Entre os membros da equipe de saúde usamos o termo “suportar” para situações difíceis. Alguém diz “Ele não suporta”, ou “Acho que eles definitivamente suportam”. Para quem não é da área é difícil explicar, mas nós reconhecemos de imediato quando vemos alguma situação do tipo e é quando damos importância para o “suportar”, ou seja, damos todo o cuidado necessário quando o paciente está chegando ao final da vida. Deixem-me tentar explicar.
A paciente de 92 anos está sangrando dentro de sua cabeça, mas tem coágulos de sangue em seus pulmões. Ela sofre de insuficiência cardíaca avançada e tem recebido suporte de um respirador e diálise há 3 semanas. Ela está evoluindo como uma fileira de dominós: caindo dia após dia. Chamamos de colapso dos sistemas vitais. Suas chances de sobreviver à hospitalização são de apenas 1%.
Apesar da morte estar à espreita, essa nonagenária é tratada com os cuidados máximos, agressivos, irrestritos. Ela não apenas receberá o “código vermelho” (ou seja, quando seu corpo parar ela receberá um choque elétrico sobre o coração para que possa ser reanimada), como também está recebendo 30 diferentes medicações, uma lista que aumenta a cada nova complicação, todos os dias.
O médico responsável pelo caso “não suporta”. Ele age como se ele não percebesse que todos morremos. Ele é absolutamente incapaz de oferecer um cuidado misericordioso, honesto. Ao invés disso, põe em prática um plano que maximiza o sofrimento, confunde, prioriza intervenções fúteis e garante custos financeiros incontroláveis que podem levar a família à falência. Enquanto a paciente e a família assumem as decisões-chave que envolvem a vida e a morte, o “curador” faz funcionar um sistema de saúde ridículo, antiético e inacreditavelmente comum.
Outros médicos estão começando a “suportar”. Esse grupo, que está em rápida expansão, forma a base para o aumento da utilização das consultas com “especialistas no final da vida”. Eles estão na metade do caminho. Eles compreendem que todo mundo morre, mas não têm certeza sobre o que fazer a respeito.
Ellen tem um câncer de pulmão metastático e me procurou para que eu prescrevesse maricaua (maconha) terapêutica. O câncer tinha se espalhado e, por causa da doença e da neuropatia causada pela quimioterapia, ela tinha que lidar com muita dor. Seu médico não sabia como mantê-la confortável e não tinha um plano de longo prazo.
Para mérito dele, ele tinha sugerido que Ellen não só viesse falar comigo como também procurasse um hospice para orientá-la em seus planos para o final da vida. Ela ainda era considerada “código vermelho”, o que significa que nada evitaria que ela recebesse um excesso de cuidados inúteis, mas seu médico tinha começado a caminhar na direção certa.
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Outra noite eu recebi uma chamada de um paciente de um de meus colegas. Vendo seu prontuário, vi que ele era um ex-policial de 68 anos, com câncer renal metastático para os pulmões. Apesar desse tipo de câncer ser uma doença crônica e possivelmente fatal, seu prognóstico a curto prazo era bastante favorável, podendo chegar a anos.
O que me chamou a atenção foi uma anotação em seu prontuário que dizia: “Paciente é NR (“Não ressuscitar”) e não deseja medidas extremas de suporte à vida.” Essa é uma anotação surpreendente porque, na época, o paciente estava se sentindo muito bem. Na verdade, ele me ligou da Califórnia, durante uma viagem! Esse é um médico que “suporta”. Quando foi descoberto que o paciente tinha uma doença fatal, o oncologista teve com ele uma discussão séria e honesta.
“Suportar” significa garantir que os pacientes recebam honestidade, confiança e respeito para controlar suas próprias vidas. Sem falsas esperanças, mas com a oportunidade de lidar de forma digna com uma das realidades mais difíceis da vida.
“É a sua vida. Como seu médico, meu trabalho é guiar você, e não dar ordens ou comandá-lo. Isso diz respeito a você, não a mim. Você é o paciente. Eu sou sua equipe de apoio.”
Com o aumento progressivo da complexidade, confusão e custos do cuidado médico, é mais importante do que nunca termos médicos que “suportam”. Eles precisam aceitar que o inimigo não é a morte; o inimigo é o sofrimento desnecessário. Eles têm que compreender os limites do seu papel. Eles precisam apreciar e respeitar a força do seu parceiro e os direitos de cada paciente de decidir sobre seu destino.
A parte final da vida diz respeito a estar vivo, não à morte. Apenas desfrutando desses momentos preciosos, decidindo sobre seus próprios fatos, nós podemos esperar qualidade, conforto e dignidade.
*Texto escrito pelo médico oncologista James C. Salwitz, publicado em kevinmd.
**James C. Salwitz é médico oncologista; publica seus textos no blog sunriserounds.
(Fonte: nofinaldocorredor)
*Texto publicado com autorização do site parceiro.
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