Comportamento

LUTO NA INFÂNCIA: A CRIANÇA ENLUTADA

“A vida, senhor Visconde, é um pisca-pisca. A gente nasce, isto é, começa a piscar. Quem para de piscar chegou ao fim, morreu. Piscar é abrir e fechar os olhos – viver é isso. É um dorme e acorda, dorme e acorda, até que dorme e não acorda mais…” (Memórias de Emí­lia – Monteiro Lobato)

A morte é inerente à nossa existência, então, precisamos falar sobre a morte com as crianças, pois em algum momento elas irão perder um ente querido ou um animal de estimação.

Há também as crianças que vivem em zonas de extrema violência e que se deparam com a morte cotidianamente. Portanto, temos que prepará-las para lidar com esta situação.

Quando uma morte ocorrer, pode ser a oportunidade para que nós conversemos com ela sobre o tema. Esta conversa é importante e saudável para ajudá-la a lidar com o sofrimento.

Como os adultos, as crianças precisam vivenciar o processo de luto para elaborar a perda que ocorreu e continuar com sua vida sem medo. Resguardar as crianças da morte ou do conceito de morte presumindo que são muito pequenas para entender o que significa o que é morrer não é o ideal.

Para entendermos melhor o processo de luto na infância, compartilho na íntegra e com a devida autorização uma excelente entrevista da Profa. Dra. Luciana Mazorra publicada no Instituto Quatro Estações de Psicologia. Nesta entrevista ela responde às dúvidas mais frequentes sobre luto na Infância.

Leia mais: Tipos de luto: sim, existe mais de um

“Criança e o Luto”
Entrevista: Profa. Dra. Luciana Mazorra Santos e Mello Franco

A criança fica enlutada? Como ela lida com mudanças? Será que ela sofre como o adulto? Como se manifesta o luto da criança? Estas perguntas são frequentes no que se refere ao luto na infância.

Às vezes, estas dúvidas acontecem porque pouco se sabe sobre luto na infância e alguns adultos tendem a ver a criança a partir de seu olhar adultocêntrico, ou seja, tem dificuldades em perceber a criança enquanto um ser em desenvolvimento e com outras formas de pensar e conceber o mundo.

Para esta discussão, Renata Millan, trainee do 4 Estações Instituto de Psicologia, entrevista Drª Luciana Mazorra, co-fundadora do instituto, autora de livros e capítulos sobre luto na infância.

Leia mais: Conversando sobre a Morte

Renata Millan: Luciana, como você responde ao público que pergunta sobre criança e luto?

Luciana Mazorra: Em primeiro lugar, é muito importante validarmos o luto vivenciado pela criança e atentarmos às suas necessidades e de que forma a família e a comunidade podem contribuir para seu processo de elaboração. Muitas vezes, em função de a criança manifestar sua dor de forma diferente do adulto, este entende que ela não está sofrendo, o que não é verdade. Embora ela tenha um modo próprio de elaboração, que não pode ser comparado ao adulto pelo fato de que está em desenvolvimento, também está enlutada e tenta atribuir sentido ao que viveu.

RM: Quais são as especificidades do luto da criança quando comparado ao adulto?

LM: A criança está em desenvolvimento cognitivo e emocional e, embora quando sofre uma perda significativa, adquira os conceitos de irreversibilidade, não funcionalidade e universalidade da morte prematuramente, há questões que ela vai compreendendo e revendo à medida que cresce.

Leia mais: Emoção, Sentimento: Luto X Saudade

Outro fator que torna o luto mais desafiador para a criança é o fato de que ela depende do adulto para sua sobrevivência física e psíquica.

Portanto, quando falece um membro da família, a criança tem que lidar com a sobrecarga do luto dos pais, que podem estar menos disponíveis emocionalmente para cuidar dela e teme por sua sobrevivência: Será que outras pessoas que amo podem morrer também? Quem vai cuidar de mim agora?

RM: Como a família pode ajudar no processo de luto?

LM: A família deve tratar do assunto com transparência e verdade. Contar o mais breve possível sobre o que aconteceu, não utilizar metáforas, como dizer que a pessoa está descansando, e estar disponível para responder suas perguntas. Desta forma, está dizendo para a criança que é possível lidar com a morte de um ente querido, sobreviver a esta perda e que ela não está só na sua dor.

Leia mais: A Criança e a Morte

O modo como a criança pode elaborar a perda depende diretamente da forma que os familiares podem lidar com seu luto, atuando como um modelo para a criança. Portanto, a família que pode conversar sobre seus sentimentos, falar sobre a pessoa perdida e que não nega o luto, ajuda a criança a aprender que ela também pode olhar para os diversos sentimentos evocados pela perda e receber suporte de sua família e da comunidade.

RM: Pela sua experiência, você diria que a maioria das crianças precisa ou não de acompanhamento profissional para lidar com o luto? Como é possível perceber a linguagem da criança que não está conseguindo elaborar seu luto sozinha?

LM: A necessidade de ajuda profissional dependerá do vínculo que a criança tinha com a pessoa perdida, como a família está lidando com o luto, do suporte social recebido e das circunstâncias da morte. É bastante comum que a família esteja muito fragilizada, em especial no caso da morte de pais ou irmãos e não se sinta disponível emocionalmente para dar o suporte que a criança necessita. O psicólogo ajudará não somente a criança, mas toda a família a lidar com o luto.

Alguns sinais de que a criança pode precisar de ajuda: aparente indiferença, sintomas (somáticos, comportamentais) que persistem e causam prejuízo; criança está ocupando o lugar do genitor ou irmão perdido ou existe este risco; sentimento de culpa e raiva intensos; pais estão sobrecarregados pelo próprio luto e pouco disponíveis; relação com falecido era ambivalente; rede de apoio da família é insuficiente, pensamentos e comportamentos suicidas e Inibição do brincar.

RM: O seu livro, em parceria com a Drª Valéria Tinoco, “O dia em que o passarinho não cantou” retrata de forma simples e completa a vivência do luto pela criança. A culpa, a raiva, o desanimo, mas também a adaptação a esta mudança. Como você diria que a literatura e educação para a morte podem ajudar crianças e adolescentes a processarem de forma mais saudável o luto?

Leia mais: Livros podem ajudar crianças a entenderem e enfrentarem perdas

LM: Livros que tratam do tema ajudam a criança e o adolescente a se identificarem com a situação que estão vivendo, a compreenderem e a compartilharem seus sentimentos e elaborarem a perda, sendo, portanto, ferramentas muito úteis e que devem estar ao seu alcance em casa e na escola.

(Publicado em: Quatro Estações Instituto de Psicologia)

Ao lermos esta importante contribuição dada pela Profa. Luciana Mazorra, pudemos compreender que, o quão importante é dizer a verdade, para ajudar a criança a compreender e aceitar o morrer.

Nazaré Jacobucci

Psicóloga Especialista em Psicologia Hospitalar e Luto, Member of British Psychological Society. É colunista do site Fãs da Psicanálise.

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Nazaré Jacobucci

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