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Por uma ética das paixões alegres (e menos falatório no divã)

Não é fácil cultivar bons encontros em um mundo sustentado por forças tristes. A lógica do escravo é preponderante, desde crianças somos ensinados a comportar conforme condutas estabelecidas, sufocamos nossas paixões alegres em prol de paixões tristes. Somos fabricados com corpos acostumados a responder às vilanias do entristecimento e ao depreciamento do prazer, nascemos e crescemos em um meio onde todos parecem julgar as vidas uns dos outros com a maior naturalidade e quando se trata de amar, bom… todos parecem se assustar.

Nota: esse texto tem como fundo um pensamento espinozano, mas não irá se aprofundar e melhor caracterizar os conceitos e particularidades do filósofo

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Quando nos encontramos com corpos próximos à nossa natureza produzimos um aumento da potência de existir. Os termos podem parecer estranhos, falar em potência de existir e corpos estranha quando somos constituídos em um mundo acostumado a andar sob a égide de uma “razão pura”. Mas tudo isso é muito concreto e perceptível.

Quando estamos entristecidos é custoso existir, falta-nos energia para tudo e aquilo que pensamos sobre as coisas e os outros nos incomodam facilmente, quando estamos alegres acontece o contrário, viver parece fácil, acontecemos sem preocupações e as implicâncias do outro parece não ter efeito sobre nós, nossos pensamentos são outros. O tempo todo isso acontece, não se restringe a nenhum momento especial. De repente uma refeição me satisfaz de maneira muito prazerosa e há um aumento da potência de existir, todavia, às vezes a gente repete o prato, uma, duas vezes, e uma azia nos toma e nos embrulha completamente, houve uma diminuição da potência de existir.

Alegria e tristeza são nossas duas paixões básicas, todos os outros afetos são derivados. Situamos então no seguinte: alegria produz um aumento da nossa potência de existir, a tristeza produz um rebaixamento da nossa potência de existir. Trata-se de uma ética das paixões.

Uma paixão alegre é resultado de uma causa externa, daí a necessidade de encontros com outros corpos. Pode ser o encontro com uma árvore, um bicho, um poema, um trecho de um livro, um filme, um pensamento… alguém. Corpo aqui é tudo que em contato consigo mesmo é capaz de gerar uma afetação.

O que muda a vida são as relações – imagine se a psicologia compreendesse isso o quanto de teoria sobre a consciência não iria desabar…

Falar em ética das paixões, e especificamente de um cultivo das boas paixões, implica falar de encontros que produzam paixões alegres. Uma boa vida trata-se muito mais de uma seleção de bons encontros do que uma questão de se empanturrar com títulos e mais títulos como costuma nos passar o modelo dominante de vida. É verdade que o saber nos possibilitaria selecionar melhor os encontros, isso em tese, pois por si só o saber não aumenta a potência de um corpo se a relação com este saber é direcionada para uma melhor adaptação em sociedade. E não precisaria dizer o quanto os saberes estão alinhados com a nossa sociedade que é, por excelência, uma máquina de produzir paixões tristes, pois somente entristecendo os corpos é possível manter estruturas de dominação e hierarquia.

Uma ética de paixões alegres é o que precisamos para não sucumbir às forças negativas que nos decompõem em paixões tristes. A alegria vai surgir quando no encontro com outro corpo a relação efetuada for compatível para ambos. Quando nos compomos com um corpo compatível com o nosso o encontro é bom, a composição nos eleva a um estado mais forte, a vida passa a ser mais intensa, deixamos a passividade e tornamo-nos ativos.

Sabe aqueles instantes vividos que você gostaria de vivê-los novamente? Você sabe… nesses momentos a energia em nós é de uma potência transbordante, nada parece nos afligir, cessamos nossas queixas, a impotência destrutiva dá lugar a uma potência de vida criadora, estamos em pleno gozo de um bom encontro. Aqui estamos no auge de uma paixão alegre se pensarmos em termos gradativos de intensidade.

A alegria é revolucionária e incomoda o outro, quanto mais alegre mais incômodo, isso porque o nosso entorno é dominado por forças impotentes, forças de manutenção das coisas e das relações como estão, a alegria surge como uma ameaça pois ela é capaz de desfazer relações já cristalizadas e estabelecer outras, a alegria é criadora.

Uma psicologia sem Spinoza não consegue perceber a alegria enquanto uma questão ética e política, capaz de gerar resistências, militâncias e engendrar outros modos de vida.

Uma psicologia sem Spinoza não consegue perceber a alegria enquanto uma questão ética e política, capaz de gerar resistências, militâncias e engendrar outros modos de vida. E sim, nossa sagrada psicologia começou servindo ao poder, e por mais que tenha avançado ainda se preocupa muito mais em um adaptação do que uma libertação.

Não é fácil cultivar bons encontros em um mundo sustentado por forças tristes. A lógica do escravo é preponderante, desde crianças somos ensinados a comportar conforme condutas estabelecidas, sufocamos nossas paixões alegres em prol de paixões tristes. Somos fabricados com corpos acostumados a responder às vilanias do entristecimento e ao depreciamento do prazer, nascemos e crescemos em um meio onde todos parecem julgar as vidas uns dos outros com a maior naturalidade e quando se trata de amar, bom… todos parecem se assustar.

As paixões tristes nos levam a impotências generalizadas. No mundo há muito mais paixões tristes, o capitalismo é um produtor em abundância de paixões tristes, manter os corpos tristes é o principal modo de fazê-los dóceis e desejantes dos produtos ofertados, não só bens materiais como espirituais, carros e estilos de vidas.

Daí a necessidade de encontros com o mundo que, unidos a um conhecimento que nos permita selecionar bons encontros, fortaleça-nos enquanto ativos e criadores da própria vida. O que muda a vida são as relações – imagine se a psicologia compreendesse isso o quanto de teoria sobre a consciência não iria desabar… Por uma ética das paixões alegres, por mais encontros e menos verborragia no divã à espera de um suposto insight.

A vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida. – Vinícius de Moraes

 

 (Autor: Adriel Dutra, psicólogo)

Adriel Dutra

Tem formação em psicologia, mas antes de tudo é formado pelos amores e desamores que vive, pelos livros, pelas músicas, pelos autores, pelos filmes, pelas poesias e pela arte que o fizeram, principalmente, sentir. Tem como hobbie ficar observando detalhes que ninguém costuma ver, encontra-se beleza demais nessas frestas. É colunista do site Fãs da Psicanálise.

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