Comportamento

O que os outros vão pensar?

Desde que aprendi o que foi a inquisição passei a acreditar que tenha vindo daí o pavor que algumas pessoas têm do que o outro possa pensar ou achar ou dizer sobre si. Pequenos vilarejos desde o século XII eram visitados pelo inquisidor – autoridade da igreja católica – com o intuito de combater qualquer prática comportamental que estivesse fora dos dogmas católicos. O medo de ser condenado por qualquer deslize, má interpretação ou conduta mal vista perseguia a todos. Os vizinhos poderiam delatar qualquer coisa sob qualquer razão.

O tempo passou e as pessoas por vezes repetem formas de agir aprendidas sem questionar as razões e a real utilidade delas. Algumas mantém o mesmo pavor dos olhares da sociedade.

Eu nasci com a alma livre e desde que aprendi a falar eu questionava tudo. Meus pais não são como eu e vejo que devem ter passado maus bocados comigo. Lembro-me de minha mãe me ensinar coisas como andar sempre depilada, com as unhas feitas e vestindo uma lingerie adequada, pois, eu poderia ter um mal súbito e ser levada ao hospital ás pressas, inconsciente e os outros poderiam reparar. Sinceramente? Eu nunca me importei com isso, apesar de andar até hoje nestes moldes motivada por minha vaidade.

Minha mãe me ensinou o que aprendeu com minha avó materna: uma filha de espanhol com espírito de liderança e um poder enorme de persuasão. Elas sempre me alertavam de que deveríamos arrumar as camas imediatamente após nos levantarmos, manter sempre os banheiros em ordem e a pia da cozinha impecável porque poderia chegar uma visita, ou poderíamos ter que chamar um médico de urgência. Eu nem sequer pensava nestas catástrofes. Elas se preocupavam muito com o que os outros pudessem pensar ou dizer sobre elas.

Minha mãe teve apenas uma irmã, a tia Deize; que se foi há quase vinte anos e de quem me lembro não obedecendo muita às ordens da vó Hortência e de quem quer que fosse porque a tia Deize não se importava muito com o que diziam a respeito dela. Ás vezes quando daquela mulher tão pacata e submissa, acho que no fundo o que ela tinha era a alma livre também e apesar de ser tão diferente de mim, ela não parecia se importar nada com o que dissessem sobre ela.

Da minha mãe eu herdei a vaidade, mas briguei com ela a vida toda por não dar a mínima para o que pudessem achar de mim. Se os inquisidores ainda estivessem por aí eu seria queimada na fogueira, sem sombra de dúvidas. Acredito que não vivemos sem nossa relação com o mundo. Nossa autoimagem se forma também pelo olhar da sociedade que nos rodeia visto que, até o nosso nome nós aprendemos ouvindo-o vindo da voz do outro, entretanto, o medo exacerbado da opinião alheia é escravizador. Eu percebi isso quando vi minha mãe trocar um sapato porque eu disse que não havia gostado.

Com o passar dos tempos ela ganhou uma filha psicóloga que insistia para que ela escolhesse tudo sozinha e que desse “uma banana” para o que os outros dissessem. Esta técnica é um importante treino de segurança sobre nossas escolhas e de libertação do peso da opinião do outro. Nossa vontade deve ser magnânima e as nossas escolhas devem seguir o nosso comando e não o do outro. É nossa a responsabilidade de manter nas mãos as rédeas da nossa vida e conduzir a carruagem da nossa existência. Os desvios, as desistências, as escolhas por lavar ou não a louça e a decisão de trocar o sapato, a namorada ou o emprego é nossa. O nome disso é liberdade.

O outro vai continuar falando, temos o péssimo hábito de falar mais do que ouvir apesar de termos uma boca e dois ouvidos. O medo da opinião alheia talvez venha da projeção das nossas opiniões sobre os outros. Se libertar dos algozes está intimamente ligado a deixar de ser o algoz das outras pessoas. Quem tem medo do julgamento do outro é porque também julga e porque tem medo de não agradar aos olhos da sociedade. Agradar? Impossível. Acredito que o que podemos conseguir, no máximo, é agradar a nós mesmos e aos que nos tem afeto. Quando a tia Deize morreu – em 1997 – era o dia do meu aniversário e nos vinte e três anos que convivi com ela, não me lembro – nunca mesmo – de tê-la ouvido julgar alguém. Ela não tinha vaidade, não se preocupava com o que os outros pensavam apesar de ter tanto medo da minha avó quanto a minha mãe tinha, acho que tia Deize tinha mesmo a alma livre.

No mais o que pensam de mim não é problema meu.

PS; o nome da tia Deize era escrito assim mesmo, com Z.

Viviane Battistella

Psicóloga, psicoterapeuta, especialista em comportamento humano. Escritora. Apaixonada por gente. Amante da música e da literatura. É colunista do site Fãs da Psicanálise.

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Viviane Battistella

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