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O outro lado da mesa da dolorosa Síndrome do Ninho Vazio

Mães,

Escrevo isso como filha que se doeu lendo textos sobre como vocês se sentiram quando nós, filhas, saímos de casa.

A dor de vocês foi chamada pela psicologia de Síndrome do Ninho Vazio, mas a nossa ainda não ganhou nome.

Seria um outro ninho vazio? Não sei, mas venho falar sobre os medos, as angústias e as delícias de sair do ninho pro mundo, lugar para o qual vocês nos criaram.

Nosso primeiro ninho, o ventre materno, tinha tempo de estadia. Perto dos 9 meses, às vezes antes, nós sairíamos daquele lugar onde nada podia nos tocar. Nós, filhas, não lembramos da experiência de querer sair de lá.

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Imagino que, em um certo ponto, começamos a nos sentir apertadas e desconfortáveis. Talvez algum questionamento do tipo “Mas o que tá acontecendo? Era tão gostosinho aqui antes!” tenha aparecido nas nossas cabeças. Quem sabe até uma mágoa “Por que ela não me dá mais espaço?”, assim ficaríamos mais um tempo por ali. Vocês, mães, por outro lado, não viam a hora de ver a nossa cara.

Nosso segundo ninho, o lar ao lado de vocês, nunca teve limite de permanência. Vocês não nos empurrariam para fora jamais. Foi ali que aprendemos tudo: comer, falar, andar, agarrar mãos e objetivos, dar risada, ir ao banheiro, ler, escrever… tudo. Passamos por fases fáceis e divertidas, difíceis e intermináveis.

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Nós crescemos, vocês também. Assistimos suas crises existenciais, os conflitos com a idade, o amadurecimento como mãe e a beleza de ser o que se é todos os dias.

Vocês assistiram transformações, pernas crescendo demais, brinquedos aparecendo e depois sumindo da sala.

Começamos a sair por aí nos nossos voos curtos. Deixamos vocês sem dormir direito diversas vezes enquanto bebíamos em algum canto da cidade. Discutimos o motivo dos “nãos” para viagens para praia no carro do amigo do amigo da prima.

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Ficamos as duas desconfortáveis com as conversas que mães e filhas têm que ter. Mentimos para vocês e vocês mentiram para nós. Choramos num quarto, vocês no outro.

Perto dos 20 anos, às vezes antes, às vezes depois, o ninho começou a ficar apertado de novo. Nossas vontades e sonhos não cabiam mais ali.

Era óbvio que sairíamos um dia: para morarmos sozinhas, para um intercâmbio, para morar com uma amiga ou um amigo, com uma companheira ou um companheiro. A hora ia chegar, mas nenhuma de nós sabia quando. Por fim, saímos, e o ninho ficou vazio.

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As primeiras noites chegando em casa sem ter quem nos esperasse foram estranhas tanto quanto para vocês. O beijo na testa antes de dormir fez falta. O cheiro do café quando saíamos do quarto prontas para fazer o que tínhamos que fazer, o lembrete para levar a blusa e o guarda-chuva.

Mãe, eu continuo levando a blusa e o guarda-chuva.

O cheiro do meu café fica cada vez mais parecido com o cheiro do seu. A primeira vez lavando o meu banheiro foi engraçada: organizei os produtos de limpeza, prendi o cabelo e vesti a roupa “de fazer faxina” como você sempre fez. Liguei o rádio e lembrei do som dos dias de faxina, as suas músicas preferidas.

O arroz grudou, a roupa ficou mais ou menos limpa, coisas estragaram na geladeira, eu cheguei em casa tarde demais, dormi pouco, fiquei doente, te liguei perguntando como cozinhar alguma coisa e para saber como lavava a roupa direito.

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Coloquei uma foto sua perto da cama. Fiz planos durante a semana para que o final de semana ao seu lado fosse aproveitado da melhor maneira possível. Aprendi a me cuidar sozinha, a comer melhor, a deixar a roupa limpa, a organizar meus horários e a casa.

O amor, a essência da nossa relação, permanece igual. Mudaram os hábitos, a vida, o caminhar das coisas.

Mãe, eu descobri que o ninho nunca foi um espaço físico, foi sempre o seu coração – e de mim ele nunca ficará vazio.

Texto original: site LadoM
Natalia Belizario

Estudante de jornalismo, atualmente mora em Amsterdã. É colunista do site Fãs da Psicanálise.

View Comments

  • Parabéns por descrever tao bem e com tanta precisăo.
    Exatamente tudo isso vivencio, com a saída de minha filha de casa e, por outro lado da mesma forma tem sido este o comportamento que observo dela, com sua nova experiencia de vida.
    E o resultado tem sido de muito aprendizado, amor, parceria e o melhor maior aproximação. Sim aproximação.

  • MEU NINHO ESTÁ VAZIO,NO COMEÇO , QUERIA SABER ONDE ERREI, MAS ERREI, OU CRIARAM ASAS E VOARAM, MAS SOLIDÃO, NÃO SE EXPLICA, NÃO FAZEM FALTA, MAS EU SOU HUMANO, NÃO ANIMAL.

  • Passei por isso! Filha única! Mas antes q ela saísse de casa com 24 anos. Sai eu! Fui morar numa casa de praia e a deixei no conforto e proteção,do nosso lar...mas ali ela criou a independência dela, aprendeu a cuidar e manter uma casa arrumada, cozinhar ,se cuidar...foi um ótimo aprendizado...depois casou-se e hj é uma excelente mãe e dona de casa e trabalha fora! Ela dá conta de tudo...assim como eu dei..l

    • Estou comecando a passar por isso ,meu filho quer sair e penso numa atitude como a sua , doi demais, mas eles precisam crescer longe do ninho.

  • Tb amei o texto. Nao pensei que fosse sentir tanto a saída dos meis filhos. A gente quase perde o sentido da vida. Parabéns por deacrever tao bem o amor da maes e filhas e filhos.

  • É muito difícil ver um filho(a) nos deixar e cheios de esperanças morar com outra pessoa. Mas pior ainda, é qndo voltam p casa, com sonhos desmoronados, sofridos, desiludidos, mas querendo nos ensinar a viver aquilo que vivenciaram e se deram mal e mesmo assim os ajudamos ou tentamos ajudar na superação. E a vida se repete e desta vez, cheio(a) de razão, sai pra juntar seus pedaços, recomeçar sozinho(a). E nós, mães, que fomos as vezes doces e as vezes duras, tbm com nossos erros e nossos acertos,pq tbm somos humanas, ficamos orando pra que tudo seja perfeito, que a vida dê certo e de braços abertos, caso se repitam os dissabores....

    • Pior é quando o filho parte de vez e de repente e vc sabe que não verá até que sua hora tbm chegue.

  • Acho que sou uma mãe fora dos padrões do chororô. Fiquei feliz qdo minhas filhas alcançaram vôos maiores, como sair de casa e criar seu próprio ninho. Senti orgulho do trabalho feito, das instruções de vida que dei ao longo da infância, adolescência e percebi que elas chegaram a fase adulta, plenas de suas convicções. Sento-me realizada! Se fiquei triste ao ver o quarto vazio? Sim, mas só por um momento, uma fração de segundo.
    A vida continua prá mim. Prá elas ...tá apenas começando. Sinto-me feliz tb, quando elas me ligam e pedem opiniões, um conselho; fico radiante , elas são adultas e fortes. Se voltarem pra casa um dia, serão bem vindas, mas farei o possível, que retomem sua vida e redescubram o seu canto. Agora é hora de cada um no seu quadrado! Filhas para o mundo. No meu coração e na minha mente elas continuam tendo o seu quarto arrumadinho!

    • Marilu ,Concordo muito com você e todas suas palavras e a lei do pombo impurra os filhos e eles voam constroem seu próprio ninho o importante eles estarem felizes começando sua vida porque com a tecnologias ,olhamos, falamos , quando queremos ,precisamos ter nossas vidas independentes e saudável e que venham os netos ,um super beijo as que sofreram ,mas sem chororô e a lei da vida

    • Q bom que encontrei esse comentário, pois já estava me achando uma mãe fria, penso como vc, tbm me sinto feliz e realizada, pois os meus já não moram mais comigo e vivem a vida deles, fiz o que pude por eles, há eles estão bem e eu tbm.

    • Concordo plenamente consigo, sou da mesma opinião. O pior mesmo é quando eles partem de vez e aí nós sabemos que não os veremos mais.

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Natalia Belizario

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