Criança

O choro é o limite!

Ontem observei uma cena que mexeu comigo, não por ter sido nova, pois é algo que vejo muito. A cena mexeu comigo porque ela ocorreu em um momento de reflexão sobre o sofrimento que observo em pessoas adultas, que carregam consigo as pedras de sua infância. E foi isso o que vi: uma mãe colocando uma pedra enorme na mochila de seu filho, um menino travesso e robusto com idade entre dois e três anos.

O menino queria continuar ali no chão, brincando, mas a mãe queria ir embora. A mãe chamava, o menino corria. E quando a mãe conseguiu segurar o menino, ele se deixou cair, escorregando nos braços da mãe como se fosse sabão. A mãe, já sem paciência, o puxou severamente mais uma vez para cima, sem que isso adiantasse, pois o menino voltou a escorregar para o chão. E a coisa foi se repetindo até a mãe perder totalmente a postura, dando um berro na criança, uma bronca enorme que fez o menino estremecer.

Ele parou de repente com a malcriação, assustado, olhou sério para a mãe e começou a chorar. Até aí tudo bem, e até compreendi a reação da mãe, pois menino teimoso pode realmente torrar a paciência de qualquer um, mas o que veio depois foi algo que, em minha opinião, não poderia ter acontecido: o menino chorava, praticamente se rendendo, dizendo à mãe que a bronca doeu (levar bronca da mãe sempre dói!) e pedia na verdade para ser pego no colo e consolado.

Mas, ao invés disso, a mãe prosseguiu dando bronca, cada uma mais severa que a outra. Parecia-me que quanto mais a criança chorava, mas perversa a mãe ficava. Ela chegou até a dizer que a criança merecia mesmo chorar e sofrer, já que havia sido desobediente. E lá continuou essa mãe, tascando mais e mais pancadas verbais no menino…

Confesso que me assustei, por mais compreensível que tenha sido o comportamento da mãe, já que ela é humana e limitada como todos nós. É mais que compreensível que ela tenha perdido a paciência e partido para a bronca, tentando educar seu filho num momento de desespero pedagógico, já que o menino não obedecia de forma alguma, mas percebi que o que ocorreu depois do choro deixou de ser natural.

O instinto de mãe (isso vale igualmente para o instinto de pai!) deveria tê-la feito parar com a agressão, pegando a criança no colo e consolando no instante em que ela chorou. É claro que existem crianças “tiranas”, que choram para azucrinar e chantagear os pais, mas esse é outro caso. Normalmente uma criança chora porque está com dor, com medo, assustada ou simplesmente pedindo consolo. No caso acima, tive a impressão de que a criança chorou por ter se assustado e porque a bronca da mãe havia doído.

Recordei-me então de outra cena, que observei entre cachorros e que mostra que um comportamento natural é bem diferente do comportamento da mãe na história acima: vi um cachorro adulto interagindo com dois filhotes seus. Os filhotes eram dois “traquinas”, que pulavam em cima do cachorro adulto e aprontavam o tempo todo, sem que ele (o adulto) perdesse a paciência. Mas, certa hora, um dos cachorros foi longe demais, mordendo a orelha do cão adulto, que não gostou da história, rosnando e alertando o filhote sobre o limite ultrapassado.

O filhote se assustou e correu, mas, ao invés de parar, voltou e tentou morder novamente, ignorando ainda algumas “rosnadas”, até que o cachorro adulto resolveu encerrar aquilo, levantando-se, pulando em cima do filhote e segurando-os com as patas dianteiras. Nesse momento, o filhote, assustado e provavelmente com dor, deu um grito, chorando. Isso fez com que o cachorro adulto parasse de imediato com a “bronca” e voltasse para seu lugar, deitando-se novamente.

Não dá para comparar animais com gente completamente e não acho que mãe ou pai deva se comportar como se comportam os cachorros, mas esse exemplo mostra o que quero dizer com comportamento não natural: o cachorro não quis maltratar o filhote. Ele só quis educá-lo e mostrar-lhe o limite. No momento em que o filhote chorou, se rendendo, mostrando que entendeu a bronca, o cão adulto parou imediatamente com a agressão, por saber que o filhote não chora à toa, por saber que ali estaria seu limite de “educador”.

Se observamos outros animais na natureza, percebemos: animais às vezes também são duros com seus filhotes, mas nunca mais do que o necessário, buscando educar e não maltratar. E o choro é o limite. Quando o filhote chora, a punição acaba. Já os humanos, pelo menos muitos de nós, agem diferente, prosseguindo com o castigo, com a bronca, com a repreensão, mesmo depois da criança ter chorado, mesmo durante o choro da criança.

E tem gente que ainda vai mais longe: apesar de vivermos em pleno século XXI e já sabermos que nada jamais justifica o uso de violência física contra crianças, há quem vá além da bronca verbal e bata nos filhos, continuando a bater mesmo com as lágrimas correndo no rosto da criança.

Para mim, tal atitude de uma mãe ou de um pai nada tem a ver com educação. Mesmo que não seja essa sua intenção, esse adulto age com perversidade, projetando na criança seu cansaço, sua frustração e suas limitações. Isso não é justo e só serve para quebrar a alma dessa criança, principalmente quando vira rotina, se repetindo diariamente e marcando a relação entre pais e filhos.

Não, não se castiga uma criança que chora. Repito: o choro é o limite. Uma criança chorando não precisa de bronca e castigo, mas sim de amparo e de colo. É assim que o pai ou a mãe sinaliza à criança que quer seu bem, que deu a bronca por amor e por querer educar e não para maltratá-la.

Mas se a bronca/o castigo continua mesmo depois do choro, isso tem outro significado para a criança: de que não pode confiar no adulto, pois esse não hesitará em pisoteá-la assim que ela mostrar fraqueza, quebrando a confiança entre pais e filho, colocando em sua mochila um peso que essa criança terá que carregar consigo talvez por uma vida inteira. Essa quebra de confiança pode fazer com que a criança se torne um adulto infeliz.

Repito mais uma vez: o choro é o limite! Portanto, tanto faz o que seu filho ou filha aprontou ou deixou de aprontar, na hora em que ele ou ela chorar, pare com a bronca, pare com repreensão e pegue sua criança nos braços, dando amor, carinho e conforto. E você verá que isso educa mais que qualquer bronca, por mais bem dada que seja.

Gustl Rosenkranz

Blogueiro residente em Berlim. Apaixonado por palavras, viciado em escrever, sem luvas, tocando no assunto, porque gosta e porque precisa, sobre a vida e tudo que a toca. É colunista do site Fãs da Psicanálise.

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