A ciência consiste em agrupar fatos para que leis gerais ou conclusões possam ser tiradas deles”, afirmou o naturalista britânico Charles Darwin, notoriamente conhecido como o pai da teoria das espécies, fundamentada ao longo século 19.
Essa frase de Darwin define o método científico, um aglomerado de regras que estabelece a trajetória de desenvolvimento de um conhecimento científico. Em termos gerais, para que qualquer teoria ou conceito seja considerado verossímil pela comunidade acadêmica e pela sociedade, ele deve ser observado, investigado e associado a uma hipótese fidedigna.
No entanto, algumas investigações de fenômenos ao longo da história da ciência foram longe demais. Há casos em que os voluntários de estudos foram colocados em situações desconfortáveis e perturbadoras, como essas descritas logo abaixo:
1) Experiência de Milgram
Considerado um dos experimentos mais abomináveis de todos os tempos, esse teste foi aplicado pela primeira vez pelo psicólogo Stanley Milgram, da Universidade de Yale, em 1961.
Homens voluntários e participantes do experimento de Milgram, em 1961 (Foto: Universidade de Yale Manuscritos e Arquivos)
O objetivo de Milgram era averiguar como as pessoas tendem a obedecer às autoridades, mesmo que o comando delas vá contra questões morais e éticas. Sua principal inspiração para estudar o assunto foi o depoimento de Adolf Eichmann, um dos tenentes do exército da Alemanha nazista durante o Holocausto, na Segunda Guerra Mundial, que afirmou que realizava atos desumanos com judeus e outros grupos porque estava seguindo ordens. Em termos gerais, o psicólogo queria saber: as pessoas praticam atos horríveis com outros seres humanos ao receber um comando de autoridade?
Para averiguar a hipótese, Milgram recrutou 40 voluntários homens, entre 20 e 50 anos. Todos eles foram apresentados a dois atores: um que representava um suposto pesquisador e outro que fingia ser um voluntário.
Posteriormente, o pesquisador “sorteava” os papéis que cada um dos homens iria exercer – embora sempre fosse combinado que o ator que fingia ser voluntário seria sempre o aluno.
O aluno era amarrado a uma cadeira com eletrodos em uma sala do laboratório e ele deveria decorar uma lista de pares de palavras. O professor, em outra sala do laboratório, deveria testar a memória do aluno, pedindo para que ele relembrasse as palavras associados aos termos que pronunciava. Cada vez que o aluno errasse, o professor era instruído pelo pesquisador a administrar um choque elétrico no indivíduo. O nível do choque aumentava gradualmente – ia de 15 até 450 volts.
Como fazia parte do estudo, o aluno errava propositalmente grande parte das vezes. Caso o professor se recusasse a acionar o choque elétrico, pesquisador o induzia a realizar o ato. Logo em seguida, era possível ouvir um espasmo de dor do ator – obviamente era um choro fingido, já que os choques não estavam sendo realizando de verdade.
O psicólogo e criador do experimento, Milgram, observou que os participantes apresentaram sudorese profusa, tremores e gagueira, sinais que indicam perturbação emocional.
Outro sinal de tensão identificado foram risadas nervosas, que, em alguns casos evoluiu até para convulsões incontroláveis.
Bom, se você achou a metodologia bizarra, o resultado do estudo foi ainda pior. O psicólogo Milgram acreditava que somente 0,1% dos participantes administrariam todos os choques exigidos pelo pesquisador-ator. Porém, cerca de dois terços dos voluntários foram até o fim, mesmo no ponto que o ator fingia já estar inconsciente.
A notícia não melhora: há diversas pesquisas recentes que revisitam esse método de teste e, ao que tudo indica, continuamos executando ordens sem levar em consideração questões éticas.
2) Experimento do Pequeno Albert
Imagine um gracioso e inofensivo bebê. Agora imagine ele sendo induzido a desenvolver uma fobia durante uma pesquisa científica. Foi isso que aconteceu com Douglas Merrite, criança que foi utilizada como cobaia em um teste do professor John Watson e da aluna de graduação Rosalie Rayner, da Universidade de Johns Hopkins, em Baltimore, nos EUA, em 1920.
Cena do Experimento do Pequeno Albert (Foto: Reprodução/YouTube)
Na ocasião, a identidade de Douglas – que tinha apenas nove meses – foi acoberta e ele foi chamado de “pequeno Albert”.
Para o teste, o bebê foi colocado em contato com diversos animais peludos – indo desde ratos até cachorros. No começo, ele pareceu gostar da situação. Porém, com o passar do tempo, o pesquisador Watson começou a produzir barulhos e sons assustadores toda vez que o Albert ficava próximo dos animais.
Não demorou para que o bebê associasse o estímulo inicialmente neutro (animais peludos) a um estímulo aversivo (som alto) e ficasse com medo. Para Watson, o teste provou que os medos são aprendidos, e não herdados biologicamente.
Esse é um exemplo do que convencionou-se chamar de condicionamento emocional (um outro modelo disso é Experimento do Cão de Pavlov).
Em 2010, um grupo de pesquisadores da Universidade Estadual Appalachian, na Carolina do Norte (EUA), decidiu caçar a cobaia do estudo.
Infelizmente, eles descobriram que Douglas tinha falecido aos 6 anos de idade, vítima de hidrocefalia e que não constavam indícios se a criança havia desenvolvido de fato uma fobia a animais e coisas peludas.
3) Experimento de Aprisionamento de Stanford
A experiência foi desenvolvida em 1971 por um grupo de pesquisadores do curso de psicologia da Universidade de Stanford, na Califórnia, nos EUA.
Os cientistas decidiram criar uma prisão simulada para estudar o comportamento social e o processo de desindividualização de indivíduos (ou seja, a perda da identidade pessoal em grupos) em espaços de cativeiro.
A prisão foi criada no porão da Universidade de Stanford, trazendo características fieis de um espaço de encarceramento (como grades e refeitórios, por exemplo).
Cena do filme O Experimento de Aprisionamento de Stanford (Foto: Divulgação)
Foram selecionados 24 participantes para o estudo – todos homens brancos e em sua maior parte estudantes. Os voluntários seriam ressarcidos financeiramente após o teste.
Após a seleção, os indivíduos foram classificados em “prisioneiros” e “guardas” e foram encorajados a agir como tais personagens. É importante mencionar que os presos só poderiam ser referidos por números, e não mais pelos seus nomes, o que retirou toda a humanidade deles.
Toda a ação que acontecia dentro do presídio era acompanhada pelos pesquisadores e autores do estudo.
Inicialmente, os voluntários tiveram dificuldades de incorporar os papéis aos quais estavam destinados, mas as coisas foram acontecendo com naturalidade. Um dos guardas decidiu assumir o papel de “líder cruel”, talvez por tédio, e os presos iniciaram rebeliões.
De acordo com o documentário da BCC, a revolta dos prisioneiros aflorou uma mudança nos guardas, que reagiram fortemente retirando toda a humanidade restante do grupo rival: obrigaram os indivíduos a realizar exercícios físicos à força, não permitiam que eles dormisse ou utilizassem o banheiro, colocavam certos presos em celas solitárias, entre outras situações.
Segundo informado no estudo, aos poucos, a prisão começou a cheirar a dejetos humanos.
Em poucos dias, o autoritarismo sádico dos guardas foi o suficiente para enfraquecer o grupo de prisioneiros, que passaram a se dividir entre os informantes das autoridades e os rebeldes.
Alguns até desistiram do experimento – em uma carta de um indivíduo que abandonou o estudo após de 36 horas, diz que ele “sofria de perturbação emocional aguda, pensamento desorganizado, choros incontroláveis e raiva”.
Como grande parte dos voluntários passou a apresentar sintomas de intenso estresse psicológico, o experimento só durou seis dias – uma semana antes do estipulado.
Mais uma vez, o resultado do estudo foi angustiante: pessoas consideradas “boas” e com condições mentais saudáveis podem tomar atitudes horríveis quando recebem um poder ilimitado.
O episódio inspirou documentários e produções de ficção, como é o caso do filme O Experimento de Aprisionamento de Stanford (2015). Confira o trailer do longa.
4) O Estudo Monstro
O nome já adianta: coisa boa não vem por aí.
Em 1930, o fonoaudiólogo Wendell Johnson, da Universidade de Iowa (EUA), convenceu-se de que a gagueira infantil era uma deficiência mais psicológica do que biológica. Ele se baseou na sua própria experiência: quando criança, Johnson conviva com o problema e cresceu acreditando que isso só tinha acontecido porque um professor seu havia dito que ele era gago.
É necessário ter em mente que cada caso é um caso, mas que Johnson estava errado. É claro que receber um feedback ou ouvir várias vezes a mesma coisa pode fazer com que de fato acreditemos nela, mas não é assim que a gagueira começa. De acordo com o Serviço Nacional de Saúde do Reino Unido (NHS, em sigla em inglês), a deficiência na fala está ligada a problemas de desenvolvimento e potencialmente neurológicos.
Porém, em 1930, Johnson queria provar sua hipótese. Foi assim que ele recrutou 22 crianças órfãs, entre as quais haviam gagos e indivíduos com dicção de fala normal.
O grupo de indivíduos gagos (10 crianças) foi dividido em outros dois grupos: um que era sempre informado de que sua fala era boa e outro que era reforçado sobre sua gagueira. As crianças com dicção normal também foram divididas de forma semelhante.
Incrivelmente, as crianças não-gagas que ouviram com frequência que eram gagas passaram a ser relutantes ao falar. Muitas não conseguiram emitir sons e a autoestima delas despencou.
Os efeitos psicológicos prejudiciais persistiram nessas pessoas por muito tempo e várias delas se tornaram reclusas. No entanto, apesar de ter sido observado um comportamento de gagueira, nenhuma delas desenvolveu a condição.
O estudo nunca foi publicado, mas resquícios dele ainda podem ser encontrados.
Como as marcas do experimento foram perenes na vida dessas crianças, a Universidade e o Estado de Iowa tiveram que indenizar as cobaias em até 925 mil dólares.
(Fonte Original: iflscience.com)
*Texto traduzido e adaptado pela equipe Fãs da Psicanálise.
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