Comportamento

Luto: uma dor em constante ressignificação

“O médico perguntou:
— O que sentes?
E eu respondi:
— Sinto lonjuras, doutor. Sofro de distâncias (Denison Mendes – Bonsais Atômicos)

Para mim, ser psicólogo é uma arte. Sim, a arte de escutar e ressignificar!
Simbolicamente é a arte de escutar a alma do outro, mesmo que este outro esteja com a vida literalmente de cabeça para baixo. Cabe a nós escutá-lo e compreendê-lo. Nós que trabalhamos com pessoas que estão vivenciando perdas e/ou luto precisamos estar disponíveis para “escutar” a tristeza, as angústias, o choro, a dor que dói na alma.

O texto abaixo escrito pela psicóloga Erika Pallottino, especialista em luto e que possui um Instituto especializado no tema, descreve com sensibilidade, a partir do seu olhar clínico, as dores vivenciadas pelos enlutados.

“Eu não sei exatamente quando a dor chega quando perdemos alguém. De repente é assim, dói. Dói forte. Dói a cada lembrança e a cada certeza de que não nos veremos mais. Dói e existe lamento a cada imagem que retorna dos bons dias vividos, das alegrias divididas, dos sufocos que não serão esquecidos.

Escutamos quase diariamente em nossa clínica o retorno a esses encontros saudosos. Junto deles, o lamento, o pesar, o pranto e a certeza de que o luto é a prova de que houve muito amor envolvido.

Leia Mais: Luto não elaborado: as repercussões psicoemocionais na vida adulta

Acompanhar a experiência do luto das pessoas que nos procuram é sermos testemunhas de histórias bonitas e de inesquecíveis encontros.

A mãe que nos conta da chegada à despedida do filho amado. O marido que nos relata sobre o brilho no olhar ao iniciar o namoro com o amor da sua vida, sobre o cuidado aos últimos dias da esposa que lhe trouxe sentido. A irmã que sorri ao contar as travessuras que fez ao lado do irmão, o momento que passou a caminhar sozinha e sem rumo, por não tê-lo mais por perto. O pai que se despede e se reencontra com o seu lindo bebê, na mesma hora do “oi” e do “adeus”.

Parece que dor faz a gente secar. Sim, pessoas no auge da dor parecem secas e sem estofo interno. Minguam. Sofrem e se consomem pela despedida que parece sempre abrupta, mesmo quando esperada. A dor aguda arranca tudo.

Esquecemos, porque a dor encobre a lembrança, que a intensidade e a magnitude daquilo que hoje é dolorido foi fruto da poesia, do aconchego, do que se viveu profundamente e com sentido.

As histórias que preenchem os nossos consultórios são de dor, mas, sobretudo, de amor. Que o amor seja sempre lembrado e relembrado por todos nós. Pacientes e terapeutas”.

(Publicado em: Facebook de Erika Pallottino)

Ao ler este texto escrito por Erika, lembrei-me de uma frase de Colin Parkes (1998) sobre o determinante de um processo de luto: “A intensidade do luto é determinada pela intensidade do amor”.

Referências:
Parkers, Colin Murray. Luto: estudos sobre a perda na vida adulta. Trad.: Maria Helena Franco Bromberg. São Paulo: Summus; 1998. 291 p.

Nazaré Jacobucci

Psicóloga Especialista em Psicologia Hospitalar e Luto, Member of British Psychological Society. É colunista do site Fãs da Psicanálise.

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Nazaré Jacobucci

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