Terapia

Psicopatia – uma reflexão psicanalítica

Comumente se relaciona a psicopatia aos comportamentos violentos com o único objetivo, que é a maldade. São chamados psicopatas aqueles que não se relacionam com empatia na sociedade, que não são afetuosos ou não possuem sentimento de culpa. A associação entre psicopatia e violência é muito frequente, o que faz com que se acredite que o psicopata se comporte como um louco assassino.

As características dirigidas aos ditos psicopatas são: egocentrismo, manipulação, impulsividade, megalomania, não estabelecimento de vínculos, sem medo de punição, necessidade de controle, intimidação.

Essas características colocam o psicopata como uma pessoa que não possui uma vida “normal” e, portanto, deve ser considerado alguém com desvio de personalidade ou de personalidade antissocial.

A psicanálise encontra na psicopatia um grande ponto de interrogação, principalmente, quando nos tentamos a inseri-la em alguma estrutura. Pelas características sempre apresentadas sobre os psicopatas, ela facilmente encontra vias na estrutura perversa.

A psicanálise nos coloca para pensar o sujeito através de conceitos como a pulsão, o inconsciente, o complexo de Édipo, bem como, pelas fantasias, pelos mecanismos de defesa e pelo superego. Dessa forma, pensar a psicopatia pela via psicanalítica é fazer referência à perversão, que se delimita a partir da passagem do sujeito pela castração.

Na Estrutura Clínica da Perversão, temos que o sujeito desmente a castração, ou seja, apesar de conhece-la, nada quer saber. A castração, que acontece na passagem do Complexo de Édipo é o momento crucial para a criança, que depende desse momento para fazer ou não relação com a lei, com o simbólico e com o mundo.

Não podemos, dentro da teoria psicanalítica, apontar o que é considerado normal ou anormal, certo ou errado, para dizer da castração ou mesmo do Complexo de Édipo. Cada Estrutura Clínica (Neurose, Perversão ou Psicose) diz de um sujeito e de um tipo de submissão à castração.

Faça o teste: Você é um psicopata?

Assim, não podemos igualar a psicopatia a uma patologia mental. O psicopata não é doente, nem louco. Talvez o que diferencie o psicopata de qualquer outro perverso seja a maldade ou a malignidade de seus atos. O perverso não psicopata segue, pelas vias da própria perversão, certos caminhos para sua satisfação, que vão de encontro com os objetos (materiais ou comportamentais) colocados no lugar da falta (para não reconhecer e não se submeter à castração).

O perverso é aquele que encontra prazer e satisfação em modalidades muito próprias, principalmente as conhecidas pelos sufixos “filias” e “ismos”: enofilia (satisfação pelo vinho), cromofilia (atração e satisfação pelas cores), que aparentemente não tem nada de sexual, tampouco é alguma infração. Por outro lado, temos também aquelas filias que determinam um ato criminoso como pedofilia, zoofilia, necrofilia. Deve-se ficar claro que a questão do delito tem seus parâmetros na lei social e não na lei simbólica. Ou como os “ismos”: sadismo, masoquismo, fetichismo. Por outro lado, o perverso pode ter como via de prazer e satisfação a relação com o poder, com o encantamento, com o dinheiro.

Sabemos que o perverso é aquele que usa o desmentido para lidar com a castração, da mesma forma, o faz para lidar com a angústia da falta (resto da castração) e com a relação com o outro, com a lei e com o mundo (objetivo da castração). O sujeito perverso não quis saber da castração, não quis saber da angústia, não quis saber da lei que coloca o outro como ordenador.

Essa forma de lidar com a castração sugere que o perverso ignora a lei social, mas não é bem assim que acontece. O perverso vive muito bem em sociedade e muitas vezes se apresenta como uma pessoa extremamente virtuosa. Quando sua via de satisfação encontra lugar na relação sexual, tratam disso de forma discreta e secreta. Quando colocam o poder, o discurso ou o dinheiro como via de satisfação, podem ser grandes líderes, palestrantes ou empreendedores.

Acontece que o perverso, por desconsiderar a lei simbólica e sua própria angústia, desconsidera também o outro, enquanto sujeito de escolhas e de sentimentos. O perverso, então usa da manipulação para alcançar seus objetivos. Sem culpa e sem escrúpulos, faz com que o outro se angustie, faz com que o outro se sinta culpado. É aqueles capaz de dar um golpe numa pessoa sem recursos e indefesa, e ainda, faz a pessoa acreditar que a culpa é dela.

Portanto, diferenciar o perverso do psicopata não é tarefa tão simples para a psicanálise, visto que não podemos creditar ao psicopata apenas os comportamentos assassinos e violentos. O psicopata age, independente do tempo ou da pessoa, com prazer na superioridade, na maldade ou na enganação, ou seja, na possibilidade de fazer ou outro sofrer. E mais uma vez, não somente pela via da agressão. Por exemplo, uma pessoa que vive dando golpes pode ser um psicopata, dependendo de sua posição de malignidade na sua atitude.

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Devemos entender que nem todo assassino é psicopata e nem todo psicopata é assassino. O psicopata tem uma certa intransigência na relação com o outro e se sente mais compelido à transgredir qualquer lei. Não podemos dizer que o perverso é maldoso por si só, pois sua intenção não é maltratar, mas buscar sua satisfação. Sua manipulação, ainda que possa fazer sofrer o outro, não tem intenção de pura maldade. Já o psicopata tem satisfação na superioridade e maldade, mas não necessariamente, a maldade da agressão ou da violência. Sua maldade pode estar numa atitude inescrupulosa ou mesmo de domínio.

O psicopata acredita que está acima do bem e do mal, da vida e da morte, por isso joga com sua superioridade e sua manipulação, para assim, se sentir no controle de tudo e de todos.

(Autora: Elizandra Souza – Psicanalista, escritora, palestrante, mestre em educação; professora dos cursos de Formação em Psicanálise e pós-graduação do Instituto Paulista de Psicanálise e NPP)

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