Assisti ao filme O Perfume que me pareceu no início um filme violento e sanguinário, por isso devo ter adiado várias vezes de vê-lo, mas no final, menos tenso, me pareceu uma analogia com o que temos no dia a dia, por sentidos que não só o olfato. Não sei se era a idéia original do autor, não li o livro nem a intenção. Por isso divago…
O personagem, Jean-Baptiste Grenouille, o quinto filho de uma mercadora de peixe, que havia jogado os filhos anteriores, sem saber se estavam vivos ou mortos, junto com os restos de peixe no rio, tinha decidido viver e recebido um dom especial de sentir e distinguir cheiros desde o nascimento em meio à lama fétida e de um mercado de peixes, onde, segundo o narrador existia o pior cheiro, do pior local, do pior bairro de Paris, na pior época da cidade em termos de higiene. A mãe o esqueceu e virou um mutante que desenvolveu um sentido animal para sobreviver num mundo animal.
Só aprendeu a falar aos cinco anos e falou pouco durante a vida, porque não precisava.
Carregava com ele o fardo de destruir aqueles que cruzavam seu caminho. Como disse o narrador. “Sua primeira manifestação de voz, o choro, levou a mãe à forca”. Esse foi o início.
No final, sabendo do seu terrível poder, que poderia até conquistar o mundo através das essências do amor, retiradas das várias virgens assassinadas, preferiu morrer de amor, canibalizado, devorado num frenesi tão grande que cheirar, tocar, apalpar não era suficientepara os seus assassinos.
Tinham que devorá-lo. Talvez ele tenha preferido assim, para se imortalizar em cada um dos seus devoradores, visto que ele mesmo não poderia amar, nem ser amado. Ele não tinha cheiro. Se inebriava com o cheiro que podia sentir nos outros e nas coisas, mas ele não o possuía.
Se imortalizou provocando os outros a destruí-lo. Meio que “polinizou” os que o degustaram.
E seus assassinos, inconscientemente esperavam adquirir o poder do alimento consumido? Era comum em algumas comunidades comer o inimigo para adquirir sua força, sabedoria ou destreza.
Terminei o filme pensando quantos de nós se utiliza de recursos e sentidos mais apurados para subjugar emocional, física ou financeiramente nossas vítimas?
Quantos de nós comete “assassinatos parciais”, tirando o livre arbítrio, a vontade dos outros?
Pode ser a parceira, o parceiro, empregados, colegas, filhos, pais….
E quantos de nós se deixam dominar por conveniências escondidas ou nem tanto?
Sabendo da ojeriza que o ser humano tem às mudanças, por causa da busca da homeostase, podemos entender porque muitos se submetem.
Como uma paciente que sabendo das infidelidades conjugais do marido, sofria, mas não queria mudar.
“Pelo menos já estamos acostumados um ao outro e recomeçar sem saber o que vou encontrar pode ser mais doloroso do que aceitar a experiência que passo agora e no final são todos iguais mesmo”, dizia ela.
Melanie Klein tem muito o que ensinar sobre identificação e projeção.
Se não temos, tiramos do outro, ou não queremos que o outro possua.
Quantos possuem estoque intelectual suficiente para tornar o “outro” dependente da nossa vontade, do que queremos, ou pelo menos do que pensamos que queremos?
Quem de nós percebe como chegar até a outra pessoa com as palavras que ela quer ouvir, com o presente que ela esperava, com a concordância para a idéia que era tão necessária?
A canibalização da essência do “outro”. A vampirização das emoções.
Não seria isso usar de “instintos” que em nome da inteligência perdemos para os reflexos?
Os inconscientes se comunicam e acabamos sabendo as necessidades e fraquezas dos outros. Então, as vezes inconscientemente mesmo, nos apossamos das vontades do “outro”, fazendo com que dependa de nós, das nossas atitudes, das nossas “autorizações”.
Usamos nossos “perfumes” para ir sobrevivendo, nem que para isso, como defesa, usemos os outros que gostam dos cheiros e aromas que enviamos, dependendo do receptor.
Somos todos meio canibais e meio anjos.
Meio vampiros e meio doadores
Meio assassinos e meio criadores.
Podemos dar e tirar.
Somos profanos e divinos. Diabólicos e Simbólicos.
Jean Baptiste Grenouille só mudou o método.
A adaptação pro cinema dessa parte da orgia foi claramente deturpada do sentido original do livro, Jean Baptiste Grenouille amava somente sua obsessão por cheiros, perfumes em geral e sua obsessão por fazer o perfume perfeito e nada mais, ele amou o cheiro da ruiva e não a moça, ele queria se vingar da sociedade; e quando conseguiu subjugar todos se sentiu insatisfeito e vazio, porque ele estava mostrando todo o seu nojo e desprezo pelo povo e eles estavam não o odiando e sim o amando, ele queria triunfar sobre eles e queria o ódio deles com isso, mas o q ele conseguiu foi a adoração, então ele não queria amor e sim triunfar, mas quanto mais ele os odiava mais eles o amavam, no bacanal ele sentiu nojo e desprezo da situação, o personagem é de certa forma superior aquela animalidade sexual, achando aquilo grotesco e bestial, no filme deturparão os sentimentos e pensamentos de Grenouille assim como toda a cena, mostrando a animalidade como algo puro e elevado.
O filme ficou muito bom, Jean Baptiste Grenouille foi muito bem representado , fazendo jus ao livro, é um personagem sombrio mas que quando bem analisado se torna cativante apesar de seus crimes. O cenário da antiga Paris na história e do nascimento de Grenouille foram maravilhosamente representados também, corresponderam aos que me passavam na cabeça durante a leitura do livro. Muitos detalhes bacanas do livro foram breves demais , mas é aceitável visando que o filme tem apenas 2h27m. O final é bom sim, não é apenas uma orgia sem sentido. Grenouille descobre que mesmo com a criação do perfume as pessoas não o amam e nem vão o amar de verdade , sendo assim o sentido de sua vida acaba ali, então ele vai a um “beco” cheio de pessoas em estado de vida degradante , como prostitutas, mendigos, bandidos , e derrama todo o perfume em si mesmo , sendo comido vivo. O final me fez pensar que ele apenas queria ser amado e que este foi seu objetivo durante todo o filme.