Só há um único jeito para suspender o hábito do fumo ou interromper qualquer droga: parar de mentir. E mentir para si mesmo.
Todo fumante mente que não é tão dependente. Se ele diz que fuma meia carteira, fuma uma inteira; se diz que fuma uma carteira, fuma duas. Consome sempre o dobro daquilo que assume.
Ele não é honesto com seu próprio consumo, não será com as demais histórias envolvendo o seu vício.
A mentira já vem instalada no software da personalidade ansiosa e obsessiva.
Emprega frases falsamente honestas como “não compro cigarro há uma semana”, mas não revela que fumou no período pedindo cigarro emprestado.
Como não quer ser recriminado, antecipa desculpas e vende as confissões com desconto. Arredonda para menos o seu vínculo com o tabaco. Na verdade, ele se enxerga em desvantagem social, fraco e carente aos familiares, e omite suas experiências com o objetivo de prevenir os sermões e as tradicionais implicâncias sobre os malefícios da saúde. Para fugir dos fatos, recorre a uma comunicação esquiva, defensiva e indireta.
Não adianta parar de fumar e não parar de mentir.
Há quem faça a contagem da abstinência para os outros enquanto permanece fumando em segredo. Ou seja, é alguém que interrompe apenas publicamente a sua compulsão. Apesar de morar sozinho, é capaz de tomar vários banhos para não ser descoberto.
Quem se afasta da nicotina deve também mudar os hábitos com a verdade.
Cigarro não é problema de contexto (trabalho e estresse), cigarro não é problema de horário (no almoço e na janta), cigarro não é problema de alcatrão (fraco ou forte), cigarro não é condicionamento intelectual, é uma bomba química como tudo o que é feito em laboratório para criar escravos biológicos.
Não é parando um pouco por vez que dará resultado. Não é diminuindo o número de cigarros, pois sempre enfrentará uma crise ou uma tristeza para justificar o aumento súbito da cota num determinado dia.
Não é reservando o cigarro unicamente para baladas e bares, que se livrará da dependência. Muitos usam a desculpa de que sentem vontade de fumar ao beber e acabam alcoólatras da fumaça.
Não é deixando de comprar uma carteira que vingará a abstinência – existe a possibilidade de adquirir avulsos e filar de amigos.
As mentiras estão escondidas nas exceções.
(Autor: Fabrício Carpinejar, poeta, cronista, jornalista e professor, 41 anos, é autor de 26 livros)
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