Cotidiano

Na vida, você é turista ou peregrino?

Na vida, você é turista ou peregrino? Essa não é uma pergunta simples, e menos simples ainda é uma resposta. Turista ou peregrino é uma maneira de estar na vida, de vivê-la, de entendê-la, de se descobrir nela.

O turista vê a vida como um destino final. Entende o viver como a capacidade de usufruir os bens que lhe estão à disposição. Curtir, consumir, usufruir, experimentar são algumas palavras facilmente encontradas no vocabulário de um turista.

Não está interessado no caminho que leva até o destino de sua viagem, os lugares que passa, as pessoas que pode conhecer; só lhe interessa chegar. Quanto mais rápido e confortável o translado até seu destino, melhor. Aliás, conforto é outra palavra sagrada na vida do turista. Conforto representa pra si e, para todos aqueles que o conhecem, o quanto ele é pródigo em sua capacidade de gastar consigo mesmo. Capacidade de comprar conforto é para o turista o maior exemplo de si mesmo. Pelo conforto se destaca de todos os outros.

Ao turista importa conhecer, melhor dizendo, visitar cada vez mais. Quanto maior o cardápio de lugares e experiências que visitou e viveu, mais se ufana. Mas há um limite entre o que o turista sabe, conhece e é, e o que ele deseja conhecer. Quanto mais turista for um turista, mais ele desejará viver experiências que estejam dentro do seu repertório conhecido de experiências anteriores. O turista não quer saber de novidades exóticas, nem surpresas desconhecidas e que, lhe possam causar sensações ou, emoções que ele já não conheça.

Quanto mais o destino visitado puder oferecer aquilo que o turista já tem como familiar em sua vida cotidiana, tanto melhor. O turista é aquele em que a vida não passa de uma paisagem pro seu prazer. Nesse sentido, o turista tem uma capacidade muito reduzida de viver dissabores. Toda e qualquer situação não prevista e, que lhe desagrade, ele interpretará como um gesto pessoal, da vida, contra ele.

Para o turista, viver é ser senhor da existência, é domesticá-la de acordo com seus interesses. Sendo a vida apenas uma paisagem pro seu usufruto, lugar onde ele deve gozar suas necessidades, qualquer contrariedade ou frustração, é imediatamente seguida por uma intensa cascata de ressentimento e ódio.

O turista é tanto melhor turista, quanto mais superficial conseguir ser. Nada lhe interessa além da superfície; e é por isso que constantemente interessado em novas experiências, novos destinos de viagem. Sua ração é pobre em nutrientes, por isso precisa todo tempo se empanturrar com novas experiências. O turista vai de uma experiência à outra sem parar, e de nenhuma delas retira qualquer transcendência; quer simplesmente repetir as sensações produzidas por cada uma delas; e quanto mais pratica isso, mais necessitado fica de mais praticar a mesma coisa.

O turista é aquele em que a experiência de consumir tornou-se a própria experiência de viver. É nessa mesma medida que a vida do turista é uma contradição em relação a vida; posto que o homem tem vocação para o profundo, e o turista é o superficial.

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O peregrino é tipo ideal oposto ao turista. Se pra este, o destino é a única coisa que interessa, àquele nada faz sentido além da caminhada. O peregrino sabe que sua vida é o caminho de uma missão. E a missão ele irá descobrir no caminho.

Ao peregrino não importa chegar, não há lugar algum a se chegar. Seu interesse está, em se fazer ao longo da caminhada. “Caminheiro, o caminho é caminhar”.

O peregrino, não tendo um destino previamente traçado, está ocupado consigo mesmo enquanto caminha, posto que a história da sua caminhada é aquilo tudo que viveu. São as dores da caminhada, as perdas no caminho, as ilusões das paisagens, que escrevem na pele do peregrino, e na sua alma, os traços de uma vida inteira.

A caminhada não é uma escolha que se coloca ao peregrino, podendo ele aceitar ou não; ao contrário, é na caminhada que o peregrino se descobre enquanto caminheiro dessa jornada. É no caminho que o peregrino se dá conta do convite que lhe foi feito, e do fato que já não há mais tempo de não aceitar.

O peregrino é o viajante que busca o profundo e o oculto. O superficial não lhe interessa, o simples o aborrece, o vazio o entendia. É por isso que o peregrino tem pouco interesse nas coisas do mundo; são vãs demais, sedutoramente pobres, vazias demais.

O alimento de que se nutre o peregrino é rico em nutrientes. Pois que sai das profundezas dele mesmo. É no encontro consigo mesmo, é na viagem interior que se obriga a fazer; é nas profundezas do seu próprio ser que encontra o significado da existência, da vida. Seu alimento é transcendente.

Enquanto caminha, mergulha em si mesmo, enquanto mergulha em si, encontra as razões inexplicáveis da vida. Assim, se fortalece. É das raízes profundas de si, que projeta as alturas pujantes da sua copa. Como disse o Mestre: “É como o grão de mostarda que, quando é semeado, é a menor de todas as sementes. Mas, depois de semeado, cresce, torna-se maior que todas as hortaliças e estende de tal modo os seus ramos, que as aves do céu podem abrigar-se à sua sombra”.

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É na caminhada que o peregrino aceita fazer, que viverá os desafios de sua própria jornada interior. Nessa jornada encontrar-se-á consigo mesmo, suas misérias, limitações, medos, insuficiências, sua solidão. Desolado consigo mesmo, encontrará o caminho pra sua transcendência, se assim se dispuser a conseguir.

Mas a alegria do peregrino é que a cada passo na caminhada, significa um passo pra dentro de si mesmo, e quanto mais fundo vai, mais se sabe ser parte de algo que lhe infinitamente superior. Aos poucos e a cada dia, nutrido por essa força que lhe é superior, que busca cada vez mais o profundo de si mesmo; o profundo do mistério que é viver.
Por isso não importa a chegada, posto que não é o destino que lhe atrai, mas o mergulho no mistério da caminhada. O cotidiano é apenas a paisagem de fundo, é apenas o ruído necessário a sua jornada.

O peregrino não espera ser compreendido em sua profundidade; não pode compreender o profundo quem se contenta com a superfície. O peregrino sabe que na vida, nada é novo. Tudo é uma enfadonha repetição, em que cada um é convidado a peregrinar ou, fazer turismo.

O peregrino é o tipo ideal que nos inspira a nos perguntarmos: qual a missão da minha caminhada. Uma vez descoberta a missão, tudo passa a fazer sentido, a vida ganha colorido; e o próprio peregrino se incorpora ao mistério da vida.

Luciano Alvarenga

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