Saúde

“Pare de dizer às pessoas que elas são guerreiras e que poderão vencer doenças incuráveis”

Desde que o senador americano John McCain anunciou seu diagnóstico de câncer cerebral, um coro de vozes ao redor do mundo passou a estimulá-lo a “lutar contra o câncer”. Mas McCain nos lembra que, diante de uma doença ameaçadora da vida, o que importa não é o fato de ser um lutador.

O que importa é o motivo da sua luta. Familiares, amigos e médicos de pacientes com doenças críticas precisam ter essa diferença muito clara em suas mentes.

Metáforas invocando guerra, batalha e espírito de luta são frequentemente utilizadas em resposta a um diagnóstico de câncer. Elas são muitas vezes ouvidas nas vozes das famílias de quem enfrenta doenças graves e com prognóstico sombrio nas UTIs. Isso não é uma surpresa. A adversidade muitas vezes desperta o impulso de lutar. Esse impulso pode ajudar aqueles que estão enfrentando desafios difíceis mas que são superáveis, como um câncer curável, por exemplo.

Mas esses lutadores deveriam sempre lutar contra a doença? O que acontece quando uma doença é incurável e provavelmente o levará à morte – como é quase certo no caso de McCain? Deveríamos renunciar à linguagem da batalha, como alguns especialistas em Cuidados Paliativos sugerem? Eles nos alertam sobre a possibilidade de que isso crie uma sensação de vergonha e fracasso quando a doença progride: “Eu não devo ter lutado o suficiente. Eu desapontei minha família.”

Certamente, a comunicação clara a respeito de objetivos atingíveis é importante, pois assim pacientes não permanecem lutando contra o impossível sem ter ideia disso. Como aponta o Dr. BJ Miller, paliativista, a guerra contra a morte é uma daquelas em que, em última instância, ninguém vence.

Mas há um efeito colateral ainda mais trágico quando assumimos que guerreiros deveriam sempre batalhar contra a doença: a perda da oportunidade de lutar por coisas que são mais importantes – e atingíveis. Coisas como tempo com a família, a conclusão de planos, a recuperação de relacionamentos e mesmo listas de desejos a serem realizados antes de morrer.

Quando um paciente em cuidados paliativos me diz “Eu sou um guerreiro”, eu não digo a ele que a luta é inútil. Em vez disso, pergunto: “E pelo que nós devemos lutar?”

Uma vez que compreendo o que é o mais importante para meus pacientes, eu posso usar meu conhecimento médico sobre o que é possível para ajudá-los a direcionar sua “luta” para objetivos atingíveis. Eu também posso ajudá-los a evitar o desperdício de uma quantidade finita de tempo e energia com objetivos inalcançáveis.

É claro, alguns tipos de câncer são curáveis, e lutar com todas as armas para superá-los é a escolha que muitos fariam. Mas outros enfrentam tumores malignos que vão quase que certamente ceifar suas vidas, e que podem resultar na perda de habilidades essenciais antes disso. Diante de uma ameaça dessa natureza, é vital que auxiliemos as pessoas a escolher pelo que querem lutar.

As atitudes de McCain têm mostrado que ele compreende isso. Diante de uma doença grave, ele tem priorizado tempo com a família, e expressado suas ideias sobre questões como o banimento de militares transgêneros pelo Presidente Donald Trump e o perdão do xerife aposentado Joe Arpaio. No mês passado, após seu diagnóstico, ele retornou a Washington para registrar seu voto contra o novo sistema de saúde. Ele continua a exortar seus colegas a comprometerem-se a trabalhar em várias questões, incluindo seu antigo sonho da reforma na imigração.

Nesse caso, o heroísmo nunca esteve relacionado a guerrear imprudentemente contra adversários invencíveis, e sim a lutar pacientemente e ininterruptamente pelo que lhe parece certo. Este é o poder de lutar por algo significativo.

Da próxima vez em que assistirmos a uma figura pública, ou membro da família ou amigo, que esteja lidando com uma doença limitadora da vida, sejamos livres para usar a metáfora se ela parecer pertinente, mas com um pequeno ajuste. No lugar de “Você pode vencer isso”, tentemos “Posso ajudar você a lutar pelo que?”

*Tradução livre do texto publicado pela Dra. Kathryn B. Kirkland, médica paliativista, no USA today.

(Fonte: nofinaldocorredor)

*Texto publicado com a autorização da autora.

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