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O vazio de uma vida sem significado

ANGÚSTIA EXISTENCIAL

A noção de chamado é uma resposta à angústia existencial de uma “vida vazia“.

Dizem que um chamado é capaz de dar propósito e sentido à existência, ou seja, nos oferecer transcendência e a oportunidade de cumprir nosso destino — outra noção intimamente ligada a nossa ânsia por significado.

Falar em chamado ou destino pode parecer um simples apelo ao que poderíamos chamar de fantasia ou “fuga da realidade“, e talvez até seja em muitos casos, mas é inegável que por trás desses mecanismos de defesa há um impulso genuíno por uma vida com propósito e algum significado. Caso contrário, a vida se resumiria a uma cadeia de eventos aleatórios.

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Sobreviver, dia após dia, nunca será o bastante; é preciso enxergar algum padrão e ter liberdade para atribuir algum sentido às coisas.

Nosso impulso vital é transcender o mero “existir”, ir além de si mesmo e da separação centrada no Eu, além da aparente insignificância da condição humana. Essa é uma resposta natural e legítima ao que se conhece por angústia existencial, que nada tem a ver com o mercado de autoajuda e o processo de capitalização do sofrimento — ou da busca pela felicidade, como preferir.

Ora, não é raro sentir-se pequeno e impotente diante da imensidão de um mundo caótico como o nosso. Ao entender que tudo muda e nada permanece igual, somos obrigados a reconhecer que tudo aquilo que amamos é apenas temporário.

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Ao investir nossa identidade num corpo frágil e limitado, também somos obrigados a reconhecer que a morte é inevitável. Logo, cada pensamento, memória, sentimento e escolha que fizermos ao longo da vida serão, eventualmente, irrelevantes. Na verdade, sob essa perspectiva, já são irrelevantes.

A vida é insignificante, sofrer não faz sentido e sonhar é inútil. Pensar assim é, no mínimo, desanimador (para não dizer depressivo), não é? Pois bem, a angústia existencial se alimenta de todas essas questões e, quando não encarada, pode se tornar insuportável.

A IMPORTÂNCIA DOS MITOS

Então como lidar com essa enxurrada de questões? É possível viver com essa angústia? Desde o início da humanidade, a função dos mitos tem sido esta: servir como uma narrativa para atribuir contexto e perspectiva ao mundo, enriquecendo e dando sentido à nossa existência. Hoje, pragmáticos e obcecados pela objetividade, negamos toda e qualquer influência dos mitos na vida cotidiana — afinal, são apenas mitos.

Porém, desprovidos de uma narrativa que possa nos guiar, mergulhamos num mar de perguntas sem condições de esboçar qualquer resposta.

Quem somos? De onde viemos? Para onde vamos? Qual o sentido disso tudo?

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Falar sobre a nossa experiência subjetiva não é tarefa simples, então vamos dividi-la em duas partes: interna, onde estão os sentimentos e pensamentos, e externa, onde estão as percepções.

É importante destacar que quando falo em “percepções“, me refiro aos sentidos, ou seja, tudo o que podemos ver, ouvir, cheirar, provar e tocar. Sendo assim, pode-se dizer que o conteúdo da experiência subjetiva externa é composto por imagens e suas respectivas interações no tempo e no espaço.

O “mundo exterior” (nossa realidade compartilhada) é um ambiente de pura forma que, por si só, não expressa nenhum significado ou emoção. A realidade que compartilhamos não é triste nem alegre, entediante ou excitante, significativa ou sem sentido.

Pensamentos e emoções, por sua vez, são experiências internas evocadas por meio da interpretação dos conteúdos da percepção.

Duas pessoas podem concluir e reagir de formas completamente diferentes a um mesmo evento. Logo, apesar de compartilharmos a mesma percepção de imagens externas, não há, necessariamente, consenso entre significados e emoções.

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A comunicação desses conteúdos internos se dá indiretamente por meio das tais imagens (no sentido de representações): sons, gestos, signos, símbolos, etc. Assim, traduzimos nossa experiência interna em imagens externas na esperança de que consigam evocar, em outra pessoa, os mesmos sentimentos e pensamentos que vivenciamos — essa é a beleza da linguagem.

Bom, tudo o que foi dito até agora não é nenhuma novidade para quem conhece, por exemplo, as ideias de Sartre. Em linhas gerais, o existencialismo diz que a realidade só passa a ter algum significado quando projetado por nós. Porém, essa ausência de significado parte da premissa que o mundo exterior é algo fundamentalmente separado da nossa experiência subjetiva.

Mas será que é possível enxergar as coisas de outra maneira? Se, por outro lado, considerarmos a realidade como algo único e, portanto, sem divisão, a noção de exterior e interior se tornam apenas facetas da experiência subjetiva — é o que diz a filosofia oriental, ousando ir além do existencialismo ocidental.

Enfim, encare a experiência subjetiva como quiser, única ou dividida, o importante é perceber que as imagens da percepção funcionam como chaves para libertar nosso potencial emocional e intelectual. Em outras palavras, nossa mente utiliza um “código” para traduzir imagens em pensamentos e sentimentos.

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Segundo Chomsky, a mente opera de acordo com padrões linguísticos, portanto esse “código” tem a forma de uma narrativa, uma história que contamos pra nós mesmos sobre a vida e o universo; uma história capaz de relacionar os conteúdos da percepção às experiências subjetivas internas (sentimentos e ideias). Esse tal “código” é um tipo especial de história: um mito.

O mito é uma história que sugere uma certa maneira de interpretar a realidade compartilhada e, assim, extrair significado e emoção de suas imagens. Ainda que o senso comum nos induza a reduzir o conceito de mito às fábulas, ao folclore e às religiões, também existem versões mais formais, como os sistemas de crenças, as matrizes filosóficas e as teorias científicas. Vale lembrar que um mito pode ser verdadeiro ou falso, mas nem por isso deixará de ser um mito.

Utilizamos os mitos de forma tão natural que já nem percebemos. Um aniversário só é digno de comemoração se acreditarmos no mito da celebração anual pela vida.

Uma promoção no trabalho só tem relevância se acreditarmos no mito do sucesso, cujo propósito é obter o máximo de status e dinheiro; a morte de alguém só é triste no contexto de um mito materialista, que interpreta essa perda como algo permanente; um assassinato só é hediondo segundo um determinado mito de moralidade.

Leia mais: Lições do mito de Apolo e como matar nosso “impostor interior”

Enfim, minha intenção não é julgar o mito “A” ou “B”, mas reforçar a importância que os mitos têm em nossas vidas — estejamos cientes disso ou não.

Sem um mito, sem um código de interpretação da realidade compartilhada, a vida não evocaria nenhum pensamento, emoção ou conclusão. Seríamos zumbis apáticos condenados a observar tudo, sem nenhuma capacidade, nem sequer vontade, de comentar ou interagir.

Bruno Braz

Engenheiro Químico (UFSCar-SP) e graduando em Psicologia (FMU-SP). É colunista do site Fãs da Psicanálise.

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  • Gostei muito do texto, bastante reflexivo... é preciso ter algo a nos mover e não crer em nada é desesperador, afinal viver para que... se amanhã poderemos não estar mais?

  • Belíssimo texto. No auge da minha depressão encontrei o motivo que atrapalhava minha recuperação: o olhar de que a vida não faz sentido. Por que planejar se nada faz sentido? Por que viver? Percebi que, mesmo que não chegasse ao suicídio, estaria destinada a morrer aos poucos, pois um homem sem planos morre; o homem sem sonhos definha. A partir de então analisei tudo e percebi que ainda acredito em algo (seria um mito?) e isso me fez sentir alegria por ainda estar viva; percebi que apesar de tudo por que eu passei ainda sou capaz de sonhar. Não me entreguei inteiramente ao ceticismo. A fé em Deus e na missão de Cristo, a contemplação maravilhosa da mensagem do evangelho do perdão ao próximo e da busca por simplicidade e sabedoria, a esperança na evolução e no aperfeiçoamento de quem somos. Nossa missão de nos tornarmos sempre melhores e de aprendermos com as experiências. Voltei a sentir aquela felicidade calma de gratidão pela vida, de sentir o vento no rosto e ser feliz por isso; de observar o céu, caminhar sobre a areia úmida da praia e sentir a felicidade do contato com a natureza: a felicidade de sermos natureza e estarmos vivo. Reencontrei minha alegria em contemplar a existência, nossa pequenez e nossa complexidade, a felicidade que não precisa de muita explicação, mas permanece e nos fortalece diante das adversidades da vida. Ainda passo por momentos de alteração emocional, ainda faço uso de medicação, pois aliada a depressão também luto contra ansiedade e transtorno bipolar (parece que por ter passado tanto tempo longe da realidade e imersa numa fase pós trauma acabei me tornando mais sensível e inconstante), ainda não pude normalizar minha vida completamente; mas contemplar as fases pelas quais passei e o quanto aprendi sobre meus rumos na vida, sobre minhas reais necessidades e sobre quem realmente sou é algo tão especial que chego a sentir gratidão por ter aprendido um pouco mais sobre esse tempo que é a vida.

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Bruno Braz
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