“Nesta vida morrer não é difícil. O difícil é a vida e seu ofício”.
(Vladimir V. Mayakovsky – poeta russo que se suicidou com um tiro em 1930)
Por entender que a questão do suicídio é um problema de saúde pública e que nós profissionais da saúde precisamos discutir mais este assunto, compartilho na íntegra e com a devida autorização um excelente artigo que a Profa. Dra. Karina Okajima Fukumitsu publicou na Revista Psicologia USP.
“O psicoterapeuta diante do comportamento suicida”
Artigo escrito por: Profa. Dra. Karina Okajima Fukumitsu – Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil
Alarmantes números sugerem um aumento progressivo das mortes por suicídio no Brasil. Segundo Bertolote (2012), “em função do tamanho da população brasileira, o Brasil se encontra entre os doze países do mundo onde há mais mortes por suicídio: 9.206 óbitos apenas no ano de 2008, segundo o SIM” (p. 59).
A maioria das discussões sobre suicídio não fornece ao profissional da saúde subsídios para instrumentalizá-lo quando clientes tentam se matar. Haas (1999) afirma: “Existem dois tipos de terapeutas – aqueles que perderam um paciente por suicídio e aqueles que perderão” (p. 32, tradução nossa).
O objetivo deste artigo é o de oferecer possibilidades de instrumentalização ao psicoterapeuta com clientes em situação de crise suicida, fornecendo reflexões sobre o suicídio, sobre os fatores de risco e de proteção, alguns procedimentos utilizados em psicoterapia, tanto na prevenção quanto na posvenção do suicídio. O levantamento bibliográfico de estudos realizados no Brasil e nos Estados Unidos sobre o tema suicídio foi utilizado, bem como a experiência de 20 anos em atendimentos de clientes com comportamentos suicidas sob a óptica da Gestalt-terapia.
Ressalta-se que o título “comportamento suicida” foi utilizado no presente estudo, pois levou-se em consideração a definição proposta por Shneidman (1993), quando afirma que as tentativas de suicídio se referem usualmente ao comportamento suicida, “Podemos diferenciar a gravidade (ou risco, ou letalidade, ou suicidalidade) da intencionalidade suicida (ações, feitos, eventos, episódios) – verbalizações (usualmente conhecido como ameaças) ou comportamento suicida (usualmente chamados de tentativas)” (p. 138, tradução nossa).
O psicoterapeuta precisa desenvolver empatia no que se refere ao sofrimento humano, isto é, o profissional pode se disponibilizar para se aproximar do lugar onde o paciente está e, por meio de sua disponibilidade interpessoal, a esperança de que o cliente possa reconhecer suas potencialidades – a fim de ampliar sua maneira de enfrentamento de seus sofrimentos – poderá ou não emergir.
Sendo assim, uma relação terapêutica que prima pelo cuidado e não pela cura pode ser facilitadora para que o cliente ressignifique seu desespero existencial e descubra perspectivas de manejo de seus conflitos. Contudo, nem sempre tais aspectos são suficientes a ponto de assegurar que a pessoa pare de acreditar que sua morte seja mais atraente que a vida.
Hass (1999), em uma entrevista sobre a perda de um cliente suicida, afirmou: “Perder um cliente devido ao suicídio era o meu grande medo e então se tornou uma realidade […]. A perda de um cliente traz um impacto devastador, em ambos os níveis: profissional e o pessoal” (p. 1, tradução nossa). Lidar com o fenômeno do suicídio implica aprender a lidar, entre tantos outros aspectos, com a dialética vida e morte; com o desespero humano, influenciado pela anedonia; com as imprevisibilidades da vida; com indivíduos que morreram existencialmente e que não exprimem o prazer de estarem vivos e se perderam pela falta de esperança e fé na vida.
Cândido afirma, “a morte por suicídio é quase sempre sentida como inesperada e imprevisível. Apesar da existência de toda uma gama de sinais potencialmente preditivos do risco” (2011, p. 137), e dessa maneira, o suicídio de qualquer pessoa pode ser cravado na pele e penetrar nas entranhas de cada existência e, como cita Jamison (2010), “O sofrimento do suicida é íntimo e indizível, deixando que familiares, amigos e colegas lidem com uma espécie de perda quase insondável, assim como o sentimento de culpa” (p. 27).
Leia mais: 6 sinais de comportamento suicida
Perls, Hefferline e Goodman (1997) salientam que a psicoterapia é um método “não de correção, mas de crescimento” (p. 51). Desse modo, crescimento, para a Gestalt-terapia, significa ampliar as maneiras de se trabalhar as situações do cotidiano, de forma espontânea, realizando ajustamentos criativos em e na vida. Seria possível identificar que quem procura psicoterapia oferecerá potencialidade para o ato suicida? Como pode o psicólogo ser preparado para lidar com clientes que percebem o suicídio como uma solução?
Primeiramente, aponta-se que não é possível prevenir o suicídio de maneira solitária e, por esse motivo, o trabalho deve ser realizado em parceria com a família e outros profissionais envolvidos, tais como psiquiatras, enfermeiros, fisioterapeutas, massoterapeutas etc.
A seguir, apresentam-se algumas estratégias para a lida com o suicídio.
No contrato terapêutico, incentiva-se a inclusão, no item sigilo: “Manterei o sigilo desde que não haja risco de vida”. Além disso, pede-se ao cliente que escolha duas pessoas, deixando seus telefones. Os escolhidos pelo cliente poderão ser considerados como rede de apoio no trabalho do psicoterapeuta e, em crise suicida, tanto o cliente quanto o psicoterapeuta poderão tentar acesso aos indicados.
Disponibilizar-se para a dor do outro produz efeitos igualmente dolorosos no profissional, ou seja, acompanhar o cliente na luta com seu sofrimento significa também se autoacompanhar , no sentido de saber que o profissional só poderá oferecer aquilo que é possível oferecer. Isso posto, cabe salientar a frase de Merighi (2002) quando apresenta que: “Cuidar é inseparável da compreensão e como compreensão deve ser simétrica: ouvindo o outro, ouvindo a nós mesmos, cuidando do outro, cuidando de nós mesmos” (p. 158).
Reflete-se ainda que o manejo com aqueles que pensam no suicídio requer respeito, disponibilidade, trabalho constante com dores, tolerância às frustrações e trabalho interdisciplinar. Considera-se, sobretudo, que, ao lidar com o suicídio, o profissional, além dos aspectos supramencionados, necessita aprender a tolerar a falta de sentido do outro – um dos aspectos mais desafiantes propostos no presente estudo, ou seja, o terapeuta deve aprender a dosar sua potência e entender que seus serviços devem ser direcionados para ser o guardião do foco existencial de cada cliente e não salvar vidas.
Cabe enfatizar que “Servir não quer dizer fazer pelo cliente” (Fukumitsu, 2012, p. 96). Além disso, salienta-se a importância de se confirmar que a situação em que a pessoa se encontra é difícil, não desejando retirá-la de seu sofrimento existencial.
A morte é soberana e é a situação limite de todos os seres humanos que vivem. Sendo assim, há que se indagar: existe a possibilidade de se ter o controle sobre a morte do outro? A resposta é negativa, pois também se acredita não ser possível ter o controle sobre a vida do outro. O trabalho do psicoterapeuta, portanto, não deve ser o de evitar a morte, mas, de fato, o de promover a ampliação de situações nas quais o cliente possa se sentir vivo.
No entanto, o sentimento de impotência e a sensação de fracasso, por ocasião da morte do cliente por suicídio, são comumente compartilhados por profissionais. Tal impotência pode acentuar ansiedades e acionar a fantasia de que o psicoterapeuta precisa assumir o lugar de onipotência, colocando-se como o salvador da pessoa que deseja se matar, querendo a todo custo garantir que o outro viva.
Ledo engano. A impotência é a justa medida para contrabalancear a fantasiosa onipotência de acreditar que se pode salvar alguém. O psicoterapeuta não deve assumir a onipotência, tampouco não deve se convalescer na impotência. Não se vive pelo outro aquilo que o outro deverá viver e, por esse motivo, o psicoterapeuta deve assumir somente sua potência, isto é, lembrar que cada um deve assumir as próprias responsabilidades existenciais e – repetindo – a função de psicoterapeuta não é salvar vidas, mas incentivar a sensação do cliente de estar vivo. É preciso favorecer a ampliação de outras maneiras para enfrentar o sofrimento.
Faz-se necessário aprender a tolerar, a observar e a respeitar a falta de sentido de vida dos clientes, pois, conforme afirmação de Perls (1979), “fatos observados se transformam ao serem observados” (p. 231).
Se a literatura de pesquisa abarca as inconsistências e reflete as complexidades do nosso saber, o que se dirá ao tentarmos compreender o ato de alguém querer aniquilar a própria vida?
Destaca-se que o método, o modus operandi e a ideia suicida não são exatamente os gatilhos do suicídio. Jamison (2010) ofereceu a melhor analogia a respeito da predisposição de uma pessoa que cometeu o suicídio: “Como o fogo: a relva seca e fortes ventos podem permanecer apenas como possibilidades perigosas, elementos de combustão. Mas, se um raio cai na relva, a chance de o fogo aumentar será rápida: pula de leve para determinada” (p. 183).
Portanto, além do conhecimento sobre os fatores de risco, salienta-se que todo manejo psicoterapêutico vai ao encontro da maneira como o profissional percebe o fenômeno do suicídio, ou seja, se o profissional acredita que o suicídio seja um fenômeno que deva ser explicado, provavelmente direcionará sua atenção para as causas (precipitantes). Em contrapartida, o comportamento suicida é um fenômeno multifatorial, pelo qual devem ser acolhidos tanto os fatores de risco (predisponentes) quanto suas causas (precipitantes).
Sendo assim, o ato suicida abrange o viés individual, social e cultural. Segundo Alvarez (1999): “diga-me a sua taxa de suicídio e eu lhe direi o seu grau de sofisticação cultural – pela simples razão de que o ato vai contra o mais básico dos instintos, o instinto de autopreservação” (p. 69).
A prevenção ocorre para que as mortes sejam minimizadas e para que, com base no conhecimento prévio dos fatores de risco, seja possível levantar e conhecer os fatores de proteção. Meleiro, Fensterseifer e Werlang (2004) apontam que: “Na prevenção do suicídio, então, deve-se dar prioridade a ações que busquem evitar o que pode ser evitado, e interromper ou amenizar o que não pode” (p. 142). Sendo assim, durante o período entre o pensamento e a ação suicida é que a prevenção se torna importante, pois o comportamento suicida envolve um processo que tem seu início desde a ideação, a tentativa, as ameaças até o ato consumado, isto é, a morte.
Avaliam-se a letalidade e intencionalidade, ou seja, a reflexão sobre quão letal foi a tentativa, bem como a intencionalidade do ato: intenção e intensidade do desejo em acabar com sua vida. É necessário perceber o comportamento suicida como um todo e, assim, refletir sobre dois aspectos principais:
Qual é o pedido que o comportamento suicida revela? Ou seja, qual seria a mensagem existencial que uma pessoa que tenta se matar gostaria de transmitir?
Qual é o desejo que a pessoa que tenta o suicídio não consegue concretizar em vida?
É preciso estabelecer um plano de segurança no sentido de o cliente ter a possibilidade de acessar o psicoterapeuta em situações de desespero. Além de oferecer o número 141 do Centro de Valorização a Vida (CVV), costuma-se dizer: “Não gostaria que você se matasse sem que me desse o direito de saber sobre seu desespero”.
Alguns suicídios são impulsivos e outros, planejados. O que dá indício de que o suicídio foi planejado é quando o suicida deixou bilhete e carta de despedidas.
Um bilhete é uma mensagem, talvez a única coisa que tenha restado da pessoa que se matou. Bilhetes e cartas deixados por aqueles que se matam confirmam que uma vida foi encerrada deliberadamente. Conforme Jamison (2010) afirma: “bilhetes suicidas – um ponto de partida óbvio – com frequência prometem mais do que podem dar” (p. 70), e a partir da morte do outro, elucubrações acerca do ato de alguém se autoaniquilar são levantados para preencher uma lacuna do não saber e do inexplicável ato suicida.
Mensagens que revelam desespero e confusão e sinalizam os últimos momentos desenhados em formas, palavras soltas, desorganizadas, com ou sem sentido. Palavras escritas em um papel para ser a única parte de um grande todo, um papel que, talvez, se torne a única coisa que fica depois do suicídio. Cartas acusatórias, explicativas, as que buscam o perdão, compaixão e compreensão, as que parecem ter sido escritas para convencer os outros de que a morte seria a única saída para tanto sofrimento e desespero humano.
O ato de deixar um bilhete pode ser compreendido como uma necessidade de a pessoa suicida organizar e controlar antecipadamente aquilo que deverá ser organizado por outros. O tom de cada carta revela sentimentos e conflitos que o indivíduo vivenciava no momento da morte, uma vez que dizem respeito, provavelmente, aos sentimentos e pensamentos perturbados do exato momento em que a morte foi apresentada como a única saída.
Propõe-se como recurso terapêutico o testamento em vida. Diferentemente de um bilhete, que revela o intuito de se matar e deixar que os desejos sejam satisfeitos somente depois da morte, o testamento em vida é uma oportunidade para a pessoa vislumbrar possibilidades e tentar satisfazer suas necessidades na interação com o meio ambiente em vida. Testamentar não é somente a distribuição dos bens, mas também registrar aquilo que gostaria que fosse feito. O testamento em vida tem como pano de fundo a trajetória vital pessoal, e a proposta é o resgate de algo que se faça em vida.
Enquanto as mensagens de adeus expressam o que o suicida não conseguiu em vida, mas imaginou que conseguiria em morte, os testamentos podem ser um recurso para que a pessoa possa expressar e comunicar seus desejos em vida.
Outra estratégia a ser destacada é a crença na relação entre cliente e terapeuta, pois se percebe o suicídio como Pompili (2010) define: “Considero o suicídio como resultante de uma fratura decorrente das relações consigo, com outros, com a natureza humana, com as oportunidades para vivenciar o sentimento de bem-estar e apreciar o que nos circunda” (p. 234, tradução nossa).
Trabalhei com uma cliente que, em todas as sessões, dizia que se mataria. Ligava-me constantemente, deixando em meu celular uma média de 17 recados diários, dizendo que tentaria novamente o suicídio. Além disso, jogava-se na frente de caminhões, ônibus e carros e, como ela mesma mencionava, “atropelava os veículos”.
Tentara se matar anteriormente diversas vezes e, em uma das sessões, perguntou se eu já tivera um cliente que morrera por isso. Respondi que não, ao que retrucou: “Então, eu serei sua primeira cliente a morrer por suicídio”.
Respondi: “Por inúmeras vezes você tentou se matar e não morreu. Até quando vai querer escolher o momento em que morrerá? A gente não escolhe o momento, calma, você terá seu tempo de morrer”. Ela se calou e disse que nunca havia pensado sobre isso.
Em outra sessão, balançando sua bolsa fechada disse:
“Está vendo esta bolsa? Tem várias moedas”.
“O que você pretende fazer com elas? ”, indaguei.
“Vou dá-las aos pobres”, respondeu.
“Qual é o significado dessa ação para você? ”
“É bom. Costumo ajudar as pessoas; só não faço isso comigo. ”
Ao fecharmos a sessão, ela voltou seus olhos para mim, dizendo:
“Preciso falar que o que tenho aqui não são moedas, mas é uma corrente e procurarei um lugar para me pendurar nela. Tchau. ” (saindo apressadamente).
Nesse momento, em choque, a única reação que tive foi enviar por torpedo uma mensagem: “Por estar cansada, talvez acredite que a morte seja uma solução. Força e até semana que vem”.
Na semana seguinte, para meu alívio, ela retornou, dizendo que não teve coragem de se matar, pois vira meu recado no celular e sentira que, de alguma maneira, eu estava sendo verdadeira com ela. E completou: “Que raiva destes olhinhos puxados de japonês, pois eles ficam me perseguindo”.
Ela me perguntou o motivo pelo qual me importava tanto com ela, se nunca ninguém se importara. Respondi que não sabia, mas que estava ali genuinamente por e com ela.
Depois de um mês, chegou à sessão, muito suada, respiração ofegante e com a alça de sua bolsa rasgada. Na saída do metrô, um assaltante tentara levar sua bolsa, dizendo que iria matá-la, apontando um canivete. Ela o enfrentou e, indo para cima dele, disse: “Vem, vem me mata mesmo, eu quero morrer. Você pode me matar, pois me faria um favor”.
Segundo ela, o assaltante respondeu: “Ô, mulher louca! ”, tentando arrancar sua bolsa, sem conseguir levá-la. Rimos juntas da situação, percebendo, pela primeira vez, que ela sorria. Fiquei tão encantada com seu sorriso que apontei: “Você está sorrindo…”.
E ela respondeu: “É. Lembro-me de você me dizendo que minha hora não era agora mesmo e que meu tempo de morrer vai chegar um dia. Quer prova melhor que essa?”.
Descrevi parte da minha experiência com essa cliente para ilustrar outro procedimento psicoterapêutico importante: a busca de momentos nos quais o indivíduo sinta que está fazendo sentido ou, mais especificamente, a busca singular do que provoca no cliente a sensação de que ele está vivo e que viver ainda faz sentido. Com essa vivência, aprendi sobre disponibilidade afetiva, compaixão e capacidade de afetar o outro com minha atitude. Zinker (2007) cita que “não é preciso amar uma pessoa para cuidar dela com respeito” (p. 19).
Perls, Hefferline e Goodman (1997) afirmam que “O objetivo da terapia é superar a solidão, restaurar a autoestima e realizar a comunicação sintáxica” (p. 89). Sendo assim, qual seria o sentido de vida de cada ser humano? Pergunta talvez sem resposta, e a razão da existência é refletida no momento quando se indaga aos clientes: “Para que você existe? E, para quem você existe? ”.
Leia mais: Suicídio: perceba os sinais e ajude a salvar vidas
O suicídio é um ato de desespero, um erro, um espetáculo para quem o assiste, um alívio para quem o realizou ou um pedido de ajuda e de aprovação? Indagações talvez sem respostas, no entanto, deseja-se enfatizar a importância da preocupação constante com a tolerância do psicoterapeuta ao deparar com outro ser humano que vive sem sentido e “sem sabor”, pois o compromisso do profissional com a vida pode ofuscar ou acentuar uma miopia da confusão, do vazio e da solidão do outro.
Enfatiza-se a necessidade de explorar os pensamentos e sentimentos a fim de que os clientes possam comunicar aquilo de que precisam. Nesse sentido, propõe-se três fases de conduta do manejo psicoterapêutico na lida com crises suicidas: 1) Perguntar e explorar; 2) Compreender, confirmar e acolher; 3) Encaminhar e acompanhar.
Primeira fase: Perguntar e explorar
É importante ampliar as possibilidades que ajudam os clientes a compartilharem sua decisão sobre o suicídio, e como Shneidman (1993) afirma: “Os psicoterapeutas podem prestar atenção aos sentimentos, especialmente nos mais estressantes, tais como, culpa, vergonha, medo, raiva, frustrações, amor não correspondido, desesperança, sensação de desamparo, solidão” (p. 27, tradução nossa).
O objetivo dessa fase é o de ouvir cuidadosamente o problema ou os problemas que o suicídio supostamente resolveria, reconhecendo a ideação suicida e levantando os fatores de risco. Dois aspectos devem ser considerados.
A exploração da intenção do suicídio, perguntando, por exemplo: “Você pensa em se matar? Está tão difícil que você quer acabar com sua vida? ”;
2) A exploração do plano suicida, perguntando diretamente: “Como você pensa em se matar? Você já tem um plano? Por que meio deseja se matar? Você já tem alguma data para se matar? ”.
Flanagan e Flanagan (1995) perguntam: “Você tem falado de modo que algumas vezes pensa que seria melhor para todos se você estivesse morto. Você já planejou como você se mataria se decidisse seguir seus pensamentos? ” (p. 44, tradução nossa).
Segunda fase: Compreender, confirmar e acolher
O objetivo dessa fase é fazer uma compreensão do significado do ato suicida, explorando sentimentos e pensamentos do cliente, acolhendo o sentimento de impotência e solidão e confirmando que a situação é difícil e, por isso, ele imagina que sua morte poderia ser a única alternativa. Nesse momento, a ambivalência entre querer morrer e querer viver de outra maneira pode ser explorada.
O psicoterapeuta deve tentar se manter calmo, adotando uma postura de acolhimento e escuta e, se possível, envolver a família. Afirma-se: “Ou você vê o barco afundando e vai junto e não terei como acompanhá-lo, ou você vê o barco afundando e se entrega à impotência e espera o furacão passar e, nesse momento, estou ao seu lado. Trata-se de uma escolha e respeitarei o que escolher”.
Terceira fase: Encaminhar e acompanhar
O objetivo dessa fase é compartilhar a preocupação com o cliente e com a possibilidade de ele se matar, solicitando sua permissão de saber sobre seu desespero antes dele tentar se matar. Sendo assim, encaminhar significa envolver, orientar e direcionar o cliente, a família e outros profissionais que poderão contribuir para que não haja reincidência das tentativas de suicídio.
O encaminhamento será realizado em situações de crise nas quais a internação será necessária. Já acompanhar significa acolher os momentos de dúvidas e de falta de fé em si e na vida. No acompanhamento, deve-se explorar e levantar, com o cliente, as possibilidades existenciais para que busque sentido para sua existência.
Acredita-se que o psicoterapeuta também deve se preocupar em documentar todos os contatos fora do setting terapêutico, as crises e o manejo psicoterapêutico.
Considerações finais
Sintetizando. O psicoterapeuta precisa conciliar a impotência e onipotência, assumindo sua potência no processo psicoterapêutico a clientes que manifestam comportamento suicida.
É necessário considerar o grau de letalidade e sofrimento psíquico, explorando os fatores de risco e proteção, investigando motivações para que o cliente possa se sentir vivo e assumir sua responsabilidade existencial. Além disso, o profissional que se dispõe a trabalhar com o comportamento suicida deve considerar que o trabalho deve ser interdisciplinar, ou seja, não se trabalha sozinho na lida do comportamento suicida, pois cada profissional agregará esforços para os cuidados daquele que não encontra mais sentido para continuar vivo.
Partindo da premissa de que talvez a pessoa não deseje a morte, mas viver de outra maneira, há de se destacar um último aspecto importante: a disponibilidade do psicoterapeuta, no sentido de colocar sua habilidade técnica à disposição e direcionar essa habilidade para dispor de amor, ternura, acolhimento e compaixão pelo ser humano que compartilha seu sofrimento provocado pelas adversidades que a vida lhe apresenta.
A disponibilidade não representa garantia para salvar vidas, no entanto, demonstrar para qualquer um que ele é compreendido como outro diferente e humano faz diferença. O toque acontece somente entre humanos e, dessa maneira, a disponibilidade afetiva quanto ao cuidado pode oferecer a sensação de alívio para a solidão existencial e acalanto para o desespero.
(Publicado em: Revista Psicol. USP vol.25 no.3 São Paulo set./dez. 2014).
Ao lermos este importante artigo escrito pela Profa. Karina Fukumitsu, pudemos compreender que, quando atendemos pacientes com ideação suicida, precisamos analisar o grau de sofrimento psíquico que eles estão vivenciando e isto requer uma apuração completa e complexa de todos os aspectos de sua existência. Precisamos estar disponíveis para acolher a dor do outro. Muitas vezes, este acolhimento não se dá apenas por meio de técnicas e sim pelo afeto e compaixão por aquele ser humano que está à sua frente, em completo desespero existencial.
Referências
Alvarez, A. (1999). O deus selvagem: um estudo do suicídio. São Paulo, SP: Companhia das Letras. [ Links ]
Bertolote, J. M. (2012). O suicídio e sua prevenção. São Paulo, SP: Ed. Unesp. [ Links ]
Cândido, A. M. (2011). O enlutamento por suicídio elementos de compreensão na clínica da perda (Dissertação de Mestrado). Universidade de Brasília, Brasília, DF.
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Fukumitsu, K. O. (2012). Suicídio e Gestalt-terapia. São Paulo, SP: Digital Publish & Print. [Links ]
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Meleiro, A. M. A., Fensterseifer, L., & Werlang, B. S. G. (2004). Esforços para prevenção. In B. G. Werlang & N. J. Botega (Orgs.), Comportamento suicida (pp. 141-152). Porto Alegre, RS: Artmed. [ Links ]
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Perls, F. (1979). Escarafunchando Fritz: dentro e fora da lata de lixo. São Paulo, SP: Summus. [ Links ]
Perls, F., Hefferline, R., & Goodman, P. (1997). Gestalt-terapia. São Paulo, SP: Summus. [ Links ]
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Zinker, J. (2007). Processo criativo em Gestalt-terapia. São Paulo, SP: Summus. [ Links ]
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Karina é ótima. Ela foi palestrante na semana acadêmica de Psicologia da FEF e foi maravilhosa.
Ótimo artigo. Adoraria ler os livros da Dra. Fukumitsu, mas infelizmente não consigo encontrá-los para venda e/ou download.
Adorei a matéria, pois tem tudo a ver comigo. Mas meu ex-psicólogo pensa completamente diferente. ...Falácias & Bobagens...
Parabéns, excelentes esplanações... que você continue com esse comprometimento em alta escala com a vida...