Perguntar O que é a vida do ponto de vista da linguagem não importa muito. Pensá-la enquanto uma simples pergunta que teria ou não resposta(s) é a nossa parte mais rasa do pensamento. Também não importa trazê-la para uma discussão e dizer se a vida tem ou não sentido e qual seria. A ideia é pensá-la dentro de uma ética existencial, o que importa é o como essa questão nos implica à nossa vida.
O que é a vida? É uma pergunta-vertigem, além da falta de uma referência que nos convença ela também coloca em questão a nossa finitude. A gente olha rapidamente e tudo bem, a gente olha um pouco mais e sente algo, e se olhamos demoradamente causa vertigens. Mas se conseguimos vencer a vertigem percebemos que se trata de uma sensação até gostosa e aí ficamos mais relaxados e aproveitamos a viagem. Se a vertigem incomodar muito aí ficamos muito mais preocupados com a segurança da viagem. Considerar a questão do ponto de vista da linguagem, como uma pergunta que demanda por resposta(s), tende a nos levar a se preocupar mais com os dispositivos de segurança para viver.
Não quero dizer que essa pergunta deve ser necessária. Longe disso. É possível passar uma vida inteira apenas ocupando-se com as coisas tal como elas se apresentam, lembremo-nos de um camponês em seu cenário idílico ocupando-se com os bichos, rios, árvores… – algo um tanto distante de nós!
A ideia aqui seria muito mais tocar, rodear, tatear essa pergunta-vertigem e fazê-la recair sobre um plano ético e estético e não esticá-la no campo reflexivo da consciência. Se a gente levar a pergunta para o campo da consciência a gente corre o risco de neurotizar. A consciência tem mania de neurotizar tudo o que toca, desconfie da consciência. Dica: consciência e alegria não se combinam, quanto mais intensa a alegria mais apagada estará nossa consciência, e vice-versa.
O nosso cenário não é idílico. Estamos contextualizados em uma máquina-capitalista onde nossos dias são mastigados. Nascemos e imediatamente nos são internalizadas categorias de sujeito como eu, consciência, razão, culpa e tantas outras. Daí que não se trata de uma questão de querer pensar ou não sobre a vida, esse pensamento vai nos tocar em algum momento. A diferença é o trato que cada um vai dar. Alguns, ao primeiro toque se assustam e a afugentam e não querem mais saber, outros, timidamente, vão se permitindo aos poucos, outros abraçam e se jogam percebendo que a questão não é um Leviatã, mas uma aliada para escutar os próprios afetos do viver.
“Ninguém pode construir para ti a ponte sobre a qual precisamente tu tens de passar sobre o rio da vida, ninguém além de ti mesmo. Decerto que há inumeráveis atalhos e pontes e semideuses que te querem carregar através do rio; mas apenas ao preço de ti mesmo; tu te darias em penhor e te perderias. Há no mundo um único caminho que ninguém pode trilhar além de ti: para onde conduz ele? Não perguntes, prossegue. Um homem jamais se eleva mais alto do que quando não sabe para onde seu caminho ainda o pode conduzir” NIETZSCHE
O religioso convicto pode respondê-la a partir de uma linha que seguirá a criação do mundo e dos seres por um deus transcendental, colocará motivos e dará propósitos finais. E aqui temos uma gradação individual. A “resposta” que ele tem vai apaziguá-lo mais ou menos, quanto mais ele se debruçar sobre a questão mais fissuras e rachaduras o seu criacionismo terá e mais difícil será sustentar um cenário com início, meio e fim. O conhecimento no cristianismo tem limites que se rompidos passa a ser questionamento das leis divinas.
De modo geral essa questão irá implicar as pessoas tanto quanto elas se debruçam sobre a própria existência e percebem que isso que a gente chama de vida é algo… estranho? doido? – não sei, mas pintou um clima, as placas tectônicas da vida do sujeito vibraram, pode virar um terremoto sem proporções, mas fiquemos na vibração.
Se isso não acontece está tudo bem com esse hábito, essa mecânica, esse consumo diário, … qualquer coisa que seja mais ou menos como estudar, consumir, virar adulto, consumir, conseguir um bom emprego, consumir, casar, consumir… consumir um pouco mais e (morrer) – a morte assume um lugar bem tímido quando colocada.
O capitalismo pode oferecer qualquer propósito à vida, desde que tenha consumo. Uma possível resposta para “o que é a vida para o capitalismo” seria tudo que você quiser menos deixar de consumir – consumir carros, personalidades, leis, regras, modelos, etc.
Diz-se que a filosofia responde a pergunta. Não é bem oferecer uma resposta, mas é possível puxar vários pensamentos da filosofia e criar algumas “respostas”, é uma questão estrutural da filosofia. A filosofia não é um conhecimento que se presta à oferecer respostas em si. Pelo contrário, quanto maior nosso repertório filosófico mais difícil fica dar uma resposta, pois muitas serão nossas perspectivas. A resposta é uma facilidade do pensamento limitado, olhe ao redor e veja quantos não estarão dizendo que o problema do Brasil (ou do brasileiro) é… e aponta-se um ou dois culpados.
Mas que resposta serve à vida? Pode vir da religião, da filosofia, da ciência, podemos até mesmo importar tradições do zen-budismo. Mas não se trata de responder se a vida tem ou não sentido. Clarice Lispector diz lindamente: “Não se preocupe em entender, viver ultrapassa qualquer entendimento.”
Puxamos um pouco do pensamento de Nietzsche para dialogar conosco. Com Nietzsche estamos no cume de um abismo e não há por onde escapar. À nossa frente um abismo, é o que há. Podemos “não pular” durante a nossa finitude imaginando que possamos se safar dessa situação, alguma saída ou quem sabe um paraquedas ou bungee jumping (deus?) para saltar, mas não haverá. Por outro lado podemos nos lançar ao abismo e durante a queda inventamos alguma dança. No primeiro caso a gente morre agarrado às ilusões da segurança e despencaremos no abismo sem aproveitar a viagem.
Lançar-se ao abismo (ou não) e descobrir uma forma de dançar – tomemos isso como uma certa imagem. O ponto é que ninguém, ninguém entre nós está em vias de dar um referencial de vida que não seja um referencial para si mesmo. Se quisermos falar em sentido da vida saibamos que nós é que precisamos inventar o sentido, e esse sentido também seria de uma ordem estética e não absoluta, Nietzsche diria algo como: se quiser um sentido invente, mas saiba que será só seu – só seu! No limite, todos nossos referenciais são “mentiras” (mentira não enquanto negativo moral da verdade) que inventamos para viver. Isso nos implica muito mais em uma ética e uma estética de si do que uma moral. A arte é uma mentira que se sabe ser mentira, por isso ela cria, inventa e não se preocupa em dar fundamento de verdade ou mentira ao mundo. Mas se a gente acredita na mentira… aí vem a verdade, aí vem o que é o certo e o errado, aí vem o que o outro tem que ser ou deixar de ser, aí vira…
Na medida em que ficamos menos suscetíveis aos inúmeros referenciais e modelos de vida que irão nos oferecer passamos a uma vida mais inventiva de si. Nesse sentido, pensar sobre O que é a vida? pode nos ser potencializador. Mais do que uma pergunta para ser capturada pela consciência, O que é a vida? pode ser um raio que causa uma descarga em nós e movimenta o pensamento, um estímulo para o pensamento enquanto força inventiva para à vida.
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