Comecemos com a parte fácil: o que acontece quando não conhecemos nossa própria mente é toda a quantidade de problemas psicológicos, sofrimentos, projeções e conflitos em si mesmo e no mundo, para citar apenas alguns exemplos.
Num livro chamado “Uma Visão Ayurvédica da Mente“, o autor e professor de Yoga e Vedas David Frawley (Pandit Vamadeva Shastri) escreve sobre como tudo na vida deve principiar pelo conhecimento da própria mente, e como estamos poucos estruturados para realizar isso em todo o trajeto da vida, seja por falta de interesse próprio, por falta de educação ou da cultura geral ainda hoje. “A mente é o principal veículo que usamos para tudo o que fazemos; no entanto, poucos sabem como usá-la ou zelar por ela, se é que alguém sabe”, diz Frawley, no Capítulo “Como Chegar a Conhecer a Mente” (pgs 47-48).
Duas analogias são usadas no texto e ambas explicam com uma bela clareza do que se trata conhecer a própria mente. Ela que é o principal instrumento, dimensão e intermediadora entre nós, os sentidos, a “Percepção Pura”, o mundo, os sentimentos, pensamentos e tantas outras dimensões. Ambas as analogias ajudam a despertar a consciência para o quão fundamental é e quão primário deve ser essa educação para entender e usar a própria mente, algo que a humanidade ainda carece, distraída que está pelas aparências “externas”.
Algumas pessoas, mesmo fora do círculo chamado “espiritual”, estão despertando intuitivamente para essa necessidade de conhecer a mente. No trabalho que realizo no consultório (*) já é significativo o número de pessoas que está percebendo que o problema é a obsessão da mente, a negatividade da mente, o apego, as projeções repetidas, e não exatamente os objetos que são alvo dessas condições (uma circunstância, um obstáculo, uma pessoa). Mesmo que exista de fato um problema real, frequentemente há, anterior ou unido a ele, uma configuração mental insatisfatória. Como diz Frawley, “se não sabemos guiar um carro de um modo satisfatório, o problema de aonde ir com ele não é relevante“.
COMO CHEGAR A CONHECER A MENTE
Por David Frawley (Uma Visão Ayurvédica da Mente – A Cura da Consciência, Editora Pensamento, pgs 47-48).
É possível imaginar alguém sendo colocado no banco do motorista, com o automóvel em movimento e a pessoa não sabendo dirigir, nem frear, nem manobrar o volante, e ignorando quando pisar na embreagem? Naturalmente, essa pessoa sofreria um acidente, e, se sobrevivesse, ficaria com um medo permanente de dirigir.
No que tange a nossa mente, não estamos em situação muito diversa. A percepção é posta na nossa mente quando nascemos, porém não nos ensinam como usar a mente, sua sensibilidade e emoção. Não nos ensinam o sentido de seu estado de vigília, de sonho e de sono profundo. Não nos apresentam as funções comparativas da razão, do sentimento, da vontade e da percepção sensorial. Ficamos nas trevas, porque nossos pais e a sociedade não entendem a mente, tampouco como ela funciona. A mente é o principal veículo que usamos para tudo o que fazemos; no entanto, poucos sabem como usá-la ou zelar por ela, se é que alguém sabe.
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Todos sofremos com a ignorância da natureza da mente. Todos os problemas com que deparamos na vida baseiam-se, em última análise, no desconhecimento da mente e de suas funções. A partir desse problema fundamental, vêm à luz diversos problemas secundários — como a maneira de satisfazer nossos desejos ou de evitar aquilo de que temos medo — os quais, por importantes que possam parecer, são tão-somente a consequência natural dessa ignorância fundamental acerca da mente. Por exemplo, se não sabemos guiar um carro de um modo satisfatório, o problema de aonde ir com ele não é relevante; entretanto, consideramos esses problemas derivados como sendo fundamentais, ou colocamos a culpa nos outros por esses mesmos problemas, tornando-os questões sociais, morais ou políticas, sem compreender que eles são apenas um problema — o não entendimento da mente. A partir de uma compreensão equivocada da mente, desenvolvemos idéias falsas sobre o mundo e passamos por apuros em nossas relações sociais.
Valendo-me de outra analogia: se não entendemos como o fogo funciona, podemos nos queimar. Isso não significa que somos ruins, nem que o fogo é ruim, mas apenas que não entendemos o fogo e suas propriedades. A mente tem suas qualidades e, a exemplo do fogo, pode ser usada tanto para o bem como para o mal. Ela pode ser a causa de grande felicidade ou de catástrofes no mundo, como a história tem mostrado repetidas vezes. Todos os problemas psicológicos não passam de um uso equivocado da mente, em função da ignorância do modo como a mente funciona. A solução para todos os nossos problemas mentais é aprender a usar a mente de modo satisfatório. Isso é verdade independentemente do tipo de problema psicológico que possamos ter.
Educarmo-nos acerca da natureza da mente importa mais do que todo exame de nossos problemas pessoais ou sociais. Todos os problemas que se nos afiguram realmente urgentes e importantes — como o de saber se somos amados ou se nossos amigos e nossa família podem ser felizes — não são o verdadeiro problema e não podem ser resolvidos diretamente. O problema real é como usar o instrumento mais importante da nossa existência — a mente.
Aprender a usar de modo correto os recursos da mente não apenas resolve nossos problemas psicológicos, mas também nos leva à compreensão superior de nós mesmos. Leva-nos à vida espiritual, que é a nossa real ocupação como seres conscientes. Então, podemos transcender a mente — que por natureza é limitada — para a Percepção Pura, não tolhida pelo tempo, nem pelo espaço, tampouco pela causação. Para tudo na vida, temos de principiar com a compreensão da mente.
Título Original: Porque conhecer a própria mente (e o que acontece quando não a conhecemos), por David Frawley
(Autor: Nando Pereira)
(Fonte: dharmalog)
*Texto publicado com a autorização da administração do site.