O câncer lapidou minha fé e me mostrou que Deus é, acima de tudo, liberdade e que não importa qual seja o caminho que você procure, você sempre irá encontrá-lo no final.
Ter câncer é suportar o estigma de uma doença que muitos sequer querem dizer o nome. É ser alvo de olhares de compaixão, é ter que suportar a ideia que os outros têm de que você vai morrer e pronto. Tantas outras doenças graves e silenciosas matam até mais do que o câncer, mas não provocam nas pessoas esta ideia catastrófica.
O câncer não é uma doença, mas sim muitas doenças em locais e estágios diferentes, cujos tratamentos também são diferentes. E pela força do estigma, o câncer tem o poder de modificar para sempre quem o enfrenta. Em mim o câncer teve e está tendo o poder de cura.
O câncer me curou do hábito olhar para o ontem e para o amanhã e tornou a minha vida uma sucessão de hojes. Mostrou-me que há dias bons e dias ruins – e que ambos passam. O câncer lapidou minha fé e me mostrou que Deus é, acima de tudo, liberdade e que não importa qual seja o caminho que você procure, você sempre irá encontrá-lo no final.
O câncer me fez deixar de questionar “Por que eu?” e me ensinou a me perguntar: “Por que NÃO eu?”. O câncer me fez ter ainda mais compaixão pelo meu próximo e me faz pensar todos os dias nas pessoas que, assim como eu, estão submetidas ao veneno da quimio e à radiação; e que, entretanto, pegam fila no transporte público e não têm ajuda em casa para que lhes façam sequer uma sopa.
O câncer me curou da vaidade, do apego ao meu “falecido” cabelão loiro. Livrou-me da futilidade de não querer cortá-lo, de reclamar dos dias em que a franja não estava bonita e da bobagem de achar que eu tinha que gastar mais e mais dinheiro comprando cremes e máscaras caríssimos. Diminuiu o tempo do meu banho pela metade e me ensinou algo que só quem perde os cabelos entende: que qualquer cabelo serviria para mim hoje. Eu que tinha os cabelos como marca registrada e que cresci ouvindo elogios a ele por serem loiros naturais, hoje estou sem eles, sem cílios e sem sobrancelhas.
O câncer me curou de perder tempo com assuntos polêmicos e me ensinou que pouca gente entende o que estamos querendo dizer, quando expressamos uma opinião ou firmamos uma posição sobre algum assunto.
Também me ensinou que as discussões quase sempre acabam em agressividade e não em diálogos assertivos e que calar me livra de ser agredida gratuitamente. Mostrou-me que tudo fica muito pequeno diante do fato de ter que enfrentar um tratamento perigoso e arriscado. Fez-me livre do vício de publicar minha vida nas redes sociais e também de observar quem a publica. Mostrou-me que quem é feliz de verdade está offline, assim como quem está enfrentando desafios como eu.
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O câncer me curou de insistir em relações que não são íntegras e sinceras e me fez deixar de investir em gente que não se importa comigo e em pessoas que não me devolvem o afeto que lhes dei ou dou. O câncer me mostrou que tenho, sim, que ter fé no ser humano e acreditar nas pessoas, entretanto, como disse Frida, não devo permanecer onde não há amor e nem aceitar menos do que dou. Aprendi que não vou conseguir melhorar todos e que tem gente que não quer ser ajudada nem tampouco amada.
O câncer me curou das minhas certezas de achar que estou sempre com a razão, me aproximou ainda mais da minha família e me mostrou o quanto preciso deles. Trouxe-me amigos novos, trouxe de volta amigos antigos e me surpreendeu com tanta vibração positiva.
O câncer me mostrou o quanto nossa mente fabrica tudo que nosso corpo sente, já que eu tenho um “tumor de criancinha” e as crianças seguem o mesmo protocolo de quimioterapia que eu, porém, em espaço menor entre uma e outra porque suportam bem mais as reações. Sabem por que? Porque não sabem que aquele “soro” e aquela “groselha” são altamente tóxicas. Elas me ensinaram que o que desconhecemos não existe para nós.
O câncer me mostrou que o amor vem de onde menos se espera e que o amor, às vezes, é tão grande e tão forte que nos constrange.
O câncer me mostrou que só quem passa por ele é que consegue entender, na íntegra, o que acabei de escrever e quando olho para ele eu vejo que sou muito mais forte. A cada recuperação dos efeitos da quimio, a cada sessão de radioterapia, o câncer me mostra o tamanho da minha força. Enquanto ele morre, eu recupero a minha vida.