Comportamento

Luto no escritório: Quando um colega de trabalho morre

“Amigo é coisa para se guardar
Debaixo de 7 chaves
Dentro do coração
Assim falava a canção
Que na América ouvi
Mas quem cantava chorou
Ao ver seu amigo partir” (Milton Nascimento e Fernando Brant)

O ano era 1986, eu cursava o último ano do curso de secretariado e como exigência curricular eu realizava meu estágio profissional numa multinacional holandesa. Meu departamento era pequeno, éramos apenas 3 pessoas. A secretária que supervisionava meu estágio era casada com um funcionário da administração, um departamento enorme, por isso nós tínhamos o hábito de almoçarmos com os colegas dele. E assim fiz amizade com muitas pessoas que trabalhavam na administração, e em especial com o Hélio, que os colegas carinhosamente chamavam de Helinho, por ser um rapaz miúdo.

Numa manhã de segunda-feira ensolarada – e apesar de fazer 30 anos, eu me lembro perfeitamente daquela manhã – eu cheguei para trabalhar e Márcia me cumprimentou com um semblante triste e disse: “preciso te contar algo que ocorreu no final de semana. Infelizmente, perdemos um colega de trabalho no sábado, vítima de um acidente de moto. O nosso querido Helinho morreu”.

Naquela época não havia as facilidades de hoje. Não tínhamos celular e as notícias chegavam por telefone, telegrama ou fax. E como no Brasil é praxe realizar os ritos fúnebres em 24 horas, seu funeral ocorreu no domingo e não foi possível avisar a todos. Por isso, muitos dos colegas de escritório receberam a notícia naquela manhã de segunda-feira.

Lembro-me de ficar olhando pela janela por muitos minutos sem dizer nada; absolutamente nada. Como numa tela de cinema, em minha cabeça as cenas de nossos almoços e conversas iam passando lentamente e as lágrimas teimavam em cair copiosamente, mesmo que eu as enxugasse. Não preciso dizer que aquela semana foi de profunda tristeza e permeada por uma estranha sensação de vazio.

Quando um colega de trabalho morre, além de afetar familiares e amigos, a perda também tem um impacto em seu local de trabalho. Caso você seja o chefe do setor e um membro de sua equipe morre, você precisará pensar cuidadosamente em como apoiar seus outros funcionários, dar atenção à família que perdeu um ente querido, e ao mesmo tempo se permitir vivenciar o seu processo de luto. Afinal, nós passamos uma parte muito significativa de nosso tempo no trabalho e, portanto, aquela pessoa não era apenas membro da sua equipe, era um colega. Às vezes, esta pessoa se tornou um amigo que não apenas compartilhava com você o trabalho, mas as risadas, as reclamações, os bons e maus momentos da vida ao longo de dias, meses e anos.

Neste sentido, a forma como a morte de um funcionário é tratada pode ter implicações, positivas ou negativas, nas relações entre a empresa, o chefe, membros da equipe e demais funcionários de outros setores. A comunicação da morte, mesmo em tempos de Facebook e WhatsApp, deve ser feita de forma delicada e sensível. A maioria das empresas possuem uma política interna para o luto e, geralmente, quando o funcionário perde um amigo próximo ele pode ter um dia de afastamento do escritório.

No entanto, quando um colega de equipe morre, um escritório inteiro não pode deixar de funcionar. Por isso, o ideal é que o departamento de RH tenha um membro devidamente qualificado e treinado para situações em que envolvam morte e luto. Pois, pode haver colegas da equipe do funcionário que morreu que necessitará de um apoio psicoemocional para retomar suas atividades durante o processo de enlutamento.

Leia Mais: Luto: uma dor em constante ressignificação

Com efeito, existem outras questões que permeiam a morte de um funcionário e que precisam fazer parte de uma política da empresa para casos de morte e luto. Tais como:

1) Comunique seus subordinados assim que souber da notícia, dê preferência por telefonar aos colegas mais próximos, e procure fornecer informações precisas sobre o motivo da morte para evitar rumores, especialmente em casos de mortes violentas e/ou suicídio.
Designar uma pessoa para cuidar das manifestações de condolências à família do funcionário morto, por exemplo, o envio de flores;

2) Ao longo da semana o funcionário do RH capacitado para lidar com assuntos relacionados a morte e luto deve observar atentamente as reações e comportamento dos membros da equipe e demais funcionários;

3) Alguns aspectos administrativos precisarão de atenção. Por exemplo, se o funcionário tinha um telefone fixo em sua mesa e este possuía uma mensagem de correio de voz para chamadas não atendidas, esta mensagem precisa ser silenciada e/ou alterada. Assim como a caixa de e-mails precisa ser verificada e e-mails importantes, respondidos. Caso este funcionário possua contatos externos, estes precisam ser comunicados;

4) Providenciar a continuidade do trabalho. Será necessário fazer uma reunião para discutir, praticamente falando, como e quem temporariamente assumirá os afazeres do funcionário morto. Esta pessoa precisará se informar sobre os itens que estão abertos e tarefas importantes que necessitam de uma ação imediata;

5) Organizar os pertences pessoais do funcionário, pois todos nós temos coisas e objetos pessoais em nossas mesas no escritório. Alguém da equipe que seja próximo da família pode assumir a tarefa de contatar um familiar do colega e se informar o que os familiares desejam fazer com estes pertences e providenciar que o desejo manifesto se cumpra. Outra questão, é sobre o espaço físico ocupado pelo colega. Seria adequado esperar um tempo antes de ver a estação de trabalho do colega morto desmantelada; as pessoas precisam de tempo para elaborar esta ausência;

6) A contratação de um novo funcionário para substituir o colega pode ser uma tarefa emocionalmente difícil. O chefe ao entrevistar o novo funcionário precisa estar atento a não fazer comparações com o colega que morreu. É aconselhável avisar a equipe sobre a data de início do novo colega e prepará-los para a mudança. Faz parte do processo de luto compreender que, a partir de uma perda, novas situações virão;

Leia Mais: Luto não elaborado: as repercussões psicoemocionais na vida adulta

7) Perda de produtividade e motivação pode ocorrer. Ao observar, seja o chefe ou o funcionário do RH, que um dos membros da equipe não retomou ao seu nível normal de produtividade e parece estar em sofrimento psíquico e emocional, converse com esse funcionário, fale sobre o que você observou e compartilhe suas preocupações. Muitas vezes, uma perda em uma área da vida de alguém, como a perda de um colega de trabalho, pode desencadear sentimentos não elaborados sobre perdas anteriores. Talvez esse funcionário precise de um acompanhamento psicoterapêutico para lidar com seus sentimentos;

8) Após um mês aproximadamente seria interessante que um funcionário do RH telefonasse para a família do funcionário que morreu para oferecer apoio e orientações, caso seja necessário, para com a documentação legal sobre os benefícios que este funcionário tenha direito. Às vezes, as questões burocráticas e seus entraves podem ser um fator complicador para o processo de luto desse familiar. Ter uma explicação clara sobre o que fazer e principalmente como fazer, pode ser de grande valia;

9) E, claro, encontrar uma maneira de todos compartilharem seus sentimentos com relação a esta perda. Um almoço mais prolongado onde todos possam lembrar os bons momentos vivenciados com o colega e/ou um lanche após o expediente de trabalho para expressarem o quão está sendo difícil lidar com esta situação. O compartilhar da dor individual num ambiente coletivo pode ser reconfortante.

Como regra geral, as empresas não estão preparadas para lidar com morte e luto e passam a considerar o assunto quando, de fato, um funcionário em plena atividade morre. Contudo, somos seres impermanentes e podemos morrer a qualquer hora, até mesmo no local de trabalho. Por isso, as empresas deveriam ter uma política interna sobre a morte e o morrer baseada na compaixão, simplicidade e objetividade.

P.S. Este post é em homenagem a todos que trabalharam comigo e que hoje se encontram numa outra dimensão. Em especial: Beatriz, Bernardes, Guilherme, Helinho, Horácio, Nivaldo e Sérgio.

Referências:
Cope, Incorporated [site]. A “Practical Management” Article
Managing the Workplace After the Death of an Employee. Disponível em: http://www.cope-inc.com/org_manager/pma/eedeath.shtml
Cruse Bereavement Care [site]. When a staff member dies. Disponível em: https://www.cruse.org.uk/bereavement-at-work/when-employees-die
McKay, Dawn Rosenberg. How to Cope with the Death of a Colleague. The Balance [site]. September, 2016. Disponível em: https://www.thebalance.com/how-to-cope-with-the-death-of-a-colleague-526104
Rigby, Rhymer. The death of a colleague. The Financial Times [site]. June, 2013. Disponível em: https://www.ft.com/content/ced95480-d8ca-11e2-84fa-00144feab7de

Nazaré Jacobucci

Psicóloga Especialista em Psicologia Hospitalar e Luto, Member of British Psychological Society. É colunista do site Fãs da Psicanálise.

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Nazaré Jacobucci

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