O homem contemporâneo contempla a sociedade como se esta tivesse chegado ao seu ápice. Contempla o “Admirável Mundo Novo”, onde sentimos prazer o tempo inteiro, onde temos a liberdade de sermos senhores do nosso destino, onde não há limites.

Entretanto, sinto-me como o “selvagem” da história de Huxley, isto é, inadequado, como se esse mundo novo não tivesse nada de tão admirável.

Por trás da liberdade propagada e clamada, existem inúmeras ditaduras tão fortes ou talvez piores do que as que já existiram. Contudo, já estamos tão condicionados a esse modus vivendus, que não conseguimos percebê-lo, tampouco questioná-lo.

A bem da verdade, essas ditaduras agem de forma delicada. Não há espaço para violência ou coerção física: o segredo dessas ditaduras é o controle mental.

Uma delas é a ditadura da felicidade. Embora pareça engraçado, já existe a fórmula da felicidade; para tanto, basta enquadrar-se, seguir a cartilha. O sucesso e a felicidade resumem-se à nossa modernidade líquida em ter dinheiro, ou seja, ser uma mercadoria valiosa.

Sendo assim, pouco importa o que se gosta ou o que se faz. O importante, no fim das contas, é estar valorizado no mercado e, na sociedade capitalista, é impossível estar valorizado sem uma boa conta bancária. Mais que isso, ostentar essa conta, pois de nada adianta ter, se não se pode mostrar, afinal, vivemos na era do Instagram.

No entanto, uma pergunta me vem à mente: se não coaduno com essa ordem, como sou visto? É simples, como um selvagem, incapaz de viver em sociedade. Um subversivo que não se adapta à ordem estabelecida. Então, outra pergunta surge: se existe total liberdade, por que sou excluído? Mais simples ainda, porque não existe essa liberdade.

Estamos presos a um sistema que nos obriga o tempo inteiro a seguir a sua cartilha, que nos destitui da capacidade de racionar, de falar e de agir por nós mesmos. Devemos buscar somente o prazer pelos bens materiais. Devemos ter. Devemos mostrar. Devemos seguir o rebanho. Pois essas são as regras do jogo, pois assim a sociedade entende a felicidade.

Mas e você? E eu? Precisamos fazer parte desse jogo? Tenho o direito a uma liberdade verdadeira, em que não preciso de reinos ou de castelos para ser feliz. Quero mais do que um carro luxuoso pode me dar.

Quero chorar e sorrir quando der vontade. Lamber os dedos depois de comer pipoca. Ler Shakespeare. Sem mãos acusadoras apontando para o transgressor. Sem uma inquisição que me despersonalize e me obrigue a ser uma máquina de ganhar dinheiro, digo, uma pessoa feliz.

Se for para ser apenas mais um, entre tantos, com as mesmas roupas, as mesmas gírias e as mesmas piadas, prefiro ser um estranho. A minha subjetividade não está à venda. Não consigo ser condicionado a me desconfigurar. Sinto medo. Sinto dor. Envelheço e fico triste. Faço tudo isso porque posso, porque sou livre para fazer escolhas. Para escolher as notas que compõem a minha sinfonia.

Não preciso ser tão adequado, tampouco estar condicionado. O frenesi de construir um alguém é para os civilizados, dentro dos seus carros com ar artificial. Não preciso sentir prazer o tempo inteiro, pois sou humano e, às vezes, preciso chorar. Talvez o mundo não seja tão perfeito e as minhas escolhas não sejam as melhores. Mas preciso fazê-las, saber que errei e consertar o meu erro.

No Admirável Mundo Novo de Huxley, assim como no nosso, não existe liberdade verdadeira, como também não há felicidade. Pois somos singulares e, portanto, não podemos ser conjugados no plural. A felicidade para o selvagem era mais do que sentir prazer o tempo inteiro; para mim, é mais do que simplesmente ganhar dinheiro. Mas, se ainda disserem que a felicidade é isso, então:

“Eu reclamo o direito de ser infeliz.”

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