Comportamento

O mundo tá estranho…

Se você estivesse aqui eu te contaria que o mundo anda estranho, parece que ninguém fica triste. As pessoas prometem se ver nas redes virtuais, mas nunca se encontram. Postam dias felizes, até acredito neles, mas fica a impressão que os dias difíceis acontecem somente na casa da gente.

Diria sobre o tempo e as estranhezas que ele causa na gente, quando alguém vai embora muitos meses parecem dias e dias viram anos, numa dança descompassada com a saudade. Noutras vezes a gente amanhece, anoitece, parecendo que nada aconteceu, como se o mundo estivesse despovoado de árvores, quintas, pardais, chuva e dias ensolarados.

Se você tivesse ficado um pouquinho mais eu te diria que aprendi a falar da morte pra não esquecer da vida. Fiz amigos que me abraçam, choram e sorriem. Falam de dores e amores, desprezam esconderijos, tem voz no olhar e no silêncio, com eles aprendi a me distanciar de lugares onde o barulho faz a gente esquecer da alma.

Contaria sobre aquele rapaz da rua de baixo, que passa todos os dias no mesmo horário, rumo à padaria, num exercício diário com a própria solidão. Ninguém o espera com exceção da garrafa de café. Ali, ele conversa com a vida, como se o pão matinal sorrisse pra ele. Me dá bom dia todos os dias, sorrindo.

Falaria sobre aquela senhora que reza diariamente, pensando na morte que visita as ruas do seu bairro. Em nossas conversas fala sobre as faltas que a habitarão, fala sobre saudades do varal com roupas cheirosas, o lençol esticado na cama, o tapete na porta da sala, o barulho da chuva e o cheiro da planta recebendo água. Me pergunta se é possível que o galo cante de manhã por lá, tem medo de acordar sem esse acorde.

Se você estivesse aqui eu te abraçaria demoradamente, diria que prioridade é ficar perto de quem a gente ama, inalaria suas histórias, desenharia seus olhos acompanhando as narrativas, depois faria um prato de brigadeiro e esperaria o rapaz da rua de baixo passar pra te contar sobre ele.

Se eu pudesse te ver só mais uma vez te diria que a alma tem olhos, mas as pessoas de hoje não se demoram nas coisas, tem pressa, não sabem que o varal abraça a roupa, a brisa beija a cortina, a flor ama a chuva. As pessoas de hoje são muito compromissadas, tem pouco tempo pro tempo e não conseguem se envolver. Amor é coisa demorada, parecido com bordado no linho e canjica cozinhando, carece de espera, paciência, olhos, mãos e saudade, muita saudade…

Teresa Vera de Sousa Gouvea

Psicóloga Clínica Especialista em Família pela PUC SP, especialista em Luto pelo 4 Estações Instituto de Psicologia SP.

View Comments

  • Parabéns pelo lindo texto! Quanta sensibilidade, percepção, vivencia em amor e com o encanto de um singelo olhar pelo universo humano. Show!

Share
Published by
Teresa Vera de Sousa Gouvea

Recent Posts

Precisa de uma sala de jogos e está com orçamento limitado? Aqui estão 9 ideias para criar uma experiência imersiva

Encontre uma área divertida e relaxante na sua casa para transformá-la! Aprenda como seu estilo…

1 semana ago

O que você precisa saber sobre jogos de cassino on-line agora mesmo

Os jogos de cassino on-line cresceram muito nos últimos anos, e não é de se…

4 semanas ago

Realidade virtual e aumentada: o futuro da imersão de iGaming

Nos últimos anos, a indústria de iGaming (jogos de apostas online) passou por transformações significativas,…

2 meses ago

A compulsão por jogos sob a perspectiva da epigenética e da constelação familiar

Utilizando terapias para uma nova abordagem ao problema A compulsão por jogos cresce na sociedade…

2 meses ago

As melhores estratégias para jogar em cassinos ao vivo

Agora, a indústria de jogos de azar online está crescendo, o que não é surpreendente,…

3 meses ago

Três jogos de cassino populares que tiveram seu início na televisão

Muitos dos jogos de cassino mais famosos existem há séculos, como o Blackjack e a…

4 meses ago