Hoje é dia de faxina. Todo dia é. Vou sujando, vou limpando. Descobri que limpar a casa me ajuda a varrer de mim um punhado de sentimentos feios como a poeira morta.
Esfrego a louça com determinação e detergente. Cada talher, cada copo, cada prato, cada panela, libertos da gordura sob a torneira aberta, tornam-me livre de toda angústia.
A máquina de lavar que bate minhas roupas, barulhenta e furiosa, também amacia minha alma, inunda meus ímpetos e acorda minhas esperanças.
A vassoura que arrasta a sujeira do chão é a mesma que percorre meus cantos escuros e arranca de mim toda grossura, remove cacos de palavras quebradas, desentoca mágoas perdidas debaixo do sofá, descobre lágrimas cristalizadas de choros escondidos, feito pedras nos rins, junta tudo e põe no lixo, sem dó.
Toda alma desse mundo devia ter o prazer de limpar o banheiro. Com gosto e vontade, esfregar-lhe o chão e as paredes, lavar o vaso sanitário como quem dá jeito no mal que agonia o planeta.
Desinfetar-lhe os cantos tomados de vermes e bactérias. Ensaboar e enxaguar, abrir a torneira, ligar o chuveiro, dar a descarga e deixar um perfume bom ganhar a vida feito um sentimento de paz.
Faxinar a casa abre o fluxo da vida, limpa seus alvéolos pulmonares, extirpa o catarro amarelo e pegajoso do fuxico, descongestiona veias entupidas de medos e dores.
Limpar a casa nos asseia por dentro, ilumina e revela a beleza das coisas de fora, lava nosso caminho de luz.
Hoje é dia de faxina. Todo dia é. Um pouquinho que seja. Começo em qualquer canto, vou para todos os outros. Limpo e me sinto limpo. Sei lá. Descobri que fazer faxina é um jeito bonito de cuidar da vida.