Cotidiano

Permita-se viver

Desde cedo somos conduzidos a dançar conforme a música, a acreditar que as pessoas a quem amamos, quando se vão, não se vão totalmente. Viram estrelinhas no céu. O tempo passa, a gente vai aprendendo a lidar com situações que os nossos pais não nos avisaram que iriam acontecer. Percebemos que nem tudo é pique-esconde, nem pega-pega, nem chorar e fazer pirraça para o mundo fazer o que queremos.

Aprendemos a lidar com a chuva… Mas, como lidar quando vem a tempestade? Como lidar com a perda, quando alguém vai embora? Vai e não nos avisa. Não deixa bilhete, não deixa recado, nem palavra de conforto de que vamos nos encontrar novamente, seja lá onde for…

O roteiro é brincar bastante, fazer amigos, estudar, namorar, casar, ter filhos. Não necessariamente assim, nem nessa ordem. Mas morrer jovem desfaz a ordem natural da vida. Deveria ser proibido por lei morrer durante o melhor da festa. E não há maturidade que não nos faça chorar e entender. Que piada é essa da vida nos tirar quem a gente ama, sem hora marcada? Não tem graça. O sofrimento turvo não dá trégua à bonança.

Lidar com a morte é tão difícil quanto lidar com a vida. Elas não nos notificam de nada. É muito mais fácil optar por ser sozinho para não sentir a perda de alguém. Mas ser feliz só não é tão prazeroso quanto acompanhado. Se sofrimento é opcional, solidão é intencional. O destino pode ter escrito nossas vidas, mas sempre há entrelinhas com espaço o suficiente pra nós escrevermos e decidirmos nossas próprias escolhas. Sejam elas certas ou estúpidas, mas nossas.

O relógio não enlouquece, a morte vem se avisar. Você pode fazer check up regularmente, praticar exercícios, não fumar e não possuir nenhum vício que afete a sua saúde. Mas não existe raio X que mostre a hora de partir. De uma hora para outra pode acontecer. Você pode estar no carro que foi pego por um caminhão sem freio ou pode estar saindo do trabalho e levar um tiro do elemento que gostou do seu relógio.

Então você vai e deixa a roupa no varal, contas a pagar na gaveta, roupas sujas acumuladas no teu quarto. Vai sem a depilação em dia, sem avisar à sua mãe que não vai chegar em casa no horário de sempre. Vai direto, sem escalas e sem hora prevista. Daí, irão mexer nas suas coisas, doarão as roupas que você amava, vão se desfazer de seus pertences que eram valiosos, mas ao ver de seus familiares não tem valor algum. Vão pegar uma foto sua, farão uma oração. Também vão pegar algo que você gostava muito, só pra ter um pedacinho de você por perto.

Por fim, tudo tem seu fim.

Eu não posso regrar sua vida, também não posso te dar um manual de como ser feliz e de como levar a vida sem preguiça. Também não posso afirmar que morte é uma mudança de estado, que terá outras vidas para novos reencontros. Cada qual com sua fé. Então, viva! Você não receberá uma correspondência divina, nem sinal de luz pra alertar que sua hora está chegando. Não sabemos quanto tempo temos para administrar nossa vida. Faça do tempo seu amigo, não o deixe passar sem você acompanhando de mãos dadas.

Se desejam “descanse em paz” quando alguém parte. Eu desejo que viva em paz, só assim poderá partir sem culpa. A vida é música, dance. Em passos rápidos ou lentos, quem dita seu ritmo, é você. O importante é não ficar parada.

Portanto, permita-se viver. E sentir…

Ana Carolina da Mata

Ela ama comer. Tem medo de apontar para uma estrela no céu e acordar com uma verruga no dedo. E também ama comer. Acredita que troca de olhares, às vezes, são mais bem dados que beijos de cinema. Não confia em pessoas que não gostam de animais. E ama comer. Tem medo do escuro e acha normal falar sozinha. Vive no mundo da lua e adora comer por lá também. É sagitariana, paulista, teimosa, devoradora de filmes, gulosa por livros e por comida também. Mas acha tolice tudo acabar em pizza, porque com ela, acaba em texto. É colunista do site Fãs da Psicanálise.

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