoterapeuta?
Oi Mariana. Sou formada em Jornalismo e Direito. Fiz duas escolas de formação em Psicanálise, 3 anos cada. Não existe uma graduação em Psicanálise; a Psicologia estuda dentro de seu curso uma matéria chamada Psicanálise. Assim o requisito para ser psicanalista é ter um curso superior. Espero ter respondido sua dúvida. Um abraço, Natthalia Paccola.
Lacan tem uma definição muito precisa do canalha: é aquele que tenta se fazer de Outro para alguém, de forma que apareça como Outro do Outro, e tente alojar aí a sua própria causa.